Ingredientes brasileiros estudados na cozinha

Grumixama que eu vou


É época de grumixama, essa fruta nativa que já foi tão comum na Mata Atlântica, gostosa, abundante nas árvores de São Paulo e que bem poderia ser nossa cereja de Natal

Por Neide Rigo
Atualização:

Já tentaram chamar a Eugenia brasiliensis de cereja-da-mata-atlântica com a alegação de que grumixama era nome complicado para uma fruta tão delicada. Não pegou. Cereja não é fruta nossa e ainda nomeia várias outras nativas e exóticas, como cereja-do-rio-grande, cereja-de-joinville, cereja-das-antilhas, cereja-do-mato etc.

Não precisamos de mais cerejas – todas assemelhadas apenas pelo formato e tamanho. Pior que nome difícil é aquele que desqualifica uma fruta deliciosa como a cagaita do Cerrado só porque um tal de Jacques Cambessèdes resolveu batizá-la de Eugenia desinterica certamente depois de ter comido uma fruta caída e muito fermentada ou, quem sabe, uma paca faisandée demasiadamente. Esta fruta, sim, merecia por direito um outro nome, mas a grumixama não.

A grumixama poderia ser a cereja do Natal brasileiro. Foto: Neide rigo|Estadão
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Nome indecifrável é só a gente fragmentar e criar regras mnemônicas. Dê, por exemplo, o apelido de Gru ao amigo que mais te liga e pergunte e responda para si mesmo quando o telefone tocar: quem me chama?Claro, Gru me chama. Infame, eu sei. Mas, se funcionou para mim, tenho certeza de que nunca mais esquecerá o nome da fruta.

Murtinhos e cerejas eram as referências europeias frequentes para nossas frutas pequenas, mas todas já tinham nomes indígenas e sou a favor de mantê-los. Com o tempo virou grumixama, tendo como origem guamichã ou guamixã, que em tupi-guarani significa fruta que gruda na boca. Nunca vi grumixama colar como a mangaba ou o abiu, mas vai saber como eram as variedades antigas. Hoje, gruda só o sabor delicioso que a gente não quer esquecer nunca mais. Outros termos encontrados são “comichã” ou “comixa”, como registrou Pero de Magalhães Gandavo, entre os séculos 16 e 17.

Em 1587, no seu Tratado Descritivo do Brasil, a árvore de folhas brilhantes e coriáceas está descrita assim: "Há outra árvore como laranjeira, que se chama comichã, a qual carrega todos os anos de umas frutas vermelhas, tamanhas e de feição de murtinhos que se comem todas lançando-lhes fora uma pevide preta que têm, que é a semente desta árvore grande que dá fruto do mesmo nome tamanho como cerejas, de cor vermelha, e muito doce [...]". Nunca vi grumixama de sementes pretas, mas, vá lá, é a própria. Em 1618, em Diálogos das Grandezas do Brasil, volta a exaltar a "comixa, fruta miúda, a feição de murtinhos" e lastimava que brasileiros mantivessem esta e outras frutas como "agrestes, espalhadas pelos matos, as quais, se forem cultivadas, se avantajariam em bondade e gosto." Lá isto ele tem razão. Que continuem silvestres, mas que também cultivemos nas roças, nos quintais e nas praças. 

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O fato é que é tempo de grumixama. Nunca esqueço da minha primeira grande colheita, uns três quilos, junto com a amiga Veronika e seus filhos pequenos, numa rua do meu bairro. O ano era 2011, mês 11 e dia 11. Então, guarde esta data: pelo menos em São Paulo, em 11/11 as grumixameiras estão carregadas e a gente deveria sair por aí comemorando, alardeando: é tempo de grumixama! É tempo de muita luz, de flores, de chuva, de calor, e de grumixamas! 

Se descer na estação de metrô Clínicas, vai ver, entre uma entrada e outra, várias árvores nos jardins da faculdade de medicina da USP jogando seus frutos na calçada da Doutor Arnaldo. As folhas das árvores são tão brilhantes e os brotos tão vermelhos que às vezes as pequenas frutas, do tamanho de jabuticadas, parecem camufladas. Lá no alto, então, a gente mal enxerga. Mas o chão costuma ficar forrado. Colha todos os frutos caídos que vir por aí, plante as sementes e vamos povoar nossas cidades de grumixamas. 

Por que tanta euforia? No dia em que provar uma, vai me dar razão. O sabor é uma reunião familiar das melhores mirtáceas: feijoa, goiaba, pitanga, araçá, uvaia e jabuticaba. Pode chegar ao tamanho e à cor da jabuticaba com a vantagem de a pele ser mais fina, mastigável e menos tânica, enquanto as sementes são como as de pitangas, soltas da polpa. Há grumixamas amarelas, mas vejo poucas delas por aí. 

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Creme de leite fresco batido com iogurte natural, suspiros e frutas. Foto: Neide Rigo|Estadão

Se o pretexto para o não cultivo de outras frutas brasileiras, como pitanga, cereja-do-rio-grande, araçá-boi e uvaia, por exemplo, é a fragilidade do transporte, já adianto que no caso da grumixama a desculpa não se aplica, pois tem a pele relativamente mais firme, quase como a da jabuticaba. E nesta época do ano deveria estar em todas as quitandas, as feiras e os sacolões no lugar daquelas caixinhas de blueberry, cerejas e framboesas importadas. Sua safra se estende até o final do ano e bem que ela poderia ser nossa cereja de Natal.

Se você não conhece a fruta que já foi tão comum na Mata Atlântica, se ela não é encontrada no mercado nem nos cardápios de restaurantes, se você não conhece a própria biodiversidade do bioma porque está desaparecendo com o desmatamento das encostas, tudo isto já é motivo suficiente para o movimento Slow Food considerar a fruta como bem a ser preservado no projeto chamado Arca do Gosto, que tem a missão de identificar, catalogar e divulgar produtos em risco de extinção de produção e/ou de consumo.

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São quase 100 produtos abrigados pela Arca e para ajudar a divulgá-los, fazê-los conhecidos, a Aliança dos Cozinheiros do Slow Food Brasil organizou um festival, que vai até este domingo (6), reunindo vários chefs conhecidos de São Paulo que estão usando alimentos da Arca. São muitas atividades entre almoços, jantares e oficinas, sendo que a grumixama fechará o evento em grande estilo, na Bienal de São Paulo, na obra Restauro, de Jorge Menna Barreto, reinando no prato do dia feito por Neka Menna Barreto, Fabiana Sanches e Daniela Lisboa. Ainda dá tempo (confira a programação).

As frutas fazem uma geleia perfumada e um xarope de cor rubra estonteante para ser usado em refresco ou drinque – muito melhor que aquela bebida amarga de coloração artificialmente vermelha. Mas o melhor mesmo é comer a fruta ao natural, seja sozinha, sobre sorvete, iogurte, cremes de todo tipo. Ainda que ela entre no preparo, não deixe de apresentar uma fruta inteira que seja – e verá que nenhum prato feito com ela será melhor que a própria fruta, tão completa em sabor. As sementes? Ah, as sementes a gente pode tirar da boca como tiramos as de azeitona e cereja. Que mal tem? 

Por isto, minha receita não é receita, é só uma mistura de creme de leite fresco batido com iogurte natural, suspiros e frutas nossas como pitangas e grumixamas, ambas inteiras, com uma calda de uvaia. E, tchau, porque na rua de baixo uma árvore carregada de felicidade me chama e é para lá que eu vou.

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Nota: se não conseguir uma semente para germinar e quiser uma muda já grande para plantar no seu quintal, na calçada ou numa praça perto de você, peça para Edilson ou Gustavo Giacon, do Viveiro Ciprest, que eles têm (da roxa, da amarela e até de um tipo arbustivo que vai bem em vasos. E o melhor, eles mandam por correio).

Já tentaram chamar a Eugenia brasiliensis de cereja-da-mata-atlântica com a alegação de que grumixama era nome complicado para uma fruta tão delicada. Não pegou. Cereja não é fruta nossa e ainda nomeia várias outras nativas e exóticas, como cereja-do-rio-grande, cereja-de-joinville, cereja-das-antilhas, cereja-do-mato etc.

Não precisamos de mais cerejas – todas assemelhadas apenas pelo formato e tamanho. Pior que nome difícil é aquele que desqualifica uma fruta deliciosa como a cagaita do Cerrado só porque um tal de Jacques Cambessèdes resolveu batizá-la de Eugenia desinterica certamente depois de ter comido uma fruta caída e muito fermentada ou, quem sabe, uma paca faisandée demasiadamente. Esta fruta, sim, merecia por direito um outro nome, mas a grumixama não.

A grumixama poderia ser a cereja do Natal brasileiro. Foto: Neide rigo|Estadão

Nome indecifrável é só a gente fragmentar e criar regras mnemônicas. Dê, por exemplo, o apelido de Gru ao amigo que mais te liga e pergunte e responda para si mesmo quando o telefone tocar: quem me chama?Claro, Gru me chama. Infame, eu sei. Mas, se funcionou para mim, tenho certeza de que nunca mais esquecerá o nome da fruta.

Murtinhos e cerejas eram as referências europeias frequentes para nossas frutas pequenas, mas todas já tinham nomes indígenas e sou a favor de mantê-los. Com o tempo virou grumixama, tendo como origem guamichã ou guamixã, que em tupi-guarani significa fruta que gruda na boca. Nunca vi grumixama colar como a mangaba ou o abiu, mas vai saber como eram as variedades antigas. Hoje, gruda só o sabor delicioso que a gente não quer esquecer nunca mais. Outros termos encontrados são “comichã” ou “comixa”, como registrou Pero de Magalhães Gandavo, entre os séculos 16 e 17.

Em 1587, no seu Tratado Descritivo do Brasil, a árvore de folhas brilhantes e coriáceas está descrita assim: "Há outra árvore como laranjeira, que se chama comichã, a qual carrega todos os anos de umas frutas vermelhas, tamanhas e de feição de murtinhos que se comem todas lançando-lhes fora uma pevide preta que têm, que é a semente desta árvore grande que dá fruto do mesmo nome tamanho como cerejas, de cor vermelha, e muito doce [...]". Nunca vi grumixama de sementes pretas, mas, vá lá, é a própria. Em 1618, em Diálogos das Grandezas do Brasil, volta a exaltar a "comixa, fruta miúda, a feição de murtinhos" e lastimava que brasileiros mantivessem esta e outras frutas como "agrestes, espalhadas pelos matos, as quais, se forem cultivadas, se avantajariam em bondade e gosto." Lá isto ele tem razão. Que continuem silvestres, mas que também cultivemos nas roças, nos quintais e nas praças. 

O fato é que é tempo de grumixama. Nunca esqueço da minha primeira grande colheita, uns três quilos, junto com a amiga Veronika e seus filhos pequenos, numa rua do meu bairro. O ano era 2011, mês 11 e dia 11. Então, guarde esta data: pelo menos em São Paulo, em 11/11 as grumixameiras estão carregadas e a gente deveria sair por aí comemorando, alardeando: é tempo de grumixama! É tempo de muita luz, de flores, de chuva, de calor, e de grumixamas! 

Se descer na estação de metrô Clínicas, vai ver, entre uma entrada e outra, várias árvores nos jardins da faculdade de medicina da USP jogando seus frutos na calçada da Doutor Arnaldo. As folhas das árvores são tão brilhantes e os brotos tão vermelhos que às vezes as pequenas frutas, do tamanho de jabuticadas, parecem camufladas. Lá no alto, então, a gente mal enxerga. Mas o chão costuma ficar forrado. Colha todos os frutos caídos que vir por aí, plante as sementes e vamos povoar nossas cidades de grumixamas. 

Por que tanta euforia? No dia em que provar uma, vai me dar razão. O sabor é uma reunião familiar das melhores mirtáceas: feijoa, goiaba, pitanga, araçá, uvaia e jabuticaba. Pode chegar ao tamanho e à cor da jabuticaba com a vantagem de a pele ser mais fina, mastigável e menos tânica, enquanto as sementes são como as de pitangas, soltas da polpa. Há grumixamas amarelas, mas vejo poucas delas por aí. 

Creme de leite fresco batido com iogurte natural, suspiros e frutas. Foto: Neide Rigo|Estadão

Se o pretexto para o não cultivo de outras frutas brasileiras, como pitanga, cereja-do-rio-grande, araçá-boi e uvaia, por exemplo, é a fragilidade do transporte, já adianto que no caso da grumixama a desculpa não se aplica, pois tem a pele relativamente mais firme, quase como a da jabuticaba. E nesta época do ano deveria estar em todas as quitandas, as feiras e os sacolões no lugar daquelas caixinhas de blueberry, cerejas e framboesas importadas. Sua safra se estende até o final do ano e bem que ela poderia ser nossa cereja de Natal.

Se você não conhece a fruta que já foi tão comum na Mata Atlântica, se ela não é encontrada no mercado nem nos cardápios de restaurantes, se você não conhece a própria biodiversidade do bioma porque está desaparecendo com o desmatamento das encostas, tudo isto já é motivo suficiente para o movimento Slow Food considerar a fruta como bem a ser preservado no projeto chamado Arca do Gosto, que tem a missão de identificar, catalogar e divulgar produtos em risco de extinção de produção e/ou de consumo.

São quase 100 produtos abrigados pela Arca e para ajudar a divulgá-los, fazê-los conhecidos, a Aliança dos Cozinheiros do Slow Food Brasil organizou um festival, que vai até este domingo (6), reunindo vários chefs conhecidos de São Paulo que estão usando alimentos da Arca. São muitas atividades entre almoços, jantares e oficinas, sendo que a grumixama fechará o evento em grande estilo, na Bienal de São Paulo, na obra Restauro, de Jorge Menna Barreto, reinando no prato do dia feito por Neka Menna Barreto, Fabiana Sanches e Daniela Lisboa. Ainda dá tempo (confira a programação).

As frutas fazem uma geleia perfumada e um xarope de cor rubra estonteante para ser usado em refresco ou drinque – muito melhor que aquela bebida amarga de coloração artificialmente vermelha. Mas o melhor mesmo é comer a fruta ao natural, seja sozinha, sobre sorvete, iogurte, cremes de todo tipo. Ainda que ela entre no preparo, não deixe de apresentar uma fruta inteira que seja – e verá que nenhum prato feito com ela será melhor que a própria fruta, tão completa em sabor. As sementes? Ah, as sementes a gente pode tirar da boca como tiramos as de azeitona e cereja. Que mal tem? 

Por isto, minha receita não é receita, é só uma mistura de creme de leite fresco batido com iogurte natural, suspiros e frutas nossas como pitangas e grumixamas, ambas inteiras, com uma calda de uvaia. E, tchau, porque na rua de baixo uma árvore carregada de felicidade me chama e é para lá que eu vou.

Nota: se não conseguir uma semente para germinar e quiser uma muda já grande para plantar no seu quintal, na calçada ou numa praça perto de você, peça para Edilson ou Gustavo Giacon, do Viveiro Ciprest, que eles têm (da roxa, da amarela e até de um tipo arbustivo que vai bem em vasos. E o melhor, eles mandam por correio).

Já tentaram chamar a Eugenia brasiliensis de cereja-da-mata-atlântica com a alegação de que grumixama era nome complicado para uma fruta tão delicada. Não pegou. Cereja não é fruta nossa e ainda nomeia várias outras nativas e exóticas, como cereja-do-rio-grande, cereja-de-joinville, cereja-das-antilhas, cereja-do-mato etc.

Não precisamos de mais cerejas – todas assemelhadas apenas pelo formato e tamanho. Pior que nome difícil é aquele que desqualifica uma fruta deliciosa como a cagaita do Cerrado só porque um tal de Jacques Cambessèdes resolveu batizá-la de Eugenia desinterica certamente depois de ter comido uma fruta caída e muito fermentada ou, quem sabe, uma paca faisandée demasiadamente. Esta fruta, sim, merecia por direito um outro nome, mas a grumixama não.

A grumixama poderia ser a cereja do Natal brasileiro. Foto: Neide rigo|Estadão

Nome indecifrável é só a gente fragmentar e criar regras mnemônicas. Dê, por exemplo, o apelido de Gru ao amigo que mais te liga e pergunte e responda para si mesmo quando o telefone tocar: quem me chama?Claro, Gru me chama. Infame, eu sei. Mas, se funcionou para mim, tenho certeza de que nunca mais esquecerá o nome da fruta.

Murtinhos e cerejas eram as referências europeias frequentes para nossas frutas pequenas, mas todas já tinham nomes indígenas e sou a favor de mantê-los. Com o tempo virou grumixama, tendo como origem guamichã ou guamixã, que em tupi-guarani significa fruta que gruda na boca. Nunca vi grumixama colar como a mangaba ou o abiu, mas vai saber como eram as variedades antigas. Hoje, gruda só o sabor delicioso que a gente não quer esquecer nunca mais. Outros termos encontrados são “comichã” ou “comixa”, como registrou Pero de Magalhães Gandavo, entre os séculos 16 e 17.

Em 1587, no seu Tratado Descritivo do Brasil, a árvore de folhas brilhantes e coriáceas está descrita assim: "Há outra árvore como laranjeira, que se chama comichã, a qual carrega todos os anos de umas frutas vermelhas, tamanhas e de feição de murtinhos que se comem todas lançando-lhes fora uma pevide preta que têm, que é a semente desta árvore grande que dá fruto do mesmo nome tamanho como cerejas, de cor vermelha, e muito doce [...]". Nunca vi grumixama de sementes pretas, mas, vá lá, é a própria. Em 1618, em Diálogos das Grandezas do Brasil, volta a exaltar a "comixa, fruta miúda, a feição de murtinhos" e lastimava que brasileiros mantivessem esta e outras frutas como "agrestes, espalhadas pelos matos, as quais, se forem cultivadas, se avantajariam em bondade e gosto." Lá isto ele tem razão. Que continuem silvestres, mas que também cultivemos nas roças, nos quintais e nas praças. 

O fato é que é tempo de grumixama. Nunca esqueço da minha primeira grande colheita, uns três quilos, junto com a amiga Veronika e seus filhos pequenos, numa rua do meu bairro. O ano era 2011, mês 11 e dia 11. Então, guarde esta data: pelo menos em São Paulo, em 11/11 as grumixameiras estão carregadas e a gente deveria sair por aí comemorando, alardeando: é tempo de grumixama! É tempo de muita luz, de flores, de chuva, de calor, e de grumixamas! 

Se descer na estação de metrô Clínicas, vai ver, entre uma entrada e outra, várias árvores nos jardins da faculdade de medicina da USP jogando seus frutos na calçada da Doutor Arnaldo. As folhas das árvores são tão brilhantes e os brotos tão vermelhos que às vezes as pequenas frutas, do tamanho de jabuticadas, parecem camufladas. Lá no alto, então, a gente mal enxerga. Mas o chão costuma ficar forrado. Colha todos os frutos caídos que vir por aí, plante as sementes e vamos povoar nossas cidades de grumixamas. 

Por que tanta euforia? No dia em que provar uma, vai me dar razão. O sabor é uma reunião familiar das melhores mirtáceas: feijoa, goiaba, pitanga, araçá, uvaia e jabuticaba. Pode chegar ao tamanho e à cor da jabuticaba com a vantagem de a pele ser mais fina, mastigável e menos tânica, enquanto as sementes são como as de pitangas, soltas da polpa. Há grumixamas amarelas, mas vejo poucas delas por aí. 

Creme de leite fresco batido com iogurte natural, suspiros e frutas. Foto: Neide Rigo|Estadão

Se o pretexto para o não cultivo de outras frutas brasileiras, como pitanga, cereja-do-rio-grande, araçá-boi e uvaia, por exemplo, é a fragilidade do transporte, já adianto que no caso da grumixama a desculpa não se aplica, pois tem a pele relativamente mais firme, quase como a da jabuticaba. E nesta época do ano deveria estar em todas as quitandas, as feiras e os sacolões no lugar daquelas caixinhas de blueberry, cerejas e framboesas importadas. Sua safra se estende até o final do ano e bem que ela poderia ser nossa cereja de Natal.

Se você não conhece a fruta que já foi tão comum na Mata Atlântica, se ela não é encontrada no mercado nem nos cardápios de restaurantes, se você não conhece a própria biodiversidade do bioma porque está desaparecendo com o desmatamento das encostas, tudo isto já é motivo suficiente para o movimento Slow Food considerar a fruta como bem a ser preservado no projeto chamado Arca do Gosto, que tem a missão de identificar, catalogar e divulgar produtos em risco de extinção de produção e/ou de consumo.

São quase 100 produtos abrigados pela Arca e para ajudar a divulgá-los, fazê-los conhecidos, a Aliança dos Cozinheiros do Slow Food Brasil organizou um festival, que vai até este domingo (6), reunindo vários chefs conhecidos de São Paulo que estão usando alimentos da Arca. São muitas atividades entre almoços, jantares e oficinas, sendo que a grumixama fechará o evento em grande estilo, na Bienal de São Paulo, na obra Restauro, de Jorge Menna Barreto, reinando no prato do dia feito por Neka Menna Barreto, Fabiana Sanches e Daniela Lisboa. Ainda dá tempo (confira a programação).

As frutas fazem uma geleia perfumada e um xarope de cor rubra estonteante para ser usado em refresco ou drinque – muito melhor que aquela bebida amarga de coloração artificialmente vermelha. Mas o melhor mesmo é comer a fruta ao natural, seja sozinha, sobre sorvete, iogurte, cremes de todo tipo. Ainda que ela entre no preparo, não deixe de apresentar uma fruta inteira que seja – e verá que nenhum prato feito com ela será melhor que a própria fruta, tão completa em sabor. As sementes? Ah, as sementes a gente pode tirar da boca como tiramos as de azeitona e cereja. Que mal tem? 

Por isto, minha receita não é receita, é só uma mistura de creme de leite fresco batido com iogurte natural, suspiros e frutas nossas como pitangas e grumixamas, ambas inteiras, com uma calda de uvaia. E, tchau, porque na rua de baixo uma árvore carregada de felicidade me chama e é para lá que eu vou.

Nota: se não conseguir uma semente para germinar e quiser uma muda já grande para plantar no seu quintal, na calçada ou numa praça perto de você, peça para Edilson ou Gustavo Giacon, do Viveiro Ciprest, que eles têm (da roxa, da amarela e até de um tipo arbustivo que vai bem em vasos. E o melhor, eles mandam por correio).

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