Ingredientes brasileiros estudados na cozinha

Você sabe o que é mugunzá? Feito de milho, ele pode ser doce ou salgado


A versão salgada do mugunzá é a alegria de festas juninas no interior do Nordeste: é um refogado reconfortante feito com milho, favas e carnes

Por Neide Rigo
Atualização:

Por muito tempo, eu mesma generalizava o Nordeste como um território único em costumes e saberes, assim como ainda há quem acredite que nordestino é sinônimo de paraíba. Felizmente a gente cresce e aprende.

E viajar é uma forma eficaz de descobrir na prática porque se diz que toda generalização é burra. Não existe um Nordeste coeso e homogêneo. Basta rodar 100 quilômetros e tudo muda – o modo de vida, os ingredientes, o nomes das coisas, as técnicas. Assim como em qualquer região.

Que a canjica da parte sul do Brasil seja chamada de mungunzá mais ao nordeste, a gente já sabe. Porém não imaginava que baianos da capital que apreciam o milho canjicado com caldo grosso formado por leite de coco, açúcar, cravo e canela, praticamente desconheçam a versão salgada do mugunzá, a alegria de festas juninas, reisados e festas populares no interior do Ceará, só para citar o lugar onde estive. 

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Milho de canjica amarelo: sem a película e o germe. Foto: Neide Rigo/Estadão

Recentemente, andei pela região do Cariri, no Ceará, conhecendo iniciativas da Fundação Casa Grande, criada por Alemberg Quindins, como os museus orgânicos que funcionam nas casas ou oficinas de mestres que têm o que mostrar.

Em visita ao Museu Casa do Mestre Antônio Luiz, no sítio Sassaré, em Potengi, vi a apresentação do Grupo Reisado de Couro no terreiro do casal, Antônio Luiz de Souza e Rosa Pereira, entre máscaras dos brincantes, objetos familiares catalogados e uma provisão de feijões-de-corda armazenados em garrafas pets. Havia muita gente da comunidade que estava ali não só pelo espetáculo, mas pela panelada de mugunzá de milho amarelo com fava branca, servida no quintal.

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reference

Dona Rosa explicou que aquele levava peito de frango desfiado além de 1 kg de fava para cada 5 de milho, mas que poderia ser feito também com carne de porco e feijão-de-corda. Tradicionalmente pode ser engrossado com nata, mas ela usou creme de leite de caixinha. O milho usado para cozinhar deve estar sem a película e germe. Nas roças pelo Brasil afora, o jeito de extrair a película é socando no pilão forrado com palha. Era assim que minha mãe fazia quando era criança no Paraná. Em Piracaia, aqui pertinho, na Serra da Mantiqueira, também era feito assim, já me contaram moradores antigos. Hoje acham mais fácil comprar pronto. 

Em seu livro Gastronomia Sertaneja, Ana Rita Dantas Suassuna descreve o processo usado no sertão: “o mugunzá (também apelidado de chá de burro) é milho desolhado, isto é, o grão sem a palha (ou a pele) e sem o amido que fica em uma das extremidades”. E fala do pilão: “Colocar no pilão algumas palhas do próprio milho e um pouco de água, de modo a reduzir o atrito na madeira, além de ajudar a manter o grão o mais íntegro possível. Quando se termina, o milho é sacudido na urupemba e lavado e, se preciso for, retorna ao pilão, até ficar completamente sem palha.” 

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O milho pode ser o branco ou o amarelo. E a forma de preparo, varia conforme a região. Doce ou salgado, havendo uma preferência em se usar o amarelo em prato salgado e o branco, no doce, embora não seja uma regra. 

reference

Depois que voltei do Cariri já cozinhei o mugunzá salgado com complementos variados. É uma forma de se oferecer um prato gostoso e nutritivo, feito com economia de tempo, dinheiro e energia, apropriado para grandes encontros. E então, de repente, me apaixonei pelo milho sem olho, especialmente o feito assim, com sal. Só não fiz ainda a versão do livro de Ana Rita, o mugunzá com mão de vaca e linguiça. 

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Quando era criança, era o único alimento que não me passava. Minha mãe sempre fez com leite de coco e amendoim, o que ajudava a formar um caldo delicioso e era só o que colocava no prato – o caldo. Os milhos brancos sem o germe me assustavam por terem formato de dentes e por isto não gostava da consistência e da aparência. Nunca é tarde para aprender e mudar. Depois de me apaixonar por aquele mugunzá da Dona Rosa, que comi e repeti, tanto faz, o doce ou o salgado, gosto dos dois modos. E tampouco importa o ingrediente que leve ou o nome que carregue. Canjica, mungunzá, munguzá, mugunzá, pururuca, cada quem com seu moquém. O que faz falta mesmo é termos mais opção de milhos crioulos, não transgênicos. Aí ficaria perfeito.

Mugunzá com feijão-de-corda e costelinha de porco. Foto: Neide Rigo/Estadão

E só para esclarecer, o termo mu’kunza, origem das variações do nome mugunzá, quer dizer, em quimbundo, milho cozido. Já kandjica na língua quimbundo quer dizer milho verde ralado e cozido com leite ou leite de coco, temperado com açúcar e polvilhado com canela, o que condiz com o que se chama canjica em vários lugares do Nordeste (e curau, no Sudeste). Agora, porque por aqui chamamos mugunzá de canjica e a canjica de curau, perguntemos ao fiscal. 

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Para fazer a minha versão de mugunzá, segui mais ou menos o que Dona Rosa ensinou. Veja a receita aqui. 

Por muito tempo, eu mesma generalizava o Nordeste como um território único em costumes e saberes, assim como ainda há quem acredite que nordestino é sinônimo de paraíba. Felizmente a gente cresce e aprende.

E viajar é uma forma eficaz de descobrir na prática porque se diz que toda generalização é burra. Não existe um Nordeste coeso e homogêneo. Basta rodar 100 quilômetros e tudo muda – o modo de vida, os ingredientes, o nomes das coisas, as técnicas. Assim como em qualquer região.

Que a canjica da parte sul do Brasil seja chamada de mungunzá mais ao nordeste, a gente já sabe. Porém não imaginava que baianos da capital que apreciam o milho canjicado com caldo grosso formado por leite de coco, açúcar, cravo e canela, praticamente desconheçam a versão salgada do mugunzá, a alegria de festas juninas, reisados e festas populares no interior do Ceará, só para citar o lugar onde estive. 

Milho de canjica amarelo: sem a película e o germe. Foto: Neide Rigo/Estadão

Recentemente, andei pela região do Cariri, no Ceará, conhecendo iniciativas da Fundação Casa Grande, criada por Alemberg Quindins, como os museus orgânicos que funcionam nas casas ou oficinas de mestres que têm o que mostrar.

Em visita ao Museu Casa do Mestre Antônio Luiz, no sítio Sassaré, em Potengi, vi a apresentação do Grupo Reisado de Couro no terreiro do casal, Antônio Luiz de Souza e Rosa Pereira, entre máscaras dos brincantes, objetos familiares catalogados e uma provisão de feijões-de-corda armazenados em garrafas pets. Havia muita gente da comunidade que estava ali não só pelo espetáculo, mas pela panelada de mugunzá de milho amarelo com fava branca, servida no quintal.

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Dona Rosa explicou que aquele levava peito de frango desfiado além de 1 kg de fava para cada 5 de milho, mas que poderia ser feito também com carne de porco e feijão-de-corda. Tradicionalmente pode ser engrossado com nata, mas ela usou creme de leite de caixinha. O milho usado para cozinhar deve estar sem a película e germe. Nas roças pelo Brasil afora, o jeito de extrair a película é socando no pilão forrado com palha. Era assim que minha mãe fazia quando era criança no Paraná. Em Piracaia, aqui pertinho, na Serra da Mantiqueira, também era feito assim, já me contaram moradores antigos. Hoje acham mais fácil comprar pronto. 

Em seu livro Gastronomia Sertaneja, Ana Rita Dantas Suassuna descreve o processo usado no sertão: “o mugunzá (também apelidado de chá de burro) é milho desolhado, isto é, o grão sem a palha (ou a pele) e sem o amido que fica em uma das extremidades”. E fala do pilão: “Colocar no pilão algumas palhas do próprio milho e um pouco de água, de modo a reduzir o atrito na madeira, além de ajudar a manter o grão o mais íntegro possível. Quando se termina, o milho é sacudido na urupemba e lavado e, se preciso for, retorna ao pilão, até ficar completamente sem palha.” 

O milho pode ser o branco ou o amarelo. E a forma de preparo, varia conforme a região. Doce ou salgado, havendo uma preferência em se usar o amarelo em prato salgado e o branco, no doce, embora não seja uma regra. 

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Depois que voltei do Cariri já cozinhei o mugunzá salgado com complementos variados. É uma forma de se oferecer um prato gostoso e nutritivo, feito com economia de tempo, dinheiro e energia, apropriado para grandes encontros. E então, de repente, me apaixonei pelo milho sem olho, especialmente o feito assim, com sal. Só não fiz ainda a versão do livro de Ana Rita, o mugunzá com mão de vaca e linguiça. 

Quando era criança, era o único alimento que não me passava. Minha mãe sempre fez com leite de coco e amendoim, o que ajudava a formar um caldo delicioso e era só o que colocava no prato – o caldo. Os milhos brancos sem o germe me assustavam por terem formato de dentes e por isto não gostava da consistência e da aparência. Nunca é tarde para aprender e mudar. Depois de me apaixonar por aquele mugunzá da Dona Rosa, que comi e repeti, tanto faz, o doce ou o salgado, gosto dos dois modos. E tampouco importa o ingrediente que leve ou o nome que carregue. Canjica, mungunzá, munguzá, mugunzá, pururuca, cada quem com seu moquém. O que faz falta mesmo é termos mais opção de milhos crioulos, não transgênicos. Aí ficaria perfeito.

Mugunzá com feijão-de-corda e costelinha de porco. Foto: Neide Rigo/Estadão

E só para esclarecer, o termo mu’kunza, origem das variações do nome mugunzá, quer dizer, em quimbundo, milho cozido. Já kandjica na língua quimbundo quer dizer milho verde ralado e cozido com leite ou leite de coco, temperado com açúcar e polvilhado com canela, o que condiz com o que se chama canjica em vários lugares do Nordeste (e curau, no Sudeste). Agora, porque por aqui chamamos mugunzá de canjica e a canjica de curau, perguntemos ao fiscal. 

Para fazer a minha versão de mugunzá, segui mais ou menos o que Dona Rosa ensinou. Veja a receita aqui. 

Por muito tempo, eu mesma generalizava o Nordeste como um território único em costumes e saberes, assim como ainda há quem acredite que nordestino é sinônimo de paraíba. Felizmente a gente cresce e aprende.

E viajar é uma forma eficaz de descobrir na prática porque se diz que toda generalização é burra. Não existe um Nordeste coeso e homogêneo. Basta rodar 100 quilômetros e tudo muda – o modo de vida, os ingredientes, o nomes das coisas, as técnicas. Assim como em qualquer região.

Que a canjica da parte sul do Brasil seja chamada de mungunzá mais ao nordeste, a gente já sabe. Porém não imaginava que baianos da capital que apreciam o milho canjicado com caldo grosso formado por leite de coco, açúcar, cravo e canela, praticamente desconheçam a versão salgada do mugunzá, a alegria de festas juninas, reisados e festas populares no interior do Ceará, só para citar o lugar onde estive. 

Milho de canjica amarelo: sem a película e o germe. Foto: Neide Rigo/Estadão

Recentemente, andei pela região do Cariri, no Ceará, conhecendo iniciativas da Fundação Casa Grande, criada por Alemberg Quindins, como os museus orgânicos que funcionam nas casas ou oficinas de mestres que têm o que mostrar.

Em visita ao Museu Casa do Mestre Antônio Luiz, no sítio Sassaré, em Potengi, vi a apresentação do Grupo Reisado de Couro no terreiro do casal, Antônio Luiz de Souza e Rosa Pereira, entre máscaras dos brincantes, objetos familiares catalogados e uma provisão de feijões-de-corda armazenados em garrafas pets. Havia muita gente da comunidade que estava ali não só pelo espetáculo, mas pela panelada de mugunzá de milho amarelo com fava branca, servida no quintal.

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Dona Rosa explicou que aquele levava peito de frango desfiado além de 1 kg de fava para cada 5 de milho, mas que poderia ser feito também com carne de porco e feijão-de-corda. Tradicionalmente pode ser engrossado com nata, mas ela usou creme de leite de caixinha. O milho usado para cozinhar deve estar sem a película e germe. Nas roças pelo Brasil afora, o jeito de extrair a película é socando no pilão forrado com palha. Era assim que minha mãe fazia quando era criança no Paraná. Em Piracaia, aqui pertinho, na Serra da Mantiqueira, também era feito assim, já me contaram moradores antigos. Hoje acham mais fácil comprar pronto. 

Em seu livro Gastronomia Sertaneja, Ana Rita Dantas Suassuna descreve o processo usado no sertão: “o mugunzá (também apelidado de chá de burro) é milho desolhado, isto é, o grão sem a palha (ou a pele) e sem o amido que fica em uma das extremidades”. E fala do pilão: “Colocar no pilão algumas palhas do próprio milho e um pouco de água, de modo a reduzir o atrito na madeira, além de ajudar a manter o grão o mais íntegro possível. Quando se termina, o milho é sacudido na urupemba e lavado e, se preciso for, retorna ao pilão, até ficar completamente sem palha.” 

O milho pode ser o branco ou o amarelo. E a forma de preparo, varia conforme a região. Doce ou salgado, havendo uma preferência em se usar o amarelo em prato salgado e o branco, no doce, embora não seja uma regra. 

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Depois que voltei do Cariri já cozinhei o mugunzá salgado com complementos variados. É uma forma de se oferecer um prato gostoso e nutritivo, feito com economia de tempo, dinheiro e energia, apropriado para grandes encontros. E então, de repente, me apaixonei pelo milho sem olho, especialmente o feito assim, com sal. Só não fiz ainda a versão do livro de Ana Rita, o mugunzá com mão de vaca e linguiça. 

Quando era criança, era o único alimento que não me passava. Minha mãe sempre fez com leite de coco e amendoim, o que ajudava a formar um caldo delicioso e era só o que colocava no prato – o caldo. Os milhos brancos sem o germe me assustavam por terem formato de dentes e por isto não gostava da consistência e da aparência. Nunca é tarde para aprender e mudar. Depois de me apaixonar por aquele mugunzá da Dona Rosa, que comi e repeti, tanto faz, o doce ou o salgado, gosto dos dois modos. E tampouco importa o ingrediente que leve ou o nome que carregue. Canjica, mungunzá, munguzá, mugunzá, pururuca, cada quem com seu moquém. O que faz falta mesmo é termos mais opção de milhos crioulos, não transgênicos. Aí ficaria perfeito.

Mugunzá com feijão-de-corda e costelinha de porco. Foto: Neide Rigo/Estadão

E só para esclarecer, o termo mu’kunza, origem das variações do nome mugunzá, quer dizer, em quimbundo, milho cozido. Já kandjica na língua quimbundo quer dizer milho verde ralado e cozido com leite ou leite de coco, temperado com açúcar e polvilhado com canela, o que condiz com o que se chama canjica em vários lugares do Nordeste (e curau, no Sudeste). Agora, porque por aqui chamamos mugunzá de canjica e a canjica de curau, perguntemos ao fiscal. 

Para fazer a minha versão de mugunzá, segui mais ou menos o que Dona Rosa ensinou. Veja a receita aqui. 

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