Ingredientes brasileiros estudados na cozinha

Farinha de babaçu, fruto amazônico, é ótima alternativa ao amido de milho


O ingrediente, extraído de um triturador superpotente que transforma a massa seca do fruto em pó finíssimo como talco, é um excelente espessante

Por Neide Rigo
Atualização:

Sempre tive farinha de babaçu na despensa, geralmente vinda do Maranhão, o maior produtor. Mas confesso que nunca havia me dedicado verdadeiramente a entender melhor o ingrediente. Só agora, depois de uma imersão ao universo-babaçu graças a um convite da ONG Instituto Socioambiental, posso dizer que ela passou a ser ingrediente indispensável, destes curingas que fazem a vida de qualquer cozinheiro ou cozinheira bem mais fácil. O convite era para que a cozinheira e apresentadora Bela Gil e eu desenvolvêssemos algumas receitas com o produto para apresentar a merendeiras, nutricionistas e gestores educacionais de Altamira e Vitória do Xingu, no Pará, para incentivar seu uso e melhorar sua aceitação na merenda escolar (saiba mais sobre o projeto). 

A farinha de babaçu vem da massa seca do fruto Foto: Neide Rigo|Estadão

Sabemos como é difícil substituir a onipresente farinha de trigo, mesmo cientes de que o Brasil não produz o suficiente para a demanda. Ao mesmo tempo, desconhecemos as inúmeras outras farinhas que poderiam substituir o trigo em diversas situações em que o glúten não é tão necessário. O glúten é a proteína do trigo responsável por aprisionar o gás carbônico da fermentação em suas redes elásticas quando fazemos pão. Em outros preparos, como tortas, bolos, molhos, panquecas, biscoitos, o glúten pode ser dispensável. E nesses casos, aí sim, podemos usar outras farinhas como a farinha de raspa ou fubá de crueira (de mandioca, seca e não torrada, e triturada), a de banana verde, de araruta e a de babaçu, entre outras. E mesmo no pão, cerca de 10% do trigo pode ser substituído por outra farinha, sem prejuízo no resultado final e com a vantagem de incrementar alguns minerais, vitaminas e fibras.  Foi isso que mostramos nas oficinas que demos. Desenvolvemos receitas para a merenda escolar, como biscoitos, tortas salgadas, mingaus e até vatapá. Algumas dessas receitas foram demonstradas e as merendeiras saíram entusiasmadas para testar outras possibilidades. Embora seja o babaçu um fruto tão corriqueiro naquela região da Transamazônica tomada de cocais, sua farinha ainda não é tão utilizada fora das comunidades produtoras.   Como parte de nossa expedição de trabalho, visitamos uma das várias miniusinas de processamento da farinha na região. Chegamos à comunidade Rio Novo depois de um longo percurso pelo rio Iriri de margens deslumbrantes. Ali na casa de Dona Chagas e seu Aguinaldo, no alto da beira do rio, toda a família trabalha na coleta e processamento de castanha-do- pará e de babaçu. Conhecemos a comunidade e a miniusina, onde um triturador superpotente transforma a massa seca do fruto em pó finíssimo como talco. Mas mesmo com a diminuição do trabalho graças à tecnologia, grande parte do processo ainda é artesanal. Os frutos colhidos são lavados e descascados manualmente para se retirar o pericarpo fibroso. O mesocarpo, que é a parte amilácea usada para fazer a farinha, é retirado com alguma dificuldade batendo-se no fruto com um pedaço de madeira. Sai em lascas gordas. O que resta é o endocarpo, uma parte lenhosa muito dura, usada para artesanato ou carvão. Dentro dele temos ainda as amêndoas, de onde se extrai o óleo, o produto de maior valor agregado, pois tem aproveitamento não só na alimentação mas também na indústria de cosméticos. Das castanhas se tira ainda o leite, mais usado como ingrediente local e esporádico – quando há castanhas e babaçus, que produzem na mesma época, a preferência parece ser o leite de castanha, mais fácil de extrair. Aliás, depois da noite tranquila em redes no barracão coberto de palha entre o rio e a mata, foi muito bom ter no café da manhã mingau de babaçu no leite de castanha, um luxo da floresta para quem vem da cidade.  Tradicionalmente, para tirar a amêndoa do babaçu, um machadinho é apoiado com os pés da pessoa sentada ao chão. Apoia-se o fruto na lâmina e bate-se com um pedaço de pau. Um a um, com muita atenção. Outro subproduto que também fica restrito ao consumo local é o gongo ou larva que se alimenta da amêndoa e, portanto, tem gosto da amêndoa. O bicho vivo é suculento e tem sabor de coco. Frito na própria gordura é quase como um coco crocante para comer com farinha branca. + Os dez mandamentos da marmita perfeita+ 10 doces que você precisa provar em São Paulo+ Futuro Refeitório joga holofote sobre os vegetais

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Agora, voltando ao meio do fruto, o mesocarpo sempre foi usado como fonte de energia por comunidades indígenas e ribeirinhas do Cerrado e da Amazônia, nem sempre na forma de farinha, mas também de massa fresca usada para fazer mingau assim que é colhida e socada no pilão. Para a farinha, as lascas são secas ao sol antes de triturar e assim duram muitos meses. Esta pequena camada amilácea representa aproximadamente de 17% a 22% do fruto e é composta basicamente de amido – cerca de 70%, além de fibras, proteína, lipídio, vitaminas e minerais. É ainda fonte importante de tanino, um poderoso antioxidante que no fruto o protege de herbívoros. Entre os coletores, há quem se orgulhe de saber coletar coquinhos com menos tanino, que travam menos, dizem. É que esta substância se liga a proteínas na boca e as precipita produzindo adstringência e secura. Mas nas preparações cozidas o efeito do tanino desaparece e se dilui com a mistura de outros ingredientes. Alternativa. De tantos testes que fiz ultimamente com a farinha, percebi que seu maior potencial na minha cozinha é como espessante substituto para o amido de milho, que traz o símbolo do T dentro de um triângulo nas embalagens, identificação para produtos feitos com ingredientes transgênicos. Quando substitui o trigo nos molhos e outros pratos, atende ainda às necessidades de pessoas que não podem ingerir glúten. Ela realmente substitui parcial ou totalmente as farinhas citadas, com a vantagem de não ser amido puro ou farinha refinada e sim a polpa integral do babaçu, tendo o amido complexado com outros nutrientes. E não recebe venenos na produção nem aditivos durante o processamento. É puro como o coco tirado da floresta. Só perdeu água para virar pó. O sabor é neutro, ligeiramente amendoado com lembranças de buriti. A cor acastanhada pelo tanino faz lembrar chocolate e em preparações com esse ingrediente, pode substituí-lo em parte.  É chamada também de farinha de mesocarpo de babaçu, mas percebemos que o próprio nome pode ser um entrave na sua utilização, por isso já durante a viagem passamos a chamá-la simplesmente de farinha de babaçu. Assim, não é preciso a todo momento explicar a anatomia do fruto para justificar o nome. O que importa é que a farinha é extraída da polpa do babaçu e que há técnicas para sua correta utilização. A forma não adequada de uso também pode contribuir para que seja experimentada e abandonada, afinal não é produto pronto para se comer de colherada e achar gostoso. Não é pra ser comida crua, em sucos, porque é um amido rico em taninos que pode ser indigesto sem cocção. É, sim, um ingrediente amiláceo que deve ser consumido cozido como outros tipos de amido. É ingrediente para ir ao fogo, quando revela a que veio – dar volume, engrossar, espessar, dar cremosidade, brilho. E, claro, nutrir.  Ao usar para engrossar mingau ou espessar manjar e chocolate quente, por exemplo, basta substituir integralmente nas mesmas medidas que usaria de amido de milho. Lembre-se sempre de diluir em água fria antes de adicionar ao líquido quente, sem parar de mexer, até a mistura ficar cremosa. Nos pratos à base de farinha de trigo, substitua toda ou parte dela por farinha de babaçu, ajustando o líquido da receita, já que esta absorve mais água.

Panquecas de babaçu Foto: Neide Rigo|Estadão

 +Panqueca de farinha de babaçu Se nos lembrarmos que na região ao redor de Altamira, onde estivemos, o desmatamento reina, usar e incentivar o uso dos produtos da floresta é apoiar a economia dos povos extrativistas indígenas e ribeirinhos e contribuir para a manutenção da floresta em pé. No Mercado de Pinheiros, junto com outras preciosidades, ela pode ser encontrada no Empório Biomas Mata Atlântica e Amazônia.  A receita que está nesta página foi testada com a farinha de babaçu integralmente, mas a massa ficou meio seca. Por isso, substituí apenas parte da farinha de trigo. Panquecas finas e bolos com mais ingredientes podem ser feitos integralmente com a farinha de babaçu. E que mais municípios se animem a incluir na merenda escolar produtos nutritivos da agricultura familiar com valores social e ambiental agregado. 

Sempre tive farinha de babaçu na despensa, geralmente vinda do Maranhão, o maior produtor. Mas confesso que nunca havia me dedicado verdadeiramente a entender melhor o ingrediente. Só agora, depois de uma imersão ao universo-babaçu graças a um convite da ONG Instituto Socioambiental, posso dizer que ela passou a ser ingrediente indispensável, destes curingas que fazem a vida de qualquer cozinheiro ou cozinheira bem mais fácil. O convite era para que a cozinheira e apresentadora Bela Gil e eu desenvolvêssemos algumas receitas com o produto para apresentar a merendeiras, nutricionistas e gestores educacionais de Altamira e Vitória do Xingu, no Pará, para incentivar seu uso e melhorar sua aceitação na merenda escolar (saiba mais sobre o projeto). 

A farinha de babaçu vem da massa seca do fruto Foto: Neide Rigo|Estadão

Sabemos como é difícil substituir a onipresente farinha de trigo, mesmo cientes de que o Brasil não produz o suficiente para a demanda. Ao mesmo tempo, desconhecemos as inúmeras outras farinhas que poderiam substituir o trigo em diversas situações em que o glúten não é tão necessário. O glúten é a proteína do trigo responsável por aprisionar o gás carbônico da fermentação em suas redes elásticas quando fazemos pão. Em outros preparos, como tortas, bolos, molhos, panquecas, biscoitos, o glúten pode ser dispensável. E nesses casos, aí sim, podemos usar outras farinhas como a farinha de raspa ou fubá de crueira (de mandioca, seca e não torrada, e triturada), a de banana verde, de araruta e a de babaçu, entre outras. E mesmo no pão, cerca de 10% do trigo pode ser substituído por outra farinha, sem prejuízo no resultado final e com a vantagem de incrementar alguns minerais, vitaminas e fibras.  Foi isso que mostramos nas oficinas que demos. Desenvolvemos receitas para a merenda escolar, como biscoitos, tortas salgadas, mingaus e até vatapá. Algumas dessas receitas foram demonstradas e as merendeiras saíram entusiasmadas para testar outras possibilidades. Embora seja o babaçu um fruto tão corriqueiro naquela região da Transamazônica tomada de cocais, sua farinha ainda não é tão utilizada fora das comunidades produtoras.   Como parte de nossa expedição de trabalho, visitamos uma das várias miniusinas de processamento da farinha na região. Chegamos à comunidade Rio Novo depois de um longo percurso pelo rio Iriri de margens deslumbrantes. Ali na casa de Dona Chagas e seu Aguinaldo, no alto da beira do rio, toda a família trabalha na coleta e processamento de castanha-do- pará e de babaçu. Conhecemos a comunidade e a miniusina, onde um triturador superpotente transforma a massa seca do fruto em pó finíssimo como talco. Mas mesmo com a diminuição do trabalho graças à tecnologia, grande parte do processo ainda é artesanal. Os frutos colhidos são lavados e descascados manualmente para se retirar o pericarpo fibroso. O mesocarpo, que é a parte amilácea usada para fazer a farinha, é retirado com alguma dificuldade batendo-se no fruto com um pedaço de madeira. Sai em lascas gordas. O que resta é o endocarpo, uma parte lenhosa muito dura, usada para artesanato ou carvão. Dentro dele temos ainda as amêndoas, de onde se extrai o óleo, o produto de maior valor agregado, pois tem aproveitamento não só na alimentação mas também na indústria de cosméticos. Das castanhas se tira ainda o leite, mais usado como ingrediente local e esporádico – quando há castanhas e babaçus, que produzem na mesma época, a preferência parece ser o leite de castanha, mais fácil de extrair. Aliás, depois da noite tranquila em redes no barracão coberto de palha entre o rio e a mata, foi muito bom ter no café da manhã mingau de babaçu no leite de castanha, um luxo da floresta para quem vem da cidade.  Tradicionalmente, para tirar a amêndoa do babaçu, um machadinho é apoiado com os pés da pessoa sentada ao chão. Apoia-se o fruto na lâmina e bate-se com um pedaço de pau. Um a um, com muita atenção. Outro subproduto que também fica restrito ao consumo local é o gongo ou larva que se alimenta da amêndoa e, portanto, tem gosto da amêndoa. O bicho vivo é suculento e tem sabor de coco. Frito na própria gordura é quase como um coco crocante para comer com farinha branca. + Os dez mandamentos da marmita perfeita+ 10 doces que você precisa provar em São Paulo+ Futuro Refeitório joga holofote sobre os vegetais

Agora, voltando ao meio do fruto, o mesocarpo sempre foi usado como fonte de energia por comunidades indígenas e ribeirinhas do Cerrado e da Amazônia, nem sempre na forma de farinha, mas também de massa fresca usada para fazer mingau assim que é colhida e socada no pilão. Para a farinha, as lascas são secas ao sol antes de triturar e assim duram muitos meses. Esta pequena camada amilácea representa aproximadamente de 17% a 22% do fruto e é composta basicamente de amido – cerca de 70%, além de fibras, proteína, lipídio, vitaminas e minerais. É ainda fonte importante de tanino, um poderoso antioxidante que no fruto o protege de herbívoros. Entre os coletores, há quem se orgulhe de saber coletar coquinhos com menos tanino, que travam menos, dizem. É que esta substância se liga a proteínas na boca e as precipita produzindo adstringência e secura. Mas nas preparações cozidas o efeito do tanino desaparece e se dilui com a mistura de outros ingredientes. Alternativa. De tantos testes que fiz ultimamente com a farinha, percebi que seu maior potencial na minha cozinha é como espessante substituto para o amido de milho, que traz o símbolo do T dentro de um triângulo nas embalagens, identificação para produtos feitos com ingredientes transgênicos. Quando substitui o trigo nos molhos e outros pratos, atende ainda às necessidades de pessoas que não podem ingerir glúten. Ela realmente substitui parcial ou totalmente as farinhas citadas, com a vantagem de não ser amido puro ou farinha refinada e sim a polpa integral do babaçu, tendo o amido complexado com outros nutrientes. E não recebe venenos na produção nem aditivos durante o processamento. É puro como o coco tirado da floresta. Só perdeu água para virar pó. O sabor é neutro, ligeiramente amendoado com lembranças de buriti. A cor acastanhada pelo tanino faz lembrar chocolate e em preparações com esse ingrediente, pode substituí-lo em parte.  É chamada também de farinha de mesocarpo de babaçu, mas percebemos que o próprio nome pode ser um entrave na sua utilização, por isso já durante a viagem passamos a chamá-la simplesmente de farinha de babaçu. Assim, não é preciso a todo momento explicar a anatomia do fruto para justificar o nome. O que importa é que a farinha é extraída da polpa do babaçu e que há técnicas para sua correta utilização. A forma não adequada de uso também pode contribuir para que seja experimentada e abandonada, afinal não é produto pronto para se comer de colherada e achar gostoso. Não é pra ser comida crua, em sucos, porque é um amido rico em taninos que pode ser indigesto sem cocção. É, sim, um ingrediente amiláceo que deve ser consumido cozido como outros tipos de amido. É ingrediente para ir ao fogo, quando revela a que veio – dar volume, engrossar, espessar, dar cremosidade, brilho. E, claro, nutrir.  Ao usar para engrossar mingau ou espessar manjar e chocolate quente, por exemplo, basta substituir integralmente nas mesmas medidas que usaria de amido de milho. Lembre-se sempre de diluir em água fria antes de adicionar ao líquido quente, sem parar de mexer, até a mistura ficar cremosa. Nos pratos à base de farinha de trigo, substitua toda ou parte dela por farinha de babaçu, ajustando o líquido da receita, já que esta absorve mais água.

Panquecas de babaçu Foto: Neide Rigo|Estadão

 +Panqueca de farinha de babaçu Se nos lembrarmos que na região ao redor de Altamira, onde estivemos, o desmatamento reina, usar e incentivar o uso dos produtos da floresta é apoiar a economia dos povos extrativistas indígenas e ribeirinhos e contribuir para a manutenção da floresta em pé. No Mercado de Pinheiros, junto com outras preciosidades, ela pode ser encontrada no Empório Biomas Mata Atlântica e Amazônia.  A receita que está nesta página foi testada com a farinha de babaçu integralmente, mas a massa ficou meio seca. Por isso, substituí apenas parte da farinha de trigo. Panquecas finas e bolos com mais ingredientes podem ser feitos integralmente com a farinha de babaçu. E que mais municípios se animem a incluir na merenda escolar produtos nutritivos da agricultura familiar com valores social e ambiental agregado. 

Sempre tive farinha de babaçu na despensa, geralmente vinda do Maranhão, o maior produtor. Mas confesso que nunca havia me dedicado verdadeiramente a entender melhor o ingrediente. Só agora, depois de uma imersão ao universo-babaçu graças a um convite da ONG Instituto Socioambiental, posso dizer que ela passou a ser ingrediente indispensável, destes curingas que fazem a vida de qualquer cozinheiro ou cozinheira bem mais fácil. O convite era para que a cozinheira e apresentadora Bela Gil e eu desenvolvêssemos algumas receitas com o produto para apresentar a merendeiras, nutricionistas e gestores educacionais de Altamira e Vitória do Xingu, no Pará, para incentivar seu uso e melhorar sua aceitação na merenda escolar (saiba mais sobre o projeto). 

A farinha de babaçu vem da massa seca do fruto Foto: Neide Rigo|Estadão

Sabemos como é difícil substituir a onipresente farinha de trigo, mesmo cientes de que o Brasil não produz o suficiente para a demanda. Ao mesmo tempo, desconhecemos as inúmeras outras farinhas que poderiam substituir o trigo em diversas situações em que o glúten não é tão necessário. O glúten é a proteína do trigo responsável por aprisionar o gás carbônico da fermentação em suas redes elásticas quando fazemos pão. Em outros preparos, como tortas, bolos, molhos, panquecas, biscoitos, o glúten pode ser dispensável. E nesses casos, aí sim, podemos usar outras farinhas como a farinha de raspa ou fubá de crueira (de mandioca, seca e não torrada, e triturada), a de banana verde, de araruta e a de babaçu, entre outras. E mesmo no pão, cerca de 10% do trigo pode ser substituído por outra farinha, sem prejuízo no resultado final e com a vantagem de incrementar alguns minerais, vitaminas e fibras.  Foi isso que mostramos nas oficinas que demos. Desenvolvemos receitas para a merenda escolar, como biscoitos, tortas salgadas, mingaus e até vatapá. Algumas dessas receitas foram demonstradas e as merendeiras saíram entusiasmadas para testar outras possibilidades. Embora seja o babaçu um fruto tão corriqueiro naquela região da Transamazônica tomada de cocais, sua farinha ainda não é tão utilizada fora das comunidades produtoras.   Como parte de nossa expedição de trabalho, visitamos uma das várias miniusinas de processamento da farinha na região. Chegamos à comunidade Rio Novo depois de um longo percurso pelo rio Iriri de margens deslumbrantes. Ali na casa de Dona Chagas e seu Aguinaldo, no alto da beira do rio, toda a família trabalha na coleta e processamento de castanha-do- pará e de babaçu. Conhecemos a comunidade e a miniusina, onde um triturador superpotente transforma a massa seca do fruto em pó finíssimo como talco. Mas mesmo com a diminuição do trabalho graças à tecnologia, grande parte do processo ainda é artesanal. Os frutos colhidos são lavados e descascados manualmente para se retirar o pericarpo fibroso. O mesocarpo, que é a parte amilácea usada para fazer a farinha, é retirado com alguma dificuldade batendo-se no fruto com um pedaço de madeira. Sai em lascas gordas. O que resta é o endocarpo, uma parte lenhosa muito dura, usada para artesanato ou carvão. Dentro dele temos ainda as amêndoas, de onde se extrai o óleo, o produto de maior valor agregado, pois tem aproveitamento não só na alimentação mas também na indústria de cosméticos. Das castanhas se tira ainda o leite, mais usado como ingrediente local e esporádico – quando há castanhas e babaçus, que produzem na mesma época, a preferência parece ser o leite de castanha, mais fácil de extrair. Aliás, depois da noite tranquila em redes no barracão coberto de palha entre o rio e a mata, foi muito bom ter no café da manhã mingau de babaçu no leite de castanha, um luxo da floresta para quem vem da cidade.  Tradicionalmente, para tirar a amêndoa do babaçu, um machadinho é apoiado com os pés da pessoa sentada ao chão. Apoia-se o fruto na lâmina e bate-se com um pedaço de pau. Um a um, com muita atenção. Outro subproduto que também fica restrito ao consumo local é o gongo ou larva que se alimenta da amêndoa e, portanto, tem gosto da amêndoa. O bicho vivo é suculento e tem sabor de coco. Frito na própria gordura é quase como um coco crocante para comer com farinha branca. + Os dez mandamentos da marmita perfeita+ 10 doces que você precisa provar em São Paulo+ Futuro Refeitório joga holofote sobre os vegetais

Agora, voltando ao meio do fruto, o mesocarpo sempre foi usado como fonte de energia por comunidades indígenas e ribeirinhas do Cerrado e da Amazônia, nem sempre na forma de farinha, mas também de massa fresca usada para fazer mingau assim que é colhida e socada no pilão. Para a farinha, as lascas são secas ao sol antes de triturar e assim duram muitos meses. Esta pequena camada amilácea representa aproximadamente de 17% a 22% do fruto e é composta basicamente de amido – cerca de 70%, além de fibras, proteína, lipídio, vitaminas e minerais. É ainda fonte importante de tanino, um poderoso antioxidante que no fruto o protege de herbívoros. Entre os coletores, há quem se orgulhe de saber coletar coquinhos com menos tanino, que travam menos, dizem. É que esta substância se liga a proteínas na boca e as precipita produzindo adstringência e secura. Mas nas preparações cozidas o efeito do tanino desaparece e se dilui com a mistura de outros ingredientes. Alternativa. De tantos testes que fiz ultimamente com a farinha, percebi que seu maior potencial na minha cozinha é como espessante substituto para o amido de milho, que traz o símbolo do T dentro de um triângulo nas embalagens, identificação para produtos feitos com ingredientes transgênicos. Quando substitui o trigo nos molhos e outros pratos, atende ainda às necessidades de pessoas que não podem ingerir glúten. Ela realmente substitui parcial ou totalmente as farinhas citadas, com a vantagem de não ser amido puro ou farinha refinada e sim a polpa integral do babaçu, tendo o amido complexado com outros nutrientes. E não recebe venenos na produção nem aditivos durante o processamento. É puro como o coco tirado da floresta. Só perdeu água para virar pó. O sabor é neutro, ligeiramente amendoado com lembranças de buriti. A cor acastanhada pelo tanino faz lembrar chocolate e em preparações com esse ingrediente, pode substituí-lo em parte.  É chamada também de farinha de mesocarpo de babaçu, mas percebemos que o próprio nome pode ser um entrave na sua utilização, por isso já durante a viagem passamos a chamá-la simplesmente de farinha de babaçu. Assim, não é preciso a todo momento explicar a anatomia do fruto para justificar o nome. O que importa é que a farinha é extraída da polpa do babaçu e que há técnicas para sua correta utilização. A forma não adequada de uso também pode contribuir para que seja experimentada e abandonada, afinal não é produto pronto para se comer de colherada e achar gostoso. Não é pra ser comida crua, em sucos, porque é um amido rico em taninos que pode ser indigesto sem cocção. É, sim, um ingrediente amiláceo que deve ser consumido cozido como outros tipos de amido. É ingrediente para ir ao fogo, quando revela a que veio – dar volume, engrossar, espessar, dar cremosidade, brilho. E, claro, nutrir.  Ao usar para engrossar mingau ou espessar manjar e chocolate quente, por exemplo, basta substituir integralmente nas mesmas medidas que usaria de amido de milho. Lembre-se sempre de diluir em água fria antes de adicionar ao líquido quente, sem parar de mexer, até a mistura ficar cremosa. Nos pratos à base de farinha de trigo, substitua toda ou parte dela por farinha de babaçu, ajustando o líquido da receita, já que esta absorve mais água.

Panquecas de babaçu Foto: Neide Rigo|Estadão

 +Panqueca de farinha de babaçu Se nos lembrarmos que na região ao redor de Altamira, onde estivemos, o desmatamento reina, usar e incentivar o uso dos produtos da floresta é apoiar a economia dos povos extrativistas indígenas e ribeirinhos e contribuir para a manutenção da floresta em pé. No Mercado de Pinheiros, junto com outras preciosidades, ela pode ser encontrada no Empório Biomas Mata Atlântica e Amazônia.  A receita que está nesta página foi testada com a farinha de babaçu integralmente, mas a massa ficou meio seca. Por isso, substituí apenas parte da farinha de trigo. Panquecas finas e bolos com mais ingredientes podem ser feitos integralmente com a farinha de babaçu. E que mais municípios se animem a incluir na merenda escolar produtos nutritivos da agricultura familiar com valores social e ambiental agregado. 

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