O encontro da gastronomia com a sustentabilidade

O desmonte do saber culinário


Apelidar comida por um de seus nutrientes, como a carne de proteína, transformou-se num atentado à saúde, num desmonte do saber culinário e em indesejado prejuízo econômico para toda a cadeia

Por Roberto Smeraldi
Atualização:

A expressão chegou até às cozinhas. Um estagiário recém formado em "gastronomia" me perguntou: "chef, podemos mudar a proteína no almoço da turma?". Apelidar comida por um de seus nutrientes não é apenas um inócuo modismo. Transformou-se num atentado à saúde, num desmonte do saber culinário e, hoje, em indesejado e imprevisto prejuízo econômico para toda a cadeia.

É curioso como esse bumerangue tenha sido gestado – a partir do começo do século – pela própria indústria, que chegou a criar associações de produtores de proteína, no lugar de carnes. Era uma manobra reativa às críticas variadas que a forma de produzir carnes sofria. Falta de bem-estar animal, emissão de gases estufa, abuso de antibióticos: frente a essas e outras mazelas, a ideia dos marqueteiros foi a de mudar o nome do produto.

Não devemos transformar comida em ração; como carne para simplesmente uma proteína Foto: Adrew Scrivani
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Se o termo "carnes" estiver associado a atributos negativos, vamos pegar um atributo que o modismo considera positivo e adotá-lo para apelidar o produto? Pronto, proteína parecia atender perfeitamente essa função. E ainda estava alinhado com os preconceitos que quatro décadas de delírios nutricionistas haviam criado a respeito das gorduras animais. Investiram bilhões para firmar o novo termo com patrocínio de eventos, estudos, escolas e suposta ciência... assim como as indústrias de gorduras vegetais, refrigerantes e cereais matinais fizeram nos anos 60 e 70, criando as condições para a geração diabete-hipertensão.

Só que não pensaram nos detalhes. O primeiro é que as carnes não são muito competitivas como provedoras de proteína quanto são em outros nutrientes, como certos minerais e vitaminas, o que desmerece o próprio produto. O segundo é que na maioria das carnes o teor de gordura é muito superior ao da proteína, e estava assim se desvalorizando o nutriente principal em prol de um coadjuvante. O terceiro é que, em termos qualitativos, a gordura é o que mais define gosto, textura e qualidade das carnes.

No meu tempo, era praxe mostrar aos alunos o experimento clássico: assar um pedaço de carne bovina magra com gordura de pato, para mostrar que o resultado seria percebido, por quem degustasse, como carne de pato.

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Mas o pior estava por vir. Com a chegada das tecnologias de fermentação de precisão, reprodução celular, síntese de proteínas vegetais...que barateiam e trivializam a produção de proteína a partir de qualquer material – inclusive lixo – ao ser rebaixada para mera "proteína" a carne perde o único diferencial que não se consegue imitar dela, o da textura sólida, que é onde se aplica a técnica culinária.

Ao transformar a comida em ração se ameaça – além da verdade – a cultura, a necessidade de dietas equilibradas, a formação profissional dos cozinheiros e - inesperadamente - o próprio negócio dos produtores de carne, pois se a questão for apenas produzir proteínas, há formas mais eficientes e baratas de fazer isso. Mais ainda quando se deprecia a gordura animal para usos não-alimentícios. Até porque a principal fonte de proteína daquele almoço da turma é até hoje... o feijão.

A expressão chegou até às cozinhas. Um estagiário recém formado em "gastronomia" me perguntou: "chef, podemos mudar a proteína no almoço da turma?". Apelidar comida por um de seus nutrientes não é apenas um inócuo modismo. Transformou-se num atentado à saúde, num desmonte do saber culinário e, hoje, em indesejado e imprevisto prejuízo econômico para toda a cadeia.

É curioso como esse bumerangue tenha sido gestado – a partir do começo do século – pela própria indústria, que chegou a criar associações de produtores de proteína, no lugar de carnes. Era uma manobra reativa às críticas variadas que a forma de produzir carnes sofria. Falta de bem-estar animal, emissão de gases estufa, abuso de antibióticos: frente a essas e outras mazelas, a ideia dos marqueteiros foi a de mudar o nome do produto.

Não devemos transformar comida em ração; como carne para simplesmente uma proteína Foto: Adrew Scrivani

Se o termo "carnes" estiver associado a atributos negativos, vamos pegar um atributo que o modismo considera positivo e adotá-lo para apelidar o produto? Pronto, proteína parecia atender perfeitamente essa função. E ainda estava alinhado com os preconceitos que quatro décadas de delírios nutricionistas haviam criado a respeito das gorduras animais. Investiram bilhões para firmar o novo termo com patrocínio de eventos, estudos, escolas e suposta ciência... assim como as indústrias de gorduras vegetais, refrigerantes e cereais matinais fizeram nos anos 60 e 70, criando as condições para a geração diabete-hipertensão.

Só que não pensaram nos detalhes. O primeiro é que as carnes não são muito competitivas como provedoras de proteína quanto são em outros nutrientes, como certos minerais e vitaminas, o que desmerece o próprio produto. O segundo é que na maioria das carnes o teor de gordura é muito superior ao da proteína, e estava assim se desvalorizando o nutriente principal em prol de um coadjuvante. O terceiro é que, em termos qualitativos, a gordura é o que mais define gosto, textura e qualidade das carnes.

No meu tempo, era praxe mostrar aos alunos o experimento clássico: assar um pedaço de carne bovina magra com gordura de pato, para mostrar que o resultado seria percebido, por quem degustasse, como carne de pato.

Mas o pior estava por vir. Com a chegada das tecnologias de fermentação de precisão, reprodução celular, síntese de proteínas vegetais...que barateiam e trivializam a produção de proteína a partir de qualquer material – inclusive lixo – ao ser rebaixada para mera "proteína" a carne perde o único diferencial que não se consegue imitar dela, o da textura sólida, que é onde se aplica a técnica culinária.

Ao transformar a comida em ração se ameaça – além da verdade – a cultura, a necessidade de dietas equilibradas, a formação profissional dos cozinheiros e - inesperadamente - o próprio negócio dos produtores de carne, pois se a questão for apenas produzir proteínas, há formas mais eficientes e baratas de fazer isso. Mais ainda quando se deprecia a gordura animal para usos não-alimentícios. Até porque a principal fonte de proteína daquele almoço da turma é até hoje... o feijão.

A expressão chegou até às cozinhas. Um estagiário recém formado em "gastronomia" me perguntou: "chef, podemos mudar a proteína no almoço da turma?". Apelidar comida por um de seus nutrientes não é apenas um inócuo modismo. Transformou-se num atentado à saúde, num desmonte do saber culinário e, hoje, em indesejado e imprevisto prejuízo econômico para toda a cadeia.

É curioso como esse bumerangue tenha sido gestado – a partir do começo do século – pela própria indústria, que chegou a criar associações de produtores de proteína, no lugar de carnes. Era uma manobra reativa às críticas variadas que a forma de produzir carnes sofria. Falta de bem-estar animal, emissão de gases estufa, abuso de antibióticos: frente a essas e outras mazelas, a ideia dos marqueteiros foi a de mudar o nome do produto.

Não devemos transformar comida em ração; como carne para simplesmente uma proteína Foto: Adrew Scrivani

Se o termo "carnes" estiver associado a atributos negativos, vamos pegar um atributo que o modismo considera positivo e adotá-lo para apelidar o produto? Pronto, proteína parecia atender perfeitamente essa função. E ainda estava alinhado com os preconceitos que quatro décadas de delírios nutricionistas haviam criado a respeito das gorduras animais. Investiram bilhões para firmar o novo termo com patrocínio de eventos, estudos, escolas e suposta ciência... assim como as indústrias de gorduras vegetais, refrigerantes e cereais matinais fizeram nos anos 60 e 70, criando as condições para a geração diabete-hipertensão.

Só que não pensaram nos detalhes. O primeiro é que as carnes não são muito competitivas como provedoras de proteína quanto são em outros nutrientes, como certos minerais e vitaminas, o que desmerece o próprio produto. O segundo é que na maioria das carnes o teor de gordura é muito superior ao da proteína, e estava assim se desvalorizando o nutriente principal em prol de um coadjuvante. O terceiro é que, em termos qualitativos, a gordura é o que mais define gosto, textura e qualidade das carnes.

No meu tempo, era praxe mostrar aos alunos o experimento clássico: assar um pedaço de carne bovina magra com gordura de pato, para mostrar que o resultado seria percebido, por quem degustasse, como carne de pato.

Mas o pior estava por vir. Com a chegada das tecnologias de fermentação de precisão, reprodução celular, síntese de proteínas vegetais...que barateiam e trivializam a produção de proteína a partir de qualquer material – inclusive lixo – ao ser rebaixada para mera "proteína" a carne perde o único diferencial que não se consegue imitar dela, o da textura sólida, que é onde se aplica a técnica culinária.

Ao transformar a comida em ração se ameaça – além da verdade – a cultura, a necessidade de dietas equilibradas, a formação profissional dos cozinheiros e - inesperadamente - o próprio negócio dos produtores de carne, pois se a questão for apenas produzir proteínas, há formas mais eficientes e baratas de fazer isso. Mais ainda quando se deprecia a gordura animal para usos não-alimentícios. Até porque a principal fonte de proteína daquele almoço da turma é até hoje... o feijão.

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