Vega Sicilia é daqueles vinhos que dispensam apresentações. É o ícone da região de Ribera del Duero, listado sempre entre os melhores vinhos espanhóis. Mas Pablo Álvarez, presidente do Tempos Vega Sicilia, sabe que não dá para viver só da fama. O herdeiro da vinícola (a família Álvarez comprou os vinhedos em 1982) passa mais de 50% do seu tempo viajando pelo mundo afora – não apenas para divulgar seu grande vinho, mas também as vinícolas do grupo, atualmente formado pelas marcas Alión, também na Ribera del Duero; Pintia (no Toro) e Macán (na Rioja, em parceria com Benjamín de Rothschild), todas na Espanha, e a Oremus, em Tokaj, Hungria, por aqui importados pela Mistral.
Muito em breve, devem se somar a este portfolio mais dois vinhos brancos, elaborados na região de Rías Baixas, na divisa com Portugal. É a sexta vinícola do grupo, e os vinhos devem chegar ao mercado em 2025. E, quem sabe, em um futuro não muito distante, Álvarez apresente um novo branco, no que parece ser um desejo pessoal do empresário, como ele conta em recente passagem pelo Brasil.
Recentemente, vocês lançaram o Petracs. É o branco premium que faltava para o portfolio da Vega Sicilia?
No passado, dizíamos na Espanha que o melhor branco era um tinto. Estamos em Tokaj há 23 anos. Fomos a primeira vinícola na Hungria que elaborou um vinho branco seco. Temos uma parcela de vinhedo, a Petracs, nome em homenagem a um general austro-húngaro que comprou este vinhedo no passado. É uma parcela antiga, plantada há mais de 60 anos, cultivada como era antigamente em Tokaj. São 7 mil plantas por hectare, conduzida como árvores mais altas. Percebemos que era uma parcela especial e começamos a vinificar separadamente.
Como está os planos de um branco para o Vega?
Atualmente temos a consultoria do Kyriakos Kynigopoulos, um grego que foi indicado pela Véronique Drouhin [da Maison Joseph Drouhin, na Borgonha, e da Domaine Drouhin, no Oregon]. Ele tem um laboratório na Borgonha, trabalha com muitas pequenas vinícolas, e nos ajuda bastante. No Vega Sicilia, temos uma plantação pequena de uvas brancas. No passado, tentamos elaborar um vinho, mas não gostamos do resultado. Agora, trocamos os clones, mudamos o solo onde era cultivado, e plantamos chardonnay e rousanne.
E o projeto de albariño, em Rías Baixas?
Já compramos 50% das vinhas que queremos. É difícil comprar, porque são vinhas muito pequenas. A ideia é ter 60 hectares de vinhedo, em três zonas diferentes de Rías Baixas. As uvas de cada zona aportam algo diferente para os vinhos. Penso que albariño é a melhor uva branca da Espanha. O projeto da vinícola deve estar pronto em 2025 e devemos lançar a safra de 2025 no ano seguinte.
Mas vocês já elaboram o vinho, não?
Nestes dois anos, estamos fazendo experiências, tentando encontrar qual é o melhor caminho para envelhecer a albariño. Fermentamos em barricas, mas não gostamos muito, fizemos em foudres [tonéis grandes de carvalho], em inox, em concreto e em tanques de granito em forma de ovo. Gostamos muito dos depósitos de granito, nas degustações às cegas.
Por que este foco no branco?
Há uma tendência mundial pelos brancos. Como produzimos brancos na Hungria, pensamos que poderíamos ter branco também na Espanha. Os brancos da Rioja são muitos famosos. Na Espanha, tem a uva godello, que está na moda. São agradáveis, mas curtos em boca. A albariño tem uma acidez muito longa, que tem muito futuro.
Ainda falta algum vinho no portfolio de Vega Sicilia?
Não podemos crescer mais nas nossas vinícolas. Ao todo, são 650 hectares, mas as nossas produções são baixas. Em cada lugar, temos de conseguir a produção ideal para o máximo de qualidade. Em Ribera, a legislação permite no máximo colher 7 mil quilos por hectare. Colhemos 3.500 quilos, 4.000 quilos no máximo. Outro dia um bodegueiro argentino me contou que colhia 30 mil quilos por hectare, uma coisa tremenda. Sonhar é um começo, mas gostaria de ter outra vinícola, na Espanha ou no exterior. Não tem nada definido.
O que te preocupa atualmente no mundo do vinho?
Quase tudo. A Espanha consome a metade do que consumia há 50 anos, mas nunca o mundo do vinho representou tanto. Exportamos para os mais diversos países. Hoje é difícil fazer um vinho ruim. Há um nível de vinhos muito alto. O marketing é importante, mas temos de trabalhar. Sempre digo que o melhor vinho está para fazer.
O que pode melhorar?
Trabalhamos muito nas vinhas. Há 10 anos somos orgânicos, só na Galícia (Rías Baixas) que não sei se será possível ser orgânico. Temos uma parcela de vinhedo de 130 anos, que é um jardim com 27 variedades diferentes. Fizemos um estudo com um ampelógrafo espanhol e curiosamente encontramos cepas em que o oídio [fungo que ataca o vinhedo] não afeta. Estamos estudando para saber o porque disso, para desenvolver uma defesa natural para as vinhas. Na Espanha, está na moda de recuperar vinhedos antigos. Não sei se são variedades que foram abandonadas porque não valia a pena, mas é certo que o cultivo é diferente.
Seriam mais interessantes que a tempranillo?
Difícil. A tempranillo é a grande variedade espanhola, que já demonstrou que é capaz de produzir muitos vinhos. É difícil encontrar uma variedade que seja melhor que a tinto fino [como a uva é chamada em Ribera del Duero]. Queremos também ter nossos próprios porta-enxertos, cultivados na própria Vega Sicilia e estamos trabalhando nisso. Temos a nossa própria levedura, para termos a nossa história. O mundo da vinha é infinito. O que mais nos chama atenção é como o tempo é absolutamente necessário, hoje parece que ninguém tem mais tempo.