O encontro da gastronomia com a sustentabilidade

Não adianta chamar de burros cozinheiros que jogam comida fora


Regulação pública, principalmente a sanitária, torna pouco viável a otimização do alimento, desestimulando a economia, a criatividade e o avanço

Por Roberto Smeraldi

Vamos ser sinceros. Se não, jamais enfrentaremos de verdade o tema do desperdício, nas cozinhas e também nos outros eixos da cadeia da comida. Não adianta dizer aos cozinheiros que eles são burros porque jogam fora comida que poderiam aproveitar. Se isso mudasse alguma coisa, os relatórios da FAO e instituições diversas já teriam resolvido o problema, e a nova geração seria menos burra da nossa.

Nesses meses de covid-19 estamos todos mais atentos, na cozinha, a cada centavo. E olhem que eu sou dos mais obsessivos em buscar otimizar tudo. Mas tenho observado justamente as contas. E a primeira constatação é a seguinte: apesar dos aumentos nos custos dos ingredientes, ainda está mais caro formar, treinar e manter funcionários capazes efetivamente de racionalizar processos. O custo marginal de uma unidade adicional de ingrediente aproveitado tende a ser menor daquele de alguém capacitado para aproveitá-lo.

Apesar doalto custodos ingredientes, ainda é mais caro formar etreinar funcionários capazes de racionalizar processos. Foto: Nicole Craine/The New York Times
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Então podemos dizer aos cozinheiros que têm visão de curto prazo, que carecem em responsabilidade social, que são até preguiçosos na busca da melhora... mas a rigor eles não são burros.

E aí vem a segunda constatação, também muito omitida. Um dos principais fatores que contribuem a tornar pouco viável a otimização do alimento está paradoxalmente em regulação pública! Algo que deveria ser pautado pelo interesse coletivo, que deveria ter função de orientar a sociedade para racionalizar comportamentos, torna-se não apenas um desestímulo à economia da cadeia, mas também à criatividade e ao avanço.

A principal regulação que funciona assim é aquela sanitária. Um monumento à hipocrisia que gera malentendidos e sensações de falsa segurança, norteado pelo descarte como prática substitutiva de uma abordagem de efetivo conhecimento e acompanhamento do produto.

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Nutricionistasmandam nas cozinhas mais do que chefs e têm horror a maturar, fermentar, marinar, curar... Foto: Mary Turner/NYT

Um exército de auditores - muitas vezes formados como nutricionistas, portanto sem noção e experiência sobre segurança alimentar - mandam nas cozinhas mais do que os chefs. Pregam ambientes esterilizados, têm horror a maturar, fermentar, marinar, curar... enfim, tudo o que é bom. O resfriamento natural de um alimento é visto como ameaça. Abrir a embalagem de um queijo, constatar que está ótimo e embalar com nova e mais adequada data de validade é considerado crime.

Mas não é apenas a regulação sanitária que leva o cozinheiro - e em medida menor, o próprio consumidor final - a desperdiçar. Todo o sistema de licenças, alvarás, fiscalização parece desenhado para a ineficiência, ou melhor para impor deseconomias que favorecem grandes indústrias e pedágios de intermediários. Estou me dando conta nesses meses, com o boom do delivery, do verdadeiro caos que estamos gerando com as embalagens.

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E nos currículos dos cursos que o MEC aprova, e que pretensiosamente se autoapelidam de "gastronomia" (menos, menos, culinária já é mais do que vocês oferecem...), não encontro sequer uma linha sobre impacto concreto do trabalho na cozinha em mudança climática, poluição dos mares, contaminação de ecossistemas... ou seja, os fatores decisivos para ter acesso, ou não, a um alimento decente e viável.

Então, como diria Machado, aos governos ódio e compaixão, e ao cozinheiro, as batatas.

Vamos ser sinceros. Se não, jamais enfrentaremos de verdade o tema do desperdício, nas cozinhas e também nos outros eixos da cadeia da comida. Não adianta dizer aos cozinheiros que eles são burros porque jogam fora comida que poderiam aproveitar. Se isso mudasse alguma coisa, os relatórios da FAO e instituições diversas já teriam resolvido o problema, e a nova geração seria menos burra da nossa.

Nesses meses de covid-19 estamos todos mais atentos, na cozinha, a cada centavo. E olhem que eu sou dos mais obsessivos em buscar otimizar tudo. Mas tenho observado justamente as contas. E a primeira constatação é a seguinte: apesar dos aumentos nos custos dos ingredientes, ainda está mais caro formar, treinar e manter funcionários capazes efetivamente de racionalizar processos. O custo marginal de uma unidade adicional de ingrediente aproveitado tende a ser menor daquele de alguém capacitado para aproveitá-lo.

Apesar doalto custodos ingredientes, ainda é mais caro formar etreinar funcionários capazes de racionalizar processos. Foto: Nicole Craine/The New York Times

Então podemos dizer aos cozinheiros que têm visão de curto prazo, que carecem em responsabilidade social, que são até preguiçosos na busca da melhora... mas a rigor eles não são burros.

E aí vem a segunda constatação, também muito omitida. Um dos principais fatores que contribuem a tornar pouco viável a otimização do alimento está paradoxalmente em regulação pública! Algo que deveria ser pautado pelo interesse coletivo, que deveria ter função de orientar a sociedade para racionalizar comportamentos, torna-se não apenas um desestímulo à economia da cadeia, mas também à criatividade e ao avanço.

A principal regulação que funciona assim é aquela sanitária. Um monumento à hipocrisia que gera malentendidos e sensações de falsa segurança, norteado pelo descarte como prática substitutiva de uma abordagem de efetivo conhecimento e acompanhamento do produto.

Nutricionistasmandam nas cozinhas mais do que chefs e têm horror a maturar, fermentar, marinar, curar... Foto: Mary Turner/NYT

Um exército de auditores - muitas vezes formados como nutricionistas, portanto sem noção e experiência sobre segurança alimentar - mandam nas cozinhas mais do que os chefs. Pregam ambientes esterilizados, têm horror a maturar, fermentar, marinar, curar... enfim, tudo o que é bom. O resfriamento natural de um alimento é visto como ameaça. Abrir a embalagem de um queijo, constatar que está ótimo e embalar com nova e mais adequada data de validade é considerado crime.

Mas não é apenas a regulação sanitária que leva o cozinheiro - e em medida menor, o próprio consumidor final - a desperdiçar. Todo o sistema de licenças, alvarás, fiscalização parece desenhado para a ineficiência, ou melhor para impor deseconomias que favorecem grandes indústrias e pedágios de intermediários. Estou me dando conta nesses meses, com o boom do delivery, do verdadeiro caos que estamos gerando com as embalagens.

E nos currículos dos cursos que o MEC aprova, e que pretensiosamente se autoapelidam de "gastronomia" (menos, menos, culinária já é mais do que vocês oferecem...), não encontro sequer uma linha sobre impacto concreto do trabalho na cozinha em mudança climática, poluição dos mares, contaminação de ecossistemas... ou seja, os fatores decisivos para ter acesso, ou não, a um alimento decente e viável.

Então, como diria Machado, aos governos ódio e compaixão, e ao cozinheiro, as batatas.

Vamos ser sinceros. Se não, jamais enfrentaremos de verdade o tema do desperdício, nas cozinhas e também nos outros eixos da cadeia da comida. Não adianta dizer aos cozinheiros que eles são burros porque jogam fora comida que poderiam aproveitar. Se isso mudasse alguma coisa, os relatórios da FAO e instituições diversas já teriam resolvido o problema, e a nova geração seria menos burra da nossa.

Nesses meses de covid-19 estamos todos mais atentos, na cozinha, a cada centavo. E olhem que eu sou dos mais obsessivos em buscar otimizar tudo. Mas tenho observado justamente as contas. E a primeira constatação é a seguinte: apesar dos aumentos nos custos dos ingredientes, ainda está mais caro formar, treinar e manter funcionários capazes efetivamente de racionalizar processos. O custo marginal de uma unidade adicional de ingrediente aproveitado tende a ser menor daquele de alguém capacitado para aproveitá-lo.

Apesar doalto custodos ingredientes, ainda é mais caro formar etreinar funcionários capazes de racionalizar processos. Foto: Nicole Craine/The New York Times

Então podemos dizer aos cozinheiros que têm visão de curto prazo, que carecem em responsabilidade social, que são até preguiçosos na busca da melhora... mas a rigor eles não são burros.

E aí vem a segunda constatação, também muito omitida. Um dos principais fatores que contribuem a tornar pouco viável a otimização do alimento está paradoxalmente em regulação pública! Algo que deveria ser pautado pelo interesse coletivo, que deveria ter função de orientar a sociedade para racionalizar comportamentos, torna-se não apenas um desestímulo à economia da cadeia, mas também à criatividade e ao avanço.

A principal regulação que funciona assim é aquela sanitária. Um monumento à hipocrisia que gera malentendidos e sensações de falsa segurança, norteado pelo descarte como prática substitutiva de uma abordagem de efetivo conhecimento e acompanhamento do produto.

Nutricionistasmandam nas cozinhas mais do que chefs e têm horror a maturar, fermentar, marinar, curar... Foto: Mary Turner/NYT

Um exército de auditores - muitas vezes formados como nutricionistas, portanto sem noção e experiência sobre segurança alimentar - mandam nas cozinhas mais do que os chefs. Pregam ambientes esterilizados, têm horror a maturar, fermentar, marinar, curar... enfim, tudo o que é bom. O resfriamento natural de um alimento é visto como ameaça. Abrir a embalagem de um queijo, constatar que está ótimo e embalar com nova e mais adequada data de validade é considerado crime.

Mas não é apenas a regulação sanitária que leva o cozinheiro - e em medida menor, o próprio consumidor final - a desperdiçar. Todo o sistema de licenças, alvarás, fiscalização parece desenhado para a ineficiência, ou melhor para impor deseconomias que favorecem grandes indústrias e pedágios de intermediários. Estou me dando conta nesses meses, com o boom do delivery, do verdadeiro caos que estamos gerando com as embalagens.

E nos currículos dos cursos que o MEC aprova, e que pretensiosamente se autoapelidam de "gastronomia" (menos, menos, culinária já é mais do que vocês oferecem...), não encontro sequer uma linha sobre impacto concreto do trabalho na cozinha em mudança climática, poluição dos mares, contaminação de ecossistemas... ou seja, os fatores decisivos para ter acesso, ou não, a um alimento decente e viável.

Então, como diria Machado, aos governos ódio e compaixão, e ao cozinheiro, as batatas.

Vamos ser sinceros. Se não, jamais enfrentaremos de verdade o tema do desperdício, nas cozinhas e também nos outros eixos da cadeia da comida. Não adianta dizer aos cozinheiros que eles são burros porque jogam fora comida que poderiam aproveitar. Se isso mudasse alguma coisa, os relatórios da FAO e instituições diversas já teriam resolvido o problema, e a nova geração seria menos burra da nossa.

Nesses meses de covid-19 estamos todos mais atentos, na cozinha, a cada centavo. E olhem que eu sou dos mais obsessivos em buscar otimizar tudo. Mas tenho observado justamente as contas. E a primeira constatação é a seguinte: apesar dos aumentos nos custos dos ingredientes, ainda está mais caro formar, treinar e manter funcionários capazes efetivamente de racionalizar processos. O custo marginal de uma unidade adicional de ingrediente aproveitado tende a ser menor daquele de alguém capacitado para aproveitá-lo.

Apesar doalto custodos ingredientes, ainda é mais caro formar etreinar funcionários capazes de racionalizar processos. Foto: Nicole Craine/The New York Times

Então podemos dizer aos cozinheiros que têm visão de curto prazo, que carecem em responsabilidade social, que são até preguiçosos na busca da melhora... mas a rigor eles não são burros.

E aí vem a segunda constatação, também muito omitida. Um dos principais fatores que contribuem a tornar pouco viável a otimização do alimento está paradoxalmente em regulação pública! Algo que deveria ser pautado pelo interesse coletivo, que deveria ter função de orientar a sociedade para racionalizar comportamentos, torna-se não apenas um desestímulo à economia da cadeia, mas também à criatividade e ao avanço.

A principal regulação que funciona assim é aquela sanitária. Um monumento à hipocrisia que gera malentendidos e sensações de falsa segurança, norteado pelo descarte como prática substitutiva de uma abordagem de efetivo conhecimento e acompanhamento do produto.

Nutricionistasmandam nas cozinhas mais do que chefs e têm horror a maturar, fermentar, marinar, curar... Foto: Mary Turner/NYT

Um exército de auditores - muitas vezes formados como nutricionistas, portanto sem noção e experiência sobre segurança alimentar - mandam nas cozinhas mais do que os chefs. Pregam ambientes esterilizados, têm horror a maturar, fermentar, marinar, curar... enfim, tudo o que é bom. O resfriamento natural de um alimento é visto como ameaça. Abrir a embalagem de um queijo, constatar que está ótimo e embalar com nova e mais adequada data de validade é considerado crime.

Mas não é apenas a regulação sanitária que leva o cozinheiro - e em medida menor, o próprio consumidor final - a desperdiçar. Todo o sistema de licenças, alvarás, fiscalização parece desenhado para a ineficiência, ou melhor para impor deseconomias que favorecem grandes indústrias e pedágios de intermediários. Estou me dando conta nesses meses, com o boom do delivery, do verdadeiro caos que estamos gerando com as embalagens.

E nos currículos dos cursos que o MEC aprova, e que pretensiosamente se autoapelidam de "gastronomia" (menos, menos, culinária já é mais do que vocês oferecem...), não encontro sequer uma linha sobre impacto concreto do trabalho na cozinha em mudança climática, poluição dos mares, contaminação de ecossistemas... ou seja, os fatores decisivos para ter acesso, ou não, a um alimento decente e viável.

Então, como diria Machado, aos governos ódio e compaixão, e ao cozinheiro, as batatas.

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