Ingredientes brasileiros estudados na cozinha

Não tem o do vulcão? Serve o da roça


Durante passeio em Turim (Itália) a colunista se depará com um ingrediente curioso

Por Neide Rigo
Atualização:

Durante o Salone del Gusto e Terra Madre, os grandes eventos do Slow Food em Turim (Itália), no final de outubro, me deparei com produtos da Arca do Gosto de diferentes países. Um dos que me chamaram a atenção foram os tomatinhos do Vesúvio, com pele grossa, de um vermelho forte e polpa doce e densa, que os fazem resistir até a Páscoa seguinte à colheita no final do verão. Eles são tradicionalmente presos pelo pedúnculo com barbante e unidos em grandes cachos que, pendurados, podem passar todo o inverno se aperfeiçoando nesse arranjo, desfeito na medida da necessidade.

 

FOTOS: Neide Rigo/Estadão

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Foi por causa de um primo do tomate, da mesma família das solanáceas, que nasceu o projeto Arca do Gosto, em 1996. Um grupo do Slow Food notou a troca de um pimentão local por um importado e sem gosto no menu de um restaurante em que estavam acostumados a ir. Ficaram sabendo que o produtor passou a cultivar bulbos de flor holandesa, muito mais rentáveis que aqueles pimentões que faziam a alegria dos gastrônomos, mas não garantiam o sustento de quem os produzia. Inconformados, numa só tacada conseguiram listar cerca de 500 produtos que comiam no passado e já não encontravam.

A excelência do ingrediente depende do produtor. Daí nasceu o projeto Arca do Gosto, que identifica, cataloga e divulga alimentos ameaçados de desaparecer, entendendo-se por ameaça a imposição de variedades comerciais padronizadas, a substituição da biodiversidade, monoculturas extensivas, etc. Alguns itens são ainda tutorados e protegidos por outro projeto chamado Fortaleza, que oferece apoio técnico e financeiro para a manutenção desses produtos.

Pois os tomatinhos cultivados no Parque Nacional do Vesúvio estão no Fortaleza, assim como o baru e o licuri, entre outros produtos brasileiros na Arca.

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Foi impossível não pensar nos nossos tomates-cerejas que nascem Brasil afora, especialmente na zona rural, enroscados num pé de café ou de milho seco, encostados num entulho de praça ou em qualquer lugar, desde que o deixem ali sem cuidados. As folhas têm penugem e às vezes são feias e amareladas, mas liberam um perfume delicioso ao simples contato.

Não adianta querer cultivá-los na horta perto de casa, a não ser que eles queiram, pois parecem preferir o desprezo ao zelo. Os frutos, que dão em pencas, têm pele fina e muita semente, são suculentos, ácidos, doces e fazem, sem vinagre ou limão, um molho cru combinado com cebola e cheiro-verde para a carne de porco ou entram cortados ao meio na salada de almeirão.

Porque dá na roça, começou a surgir na década de1980 no mercado urbano com o nome de tomatinho-da-roça e virou febre. Tudo levava tomate-da-roça. Ou tomate-cereja, já começando a se afrescalhar. Logo já não era mais aquele azedinho e doce de pele fina que fazia papel de tomate e vinagre ao mesmo tempo e chegava a cortar baba de quiabo quando refogado com alho antes do legume. Foi ficando mais firme, menos frágil, com polpa mais densa, mais vermelho, com menos sementes e mais sem graça. Claro, já não se reconhecia ali o mesmo tomatinho, que se mostrou inviável para o cruel mercado de produtos que durem muito nas prateleiras e saibam viajar, coisa que essa variedade selvagem faz mal. Para as gôndolas, melhor os híbridos com nomes importados e sementes patenteadas. Enquanto isso, o tomatinho-da-roça segue seu estilo capiau como antes da moda. E nós continuamos sem escolhas.

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Ainda em Torino, saindo do espaço do Slow Food, levei um susto ao ver a variedade de tomates diferentes e produzidos localmente entre os hortifrútis do complexo gastronômico Eataly. Acho que eram uns 15, grandes, pequenos, vermelhos, amarelos ou negros, esféricos, piriformes, cordiformes, lisos, em gomos. Todos muito frescos, com destaque para a informação de que eram produtos italianos, alguns “quilômetro zero”.

Já em Barcelona, a comoção foi maior e dois olhos foram poucos para tantos tomates. Sem exagero, devia haver numa só banca mais de 30 variedades. Num supermercado comum, onde comprei os tomates sucosos em pencas para passar no pão, contei pelo menos 14 variedades. Está certo que não é difícil produzir híbridos de tomate, mas muitos deles eram os tradicionais, velhos conhecidos do cozinheiro catalão, aos quais recorre para fazer seu pa amb tomàquets (veja abaixo).

E pensar que aqui no Brasil estamos muito mais perto da região andina, o centro de origem dos tomates, que temos bom clima e terra para o cultivo de muitas variedades, e que os europeus só conheceram o fruto americano na época dos descobrimentos, dá certa inveja.

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Aposto que muitos de nós nos contentaríamos em comer tomates só na época da safra desde que pudéssemos escolher nossos preferidos, entre eles os tomatinhos-da-roça dispostos cuidadosamente em cestas, trazidos de um produtor de perto. Em vez disso, nas feiras ou supermercados, nossos únicos dilemas diante de tomates sem gosto ficam entre os maduros ou nem tanto e os para molho ou salada. E é desolador pensar que quase sempre dá no mesmo.

 

Pa amb tomàquets

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Corte fatias de pão de miolo firme e casca grossa, de preferência feito com levedura natural. Corte ao meio, mas não de comprido, um bom tomate, maduro e macio, e esfregue uma metade em cada fatia de pão – a parte cortada sobre o pão, claro. Um fio de azeite, um sereno de sal… e venga!

Durante o Salone del Gusto e Terra Madre, os grandes eventos do Slow Food em Turim (Itália), no final de outubro, me deparei com produtos da Arca do Gosto de diferentes países. Um dos que me chamaram a atenção foram os tomatinhos do Vesúvio, com pele grossa, de um vermelho forte e polpa doce e densa, que os fazem resistir até a Páscoa seguinte à colheita no final do verão. Eles são tradicionalmente presos pelo pedúnculo com barbante e unidos em grandes cachos que, pendurados, podem passar todo o inverno se aperfeiçoando nesse arranjo, desfeito na medida da necessidade.

 

FOTOS: Neide Rigo/Estadão

Foi por causa de um primo do tomate, da mesma família das solanáceas, que nasceu o projeto Arca do Gosto, em 1996. Um grupo do Slow Food notou a troca de um pimentão local por um importado e sem gosto no menu de um restaurante em que estavam acostumados a ir. Ficaram sabendo que o produtor passou a cultivar bulbos de flor holandesa, muito mais rentáveis que aqueles pimentões que faziam a alegria dos gastrônomos, mas não garantiam o sustento de quem os produzia. Inconformados, numa só tacada conseguiram listar cerca de 500 produtos que comiam no passado e já não encontravam.

A excelência do ingrediente depende do produtor. Daí nasceu o projeto Arca do Gosto, que identifica, cataloga e divulga alimentos ameaçados de desaparecer, entendendo-se por ameaça a imposição de variedades comerciais padronizadas, a substituição da biodiversidade, monoculturas extensivas, etc. Alguns itens são ainda tutorados e protegidos por outro projeto chamado Fortaleza, que oferece apoio técnico e financeiro para a manutenção desses produtos.

Pois os tomatinhos cultivados no Parque Nacional do Vesúvio estão no Fortaleza, assim como o baru e o licuri, entre outros produtos brasileiros na Arca.

Foi impossível não pensar nos nossos tomates-cerejas que nascem Brasil afora, especialmente na zona rural, enroscados num pé de café ou de milho seco, encostados num entulho de praça ou em qualquer lugar, desde que o deixem ali sem cuidados. As folhas têm penugem e às vezes são feias e amareladas, mas liberam um perfume delicioso ao simples contato.

Não adianta querer cultivá-los na horta perto de casa, a não ser que eles queiram, pois parecem preferir o desprezo ao zelo. Os frutos, que dão em pencas, têm pele fina e muita semente, são suculentos, ácidos, doces e fazem, sem vinagre ou limão, um molho cru combinado com cebola e cheiro-verde para a carne de porco ou entram cortados ao meio na salada de almeirão.

Porque dá na roça, começou a surgir na década de1980 no mercado urbano com o nome de tomatinho-da-roça e virou febre. Tudo levava tomate-da-roça. Ou tomate-cereja, já começando a se afrescalhar. Logo já não era mais aquele azedinho e doce de pele fina que fazia papel de tomate e vinagre ao mesmo tempo e chegava a cortar baba de quiabo quando refogado com alho antes do legume. Foi ficando mais firme, menos frágil, com polpa mais densa, mais vermelho, com menos sementes e mais sem graça. Claro, já não se reconhecia ali o mesmo tomatinho, que se mostrou inviável para o cruel mercado de produtos que durem muito nas prateleiras e saibam viajar, coisa que essa variedade selvagem faz mal. Para as gôndolas, melhor os híbridos com nomes importados e sementes patenteadas. Enquanto isso, o tomatinho-da-roça segue seu estilo capiau como antes da moda. E nós continuamos sem escolhas.

Ainda em Torino, saindo do espaço do Slow Food, levei um susto ao ver a variedade de tomates diferentes e produzidos localmente entre os hortifrútis do complexo gastronômico Eataly. Acho que eram uns 15, grandes, pequenos, vermelhos, amarelos ou negros, esféricos, piriformes, cordiformes, lisos, em gomos. Todos muito frescos, com destaque para a informação de que eram produtos italianos, alguns “quilômetro zero”.

Já em Barcelona, a comoção foi maior e dois olhos foram poucos para tantos tomates. Sem exagero, devia haver numa só banca mais de 30 variedades. Num supermercado comum, onde comprei os tomates sucosos em pencas para passar no pão, contei pelo menos 14 variedades. Está certo que não é difícil produzir híbridos de tomate, mas muitos deles eram os tradicionais, velhos conhecidos do cozinheiro catalão, aos quais recorre para fazer seu pa amb tomàquets (veja abaixo).

E pensar que aqui no Brasil estamos muito mais perto da região andina, o centro de origem dos tomates, que temos bom clima e terra para o cultivo de muitas variedades, e que os europeus só conheceram o fruto americano na época dos descobrimentos, dá certa inveja.

Aposto que muitos de nós nos contentaríamos em comer tomates só na época da safra desde que pudéssemos escolher nossos preferidos, entre eles os tomatinhos-da-roça dispostos cuidadosamente em cestas, trazidos de um produtor de perto. Em vez disso, nas feiras ou supermercados, nossos únicos dilemas diante de tomates sem gosto ficam entre os maduros ou nem tanto e os para molho ou salada. E é desolador pensar que quase sempre dá no mesmo.

 

Pa amb tomàquets

Corte fatias de pão de miolo firme e casca grossa, de preferência feito com levedura natural. Corte ao meio, mas não de comprido, um bom tomate, maduro e macio, e esfregue uma metade em cada fatia de pão – a parte cortada sobre o pão, claro. Um fio de azeite, um sereno de sal… e venga!

Durante o Salone del Gusto e Terra Madre, os grandes eventos do Slow Food em Turim (Itália), no final de outubro, me deparei com produtos da Arca do Gosto de diferentes países. Um dos que me chamaram a atenção foram os tomatinhos do Vesúvio, com pele grossa, de um vermelho forte e polpa doce e densa, que os fazem resistir até a Páscoa seguinte à colheita no final do verão. Eles são tradicionalmente presos pelo pedúnculo com barbante e unidos em grandes cachos que, pendurados, podem passar todo o inverno se aperfeiçoando nesse arranjo, desfeito na medida da necessidade.

 

FOTOS: Neide Rigo/Estadão

Foi por causa de um primo do tomate, da mesma família das solanáceas, que nasceu o projeto Arca do Gosto, em 1996. Um grupo do Slow Food notou a troca de um pimentão local por um importado e sem gosto no menu de um restaurante em que estavam acostumados a ir. Ficaram sabendo que o produtor passou a cultivar bulbos de flor holandesa, muito mais rentáveis que aqueles pimentões que faziam a alegria dos gastrônomos, mas não garantiam o sustento de quem os produzia. Inconformados, numa só tacada conseguiram listar cerca de 500 produtos que comiam no passado e já não encontravam.

A excelência do ingrediente depende do produtor. Daí nasceu o projeto Arca do Gosto, que identifica, cataloga e divulga alimentos ameaçados de desaparecer, entendendo-se por ameaça a imposição de variedades comerciais padronizadas, a substituição da biodiversidade, monoculturas extensivas, etc. Alguns itens são ainda tutorados e protegidos por outro projeto chamado Fortaleza, que oferece apoio técnico e financeiro para a manutenção desses produtos.

Pois os tomatinhos cultivados no Parque Nacional do Vesúvio estão no Fortaleza, assim como o baru e o licuri, entre outros produtos brasileiros na Arca.

Foi impossível não pensar nos nossos tomates-cerejas que nascem Brasil afora, especialmente na zona rural, enroscados num pé de café ou de milho seco, encostados num entulho de praça ou em qualquer lugar, desde que o deixem ali sem cuidados. As folhas têm penugem e às vezes são feias e amareladas, mas liberam um perfume delicioso ao simples contato.

Não adianta querer cultivá-los na horta perto de casa, a não ser que eles queiram, pois parecem preferir o desprezo ao zelo. Os frutos, que dão em pencas, têm pele fina e muita semente, são suculentos, ácidos, doces e fazem, sem vinagre ou limão, um molho cru combinado com cebola e cheiro-verde para a carne de porco ou entram cortados ao meio na salada de almeirão.

Porque dá na roça, começou a surgir na década de1980 no mercado urbano com o nome de tomatinho-da-roça e virou febre. Tudo levava tomate-da-roça. Ou tomate-cereja, já começando a se afrescalhar. Logo já não era mais aquele azedinho e doce de pele fina que fazia papel de tomate e vinagre ao mesmo tempo e chegava a cortar baba de quiabo quando refogado com alho antes do legume. Foi ficando mais firme, menos frágil, com polpa mais densa, mais vermelho, com menos sementes e mais sem graça. Claro, já não se reconhecia ali o mesmo tomatinho, que se mostrou inviável para o cruel mercado de produtos que durem muito nas prateleiras e saibam viajar, coisa que essa variedade selvagem faz mal. Para as gôndolas, melhor os híbridos com nomes importados e sementes patenteadas. Enquanto isso, o tomatinho-da-roça segue seu estilo capiau como antes da moda. E nós continuamos sem escolhas.

Ainda em Torino, saindo do espaço do Slow Food, levei um susto ao ver a variedade de tomates diferentes e produzidos localmente entre os hortifrútis do complexo gastronômico Eataly. Acho que eram uns 15, grandes, pequenos, vermelhos, amarelos ou negros, esféricos, piriformes, cordiformes, lisos, em gomos. Todos muito frescos, com destaque para a informação de que eram produtos italianos, alguns “quilômetro zero”.

Já em Barcelona, a comoção foi maior e dois olhos foram poucos para tantos tomates. Sem exagero, devia haver numa só banca mais de 30 variedades. Num supermercado comum, onde comprei os tomates sucosos em pencas para passar no pão, contei pelo menos 14 variedades. Está certo que não é difícil produzir híbridos de tomate, mas muitos deles eram os tradicionais, velhos conhecidos do cozinheiro catalão, aos quais recorre para fazer seu pa amb tomàquets (veja abaixo).

E pensar que aqui no Brasil estamos muito mais perto da região andina, o centro de origem dos tomates, que temos bom clima e terra para o cultivo de muitas variedades, e que os europeus só conheceram o fruto americano na época dos descobrimentos, dá certa inveja.

Aposto que muitos de nós nos contentaríamos em comer tomates só na época da safra desde que pudéssemos escolher nossos preferidos, entre eles os tomatinhos-da-roça dispostos cuidadosamente em cestas, trazidos de um produtor de perto. Em vez disso, nas feiras ou supermercados, nossos únicos dilemas diante de tomates sem gosto ficam entre os maduros ou nem tanto e os para molho ou salada. E é desolador pensar que quase sempre dá no mesmo.

 

Pa amb tomàquets

Corte fatias de pão de miolo firme e casca grossa, de preferência feito com levedura natural. Corte ao meio, mas não de comprido, um bom tomate, maduro e macio, e esfregue uma metade em cada fatia de pão – a parte cortada sobre o pão, claro. Um fio de azeite, um sereno de sal… e venga!

Durante o Salone del Gusto e Terra Madre, os grandes eventos do Slow Food em Turim (Itália), no final de outubro, me deparei com produtos da Arca do Gosto de diferentes países. Um dos que me chamaram a atenção foram os tomatinhos do Vesúvio, com pele grossa, de um vermelho forte e polpa doce e densa, que os fazem resistir até a Páscoa seguinte à colheita no final do verão. Eles são tradicionalmente presos pelo pedúnculo com barbante e unidos em grandes cachos que, pendurados, podem passar todo o inverno se aperfeiçoando nesse arranjo, desfeito na medida da necessidade.

 

FOTOS: Neide Rigo/Estadão

Foi por causa de um primo do tomate, da mesma família das solanáceas, que nasceu o projeto Arca do Gosto, em 1996. Um grupo do Slow Food notou a troca de um pimentão local por um importado e sem gosto no menu de um restaurante em que estavam acostumados a ir. Ficaram sabendo que o produtor passou a cultivar bulbos de flor holandesa, muito mais rentáveis que aqueles pimentões que faziam a alegria dos gastrônomos, mas não garantiam o sustento de quem os produzia. Inconformados, numa só tacada conseguiram listar cerca de 500 produtos que comiam no passado e já não encontravam.

A excelência do ingrediente depende do produtor. Daí nasceu o projeto Arca do Gosto, que identifica, cataloga e divulga alimentos ameaçados de desaparecer, entendendo-se por ameaça a imposição de variedades comerciais padronizadas, a substituição da biodiversidade, monoculturas extensivas, etc. Alguns itens são ainda tutorados e protegidos por outro projeto chamado Fortaleza, que oferece apoio técnico e financeiro para a manutenção desses produtos.

Pois os tomatinhos cultivados no Parque Nacional do Vesúvio estão no Fortaleza, assim como o baru e o licuri, entre outros produtos brasileiros na Arca.

Foi impossível não pensar nos nossos tomates-cerejas que nascem Brasil afora, especialmente na zona rural, enroscados num pé de café ou de milho seco, encostados num entulho de praça ou em qualquer lugar, desde que o deixem ali sem cuidados. As folhas têm penugem e às vezes são feias e amareladas, mas liberam um perfume delicioso ao simples contato.

Não adianta querer cultivá-los na horta perto de casa, a não ser que eles queiram, pois parecem preferir o desprezo ao zelo. Os frutos, que dão em pencas, têm pele fina e muita semente, são suculentos, ácidos, doces e fazem, sem vinagre ou limão, um molho cru combinado com cebola e cheiro-verde para a carne de porco ou entram cortados ao meio na salada de almeirão.

Porque dá na roça, começou a surgir na década de1980 no mercado urbano com o nome de tomatinho-da-roça e virou febre. Tudo levava tomate-da-roça. Ou tomate-cereja, já começando a se afrescalhar. Logo já não era mais aquele azedinho e doce de pele fina que fazia papel de tomate e vinagre ao mesmo tempo e chegava a cortar baba de quiabo quando refogado com alho antes do legume. Foi ficando mais firme, menos frágil, com polpa mais densa, mais vermelho, com menos sementes e mais sem graça. Claro, já não se reconhecia ali o mesmo tomatinho, que se mostrou inviável para o cruel mercado de produtos que durem muito nas prateleiras e saibam viajar, coisa que essa variedade selvagem faz mal. Para as gôndolas, melhor os híbridos com nomes importados e sementes patenteadas. Enquanto isso, o tomatinho-da-roça segue seu estilo capiau como antes da moda. E nós continuamos sem escolhas.

Ainda em Torino, saindo do espaço do Slow Food, levei um susto ao ver a variedade de tomates diferentes e produzidos localmente entre os hortifrútis do complexo gastronômico Eataly. Acho que eram uns 15, grandes, pequenos, vermelhos, amarelos ou negros, esféricos, piriformes, cordiformes, lisos, em gomos. Todos muito frescos, com destaque para a informação de que eram produtos italianos, alguns “quilômetro zero”.

Já em Barcelona, a comoção foi maior e dois olhos foram poucos para tantos tomates. Sem exagero, devia haver numa só banca mais de 30 variedades. Num supermercado comum, onde comprei os tomates sucosos em pencas para passar no pão, contei pelo menos 14 variedades. Está certo que não é difícil produzir híbridos de tomate, mas muitos deles eram os tradicionais, velhos conhecidos do cozinheiro catalão, aos quais recorre para fazer seu pa amb tomàquets (veja abaixo).

E pensar que aqui no Brasil estamos muito mais perto da região andina, o centro de origem dos tomates, que temos bom clima e terra para o cultivo de muitas variedades, e que os europeus só conheceram o fruto americano na época dos descobrimentos, dá certa inveja.

Aposto que muitos de nós nos contentaríamos em comer tomates só na época da safra desde que pudéssemos escolher nossos preferidos, entre eles os tomatinhos-da-roça dispostos cuidadosamente em cestas, trazidos de um produtor de perto. Em vez disso, nas feiras ou supermercados, nossos únicos dilemas diante de tomates sem gosto ficam entre os maduros ou nem tanto e os para molho ou salada. E é desolador pensar que quase sempre dá no mesmo.

 

Pa amb tomàquets

Corte fatias de pão de miolo firme e casca grossa, de preferência feito com levedura natural. Corte ao meio, mas não de comprido, um bom tomate, maduro e macio, e esfregue uma metade em cada fatia de pão – a parte cortada sobre o pão, claro. Um fio de azeite, um sereno de sal… e venga!

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