Poderia ser a chaya apenas mais uma panaceia a caminho – superalimentos têm que ter calma e esperar a vez, até passar a moda de seus antecessores milagrosos. Em outros países, ela já está na frente e parece que chegou para ficar, amparada por estudos que comprovam o que os maias já sabiam desde a época pré-colombiana. Eu gosto desta verdura por vários outros motivos.
A chaya (Cnidoscolus aconitifolius) é uma planta arbustiva domesticada, natural da região maia da Guatemala, Belize, Sudeste do México, Península de Yucatán e partes de Honduras. Pode ser novidade para a maioria dos leitores e leitoras, mas é espécie comum entre hortelões urbanos brasileiros – em quase toda horta urbana há um pé de chaya, pode reparar – e também nas feiras de trocas de mudas e sementes. Assim, nos últimos anos, ela tem se espalhado por hortas comunitárias, quintais produtivos e em sistemas agroflorestais de norte a sul. E, claro, tem frequentado a mesa de quem está atento à alimentação do futuro com baixo impacto ambiental na produção.
Meu contato com ela não tem muitos anos. Ganhei de dois amigos pesquisadores, Valdely Kinupp e Nuno Madeira, duas variedades que se ambientaram perfeitamente no meu quintal.
Nutritiva, mas pouco conhecida
Devido ao grande porte para uma hortaliça, ao sabor agradável que lembra couve e espinafre e ao excelente valor nutricional e alta produtividade o ano todo, é ideal para se cultivar em hortas públicas e entrar no cardápio da merenda escolar – é o caso da prefeitura de Jundiaí que tem investido no cultivo de plantas alimentícias não convencionais (pancs) para compor a merenda escolar e a chaya está entre as espécies cultivadas.
Em geral, as folhas são formadas por três ou mais lóbulos com pecíolos longos e carnosos. Quando se quebra qualquer parte da planta, ela exsuda uma seiva branca, como a mandioca, aliás, da mesma família, a das Euforbiáceas. Há pelos menos quatro variedades cultivadas, sendo as mais comuns por aqui a Estrela, que pode crescer a até 6 metros de altura e tem pecíolos longos; e a Picuda que chega a 3 metros de altura e tem folhas bem serrilhadas, com 5 a 7 lóbulos – as da foto acima. Há ainda duas outras variedades menos comuns que apresentam pelos urticantes, característica que desaparece com o cozimento.
referenceSe compararmos com o espinafre, ambos na forma fresca, temos na chaya duas vezes mais proteínas, mais que o dobro de carboidratos e gorduras saudáveis e mais que seis vezes a quantidade de vitamina A, B1 e C. Além de ser rica em fibras. E, só para citar outra espécie rica em proteínas, 100 gramas de ora-pro-nóbis desidratada tem cerca de 20 gramas de proteínas, enquanto a mesma quantidade de chaya seca tem 32,8 gramas. Apesar do alto valor nutricional e de suas propriedades farmacológicas como hipoglicemiante, por exemplo, mesmo em grande parte da Guatemala a chaya é considerada uma planta alimentícia pouco convencional.
Algumas características podem ser responsáveis pelo abandono de uma das folhas mais ricas que se conhece. Os pelos urticantes de variedades silvestres e a presença de látex causam desconfiança, assim como a necessidade de cocção devido à presença de um glicosídeo que forma ácido cianídrico, similar ao encontrado na mandioca, mas que desaparece com o cozimento por 20 minutos. Sem contar que não há casos registrados de intoxicação pelo consumo das folhas – a intoxicação aguda poderia causar dificuldade de respiração e complicações decorrentes dela.
Refresco de chaya
A única opção para se consumir crua a espinaca maya ou espinafre de árvore, como também é conhecida a chaya, é na forma de água fresca – refresco popular no México feito geralmente com frutas da estação, mas também com flores ou ervas. A água de chaya com abacaxi é popular em Tabasco, Veracruz e Oaxaca, estados do Sul com maior produção de abacaxi. Pode ser ainda tomada com limão, laranja ou uma combinação destas frutas. Na província de Yuacatán, a variação com limão e o creme de chaya estão entre as delícias que não podem deixar de ser provadas por quem visita a região. Basta bater no liquidificador algumas folhas de chaya com água, suco de limão e açúcar. A bebida herbácea, deliciosa, tem um tom de verde intenso e é servida com muito gelo. Dizem que a presença de acidez e a trituração neutralizam a toxina e é isto que a população maia vem fazendo há milhares de anos.
Outra forma de se fazer água fresca de chaya é usando a água em que as folhas foram cozidas – diferente da taioba, a água de cocção da chaya não precisa ser desprezada. É só deixar gelar, acrescentar suco de limão e açúcar e terá um refresco de sabor agradável. Pode também ser usada para enriquecer caldos e sopas.
referenceTamal com chaya
O tamal com chaya, pamonha de massa de milho nixtamalizado, é outro preparo clássico feito com a verdura no sul do México, onde também aparece em sopas, no arroz, em ensopados, colorindo massas e empanadas e enriquecendo recheios, por exemplo. Para prepará-las, lave bem folhas jovens, coloque-as inteiras ou picadas em panela de ágata ou inox, cubra com água limpa e deixe cozinhar por 20 minutos. Escorra e use as folhas, que continuarão bem verdes, como se fossem de espinafre. Podem ser ainda picadas fininho como couve, refogadas em alho e azeite, cobertas com água e cozidas por 10 minutos ou até secar a água.
referenceTambém fiz pastéis de forno de chaya com recheio de queijo coalho. A massa é baseada na de empanada da chef Paola Carosella à qual simplesmente adicionei a chaya cozida e espremida.
Onde encontrar chaya
Para quem quiser conhecer, talvez um bom caminho seja procurar a chaya em feiras de produtores. Aqui em São Paulo pode ser que se encontre na feira de orgânicos do Parque da Água Branca, no Instituto Feira Livre ou Instituto Chão. Se não, consiga uma muda e plante. É arbusto discreto com crescimento rápido.