O encontro da gastronomia com a sustentabilidade

Imitar produtos de carne seria a solução para a sustentabilidade?


Mesmo no Brasil, que tem mais de 200 variedades de feijão, por exemplo, a refeição vegetariana mais difusa é baseada em hambúrguer que emula a carne

Por Roberto Smeraldi
Atualização:

É fato. A maneira como produzimos carne é ainda em sua maioria insustentável, e seu consumo – em países como EUA ou Brasil – passa dos limites do saudável. Mas a solução pode depender de bases vegetais altamente processadas para imitação da carne moída, com expressivos impactos ambientais e de saúde em toda sua cadeia?

Há uns dias – naquele belo evento que é o Cozinha Tapajós – mergulhei nos detalhes de um ingrediente que abunda nos rios amazônicos, a majestosa vitória-régia. Junto com a dona Duce, exímia cozinheira local, desvendamos suas facetas ao montar um prato onde a planta aparece em cinco texturas diferentes: pétalas aveludadas, pipoca da semente, talo ao vapor, em picles e frito crocante. Temperamos com uma maionese de azeite de castanha e salpicamos por cima pólen de uruçu amarela.

X-salada feito com o futuro burguer 1.0: parece carne, mas é feito comproteínas de soja, de ervilha e de grão-de-bico. Foto: Gabriela Biló/Estadão
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A experiência me fez refletir sobre um paradoxo: apesar do crescente apelo contemporâneo do vegetarianismo, carecemos de uma nova geração de cozinheiros que se dedique a pesquisar e valorizar o ingrediente vegetal.

Vivemos no país que tem mais de 200 variedades de feijão e outras tantas de mandioca, onde milho e arroz foram domesticados há mais de 8 mil anos, onde mais de mil plantas alimentícias não convencionais foram classificadas... No país da taioba e da ora-pro-nóbis, da cambuquira e dos palmitos, das castanhas da Amazônia, de baru, de sapucaia ou de caju. Mas a refeição vegetariana mais difusa é baseada em... hambúrguer que imita carne.

Apenas num pequeno hambúrguer vegetal de 160 gramas, há 40% do sódio e 50% da gordura recomendados na alimentação de um dia inteiro. Para o produto ser competitivo, requer o uso de monocultivos de grande escala e o emprego de solventes como hexano, para separar e processar as proteínas dos vegetais.

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Nada contra o hambúrguer vegetal: há espaço para tudo, desde que sua pegada ambiental e de saúde seja transparente e assumida. Mas a realidade é que a indústria dos hiperprocessados não vai poder imitar texturas e sabores únicos de uma rabada, de uma costela, de uma bochecha, de um carpaccio, de uma fraldinha, de um presunto cru.

Por isso o desafio atual está em outros rumos, no campo e na cozinha. Comece-se por revolucionar a maneira como se faz pecuária, o que é possível e viável hoje. No Brasil já existe carne bovina com saldo próximo do zero na emissão de gases de efeito estufa, e toda nossa produção poderia caber em menos de um terço da área hoje utilizada. O poder público ainda está na contramão da inovação: há poucos dias, um produtor de carne sustentável chegou a ser multado pela defesa sanitária por ter dispensado a prática arcaica e cruel de marcar o animal a fogo, em prol de tecnologias de rastreabilidade.

Em segundo lugar, valorizar a diversidade de cortes e texturas nas carnes, levando o consumidor a comer menos e melhor. E finalmente, investir maciçamente na pesquisa e valorização dos produtos vegetais, o que implica exaltar sua identidade e diversidade, em vez de enxergá-los como bases anônimas para imitação de carne moída.

É fato. A maneira como produzimos carne é ainda em sua maioria insustentável, e seu consumo – em países como EUA ou Brasil – passa dos limites do saudável. Mas a solução pode depender de bases vegetais altamente processadas para imitação da carne moída, com expressivos impactos ambientais e de saúde em toda sua cadeia?

Há uns dias – naquele belo evento que é o Cozinha Tapajós – mergulhei nos detalhes de um ingrediente que abunda nos rios amazônicos, a majestosa vitória-régia. Junto com a dona Duce, exímia cozinheira local, desvendamos suas facetas ao montar um prato onde a planta aparece em cinco texturas diferentes: pétalas aveludadas, pipoca da semente, talo ao vapor, em picles e frito crocante. Temperamos com uma maionese de azeite de castanha e salpicamos por cima pólen de uruçu amarela.

X-salada feito com o futuro burguer 1.0: parece carne, mas é feito comproteínas de soja, de ervilha e de grão-de-bico. Foto: Gabriela Biló/Estadão

A experiência me fez refletir sobre um paradoxo: apesar do crescente apelo contemporâneo do vegetarianismo, carecemos de uma nova geração de cozinheiros que se dedique a pesquisar e valorizar o ingrediente vegetal.

Vivemos no país que tem mais de 200 variedades de feijão e outras tantas de mandioca, onde milho e arroz foram domesticados há mais de 8 mil anos, onde mais de mil plantas alimentícias não convencionais foram classificadas... No país da taioba e da ora-pro-nóbis, da cambuquira e dos palmitos, das castanhas da Amazônia, de baru, de sapucaia ou de caju. Mas a refeição vegetariana mais difusa é baseada em... hambúrguer que imita carne.

Apenas num pequeno hambúrguer vegetal de 160 gramas, há 40% do sódio e 50% da gordura recomendados na alimentação de um dia inteiro. Para o produto ser competitivo, requer o uso de monocultivos de grande escala e o emprego de solventes como hexano, para separar e processar as proteínas dos vegetais.

Nada contra o hambúrguer vegetal: há espaço para tudo, desde que sua pegada ambiental e de saúde seja transparente e assumida. Mas a realidade é que a indústria dos hiperprocessados não vai poder imitar texturas e sabores únicos de uma rabada, de uma costela, de uma bochecha, de um carpaccio, de uma fraldinha, de um presunto cru.

Por isso o desafio atual está em outros rumos, no campo e na cozinha. Comece-se por revolucionar a maneira como se faz pecuária, o que é possível e viável hoje. No Brasil já existe carne bovina com saldo próximo do zero na emissão de gases de efeito estufa, e toda nossa produção poderia caber em menos de um terço da área hoje utilizada. O poder público ainda está na contramão da inovação: há poucos dias, um produtor de carne sustentável chegou a ser multado pela defesa sanitária por ter dispensado a prática arcaica e cruel de marcar o animal a fogo, em prol de tecnologias de rastreabilidade.

Em segundo lugar, valorizar a diversidade de cortes e texturas nas carnes, levando o consumidor a comer menos e melhor. E finalmente, investir maciçamente na pesquisa e valorização dos produtos vegetais, o que implica exaltar sua identidade e diversidade, em vez de enxergá-los como bases anônimas para imitação de carne moída.

É fato. A maneira como produzimos carne é ainda em sua maioria insustentável, e seu consumo – em países como EUA ou Brasil – passa dos limites do saudável. Mas a solução pode depender de bases vegetais altamente processadas para imitação da carne moída, com expressivos impactos ambientais e de saúde em toda sua cadeia?

Há uns dias – naquele belo evento que é o Cozinha Tapajós – mergulhei nos detalhes de um ingrediente que abunda nos rios amazônicos, a majestosa vitória-régia. Junto com a dona Duce, exímia cozinheira local, desvendamos suas facetas ao montar um prato onde a planta aparece em cinco texturas diferentes: pétalas aveludadas, pipoca da semente, talo ao vapor, em picles e frito crocante. Temperamos com uma maionese de azeite de castanha e salpicamos por cima pólen de uruçu amarela.

X-salada feito com o futuro burguer 1.0: parece carne, mas é feito comproteínas de soja, de ervilha e de grão-de-bico. Foto: Gabriela Biló/Estadão

A experiência me fez refletir sobre um paradoxo: apesar do crescente apelo contemporâneo do vegetarianismo, carecemos de uma nova geração de cozinheiros que se dedique a pesquisar e valorizar o ingrediente vegetal.

Vivemos no país que tem mais de 200 variedades de feijão e outras tantas de mandioca, onde milho e arroz foram domesticados há mais de 8 mil anos, onde mais de mil plantas alimentícias não convencionais foram classificadas... No país da taioba e da ora-pro-nóbis, da cambuquira e dos palmitos, das castanhas da Amazônia, de baru, de sapucaia ou de caju. Mas a refeição vegetariana mais difusa é baseada em... hambúrguer que imita carne.

Apenas num pequeno hambúrguer vegetal de 160 gramas, há 40% do sódio e 50% da gordura recomendados na alimentação de um dia inteiro. Para o produto ser competitivo, requer o uso de monocultivos de grande escala e o emprego de solventes como hexano, para separar e processar as proteínas dos vegetais.

Nada contra o hambúrguer vegetal: há espaço para tudo, desde que sua pegada ambiental e de saúde seja transparente e assumida. Mas a realidade é que a indústria dos hiperprocessados não vai poder imitar texturas e sabores únicos de uma rabada, de uma costela, de uma bochecha, de um carpaccio, de uma fraldinha, de um presunto cru.

Por isso o desafio atual está em outros rumos, no campo e na cozinha. Comece-se por revolucionar a maneira como se faz pecuária, o que é possível e viável hoje. No Brasil já existe carne bovina com saldo próximo do zero na emissão de gases de efeito estufa, e toda nossa produção poderia caber em menos de um terço da área hoje utilizada. O poder público ainda está na contramão da inovação: há poucos dias, um produtor de carne sustentável chegou a ser multado pela defesa sanitária por ter dispensado a prática arcaica e cruel de marcar o animal a fogo, em prol de tecnologias de rastreabilidade.

Em segundo lugar, valorizar a diversidade de cortes e texturas nas carnes, levando o consumidor a comer menos e melhor. E finalmente, investir maciçamente na pesquisa e valorização dos produtos vegetais, o que implica exaltar sua identidade e diversidade, em vez de enxergá-los como bases anônimas para imitação de carne moída.

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