Eu comia sadio e não sabia o porquê. Comia assim porque gostava, apenas. Mas novas fronteiras da ciência da nutrição e da neurociência revelam hoje que uma dieta bem variada, a partir de uma cozinha de mercado - como diria Bocuse – é grande aliada da saúde física e psíquica.
Desde a década passada sabemos que a microbiota intestinal tem influência decisiva sobre inúmeras funções vitais, tais como processar nutrientes, eliminar toxinas, desenvolver vitaminas, treinar sistema imunitário etc. E que seu empobrecimento contribui, aliado a características do nosso genoma, para distúrbios e doenças mais variados, desde problemas mentais a câncer, desde alergias a Alzheimer, desde insônia a ansiedade. A diferença é que pouco podemos fazer com nosso genoma, enquanto podemos interferir bastante com nosso intestino.
A microbiota intestinal é um ecossistema complexo - contendo 100 trilhões de batérias, fungos, leveduras, viruses e protozoários – e chega a pesar até dois kg. em cada indivíduo, mais do que o cérebro. Podemos enriquecê-la de três formas: a mais rápida é com a inserção de um sistema pronto, ou seja o transplante fecal, técnica que ganhou holofotes recentes. Mas seus efeitos têm duração limitada. Outro instrumento é a ingestão de pró-bióticos: o mercado de suplementos com essa função – de acordo com a Global Market Insights – tem crescimento de 7% (9% na América Latina) ao ano e deve passar dos R$ 200 bilhões em 2023. É eficaz mas consegue promover apenas algumas batérias. A alternativa que se firma hoje é a dos pré-bióticos, carboidratos complexos que não conseguimos digerir – como se fossem fibras - mas que, em compensação, nutrem as batérias.
A evolução da ciência, nessa seara, é tão recente quanto rápida, quase diária: a colunista Amy Fleming, do The Guardian, mapeou nada menos do que sete importantes estudos apenas nas últimas cinco semanas:desde o impacto do chá preto como pré-biótico no controle de obesidade até aquele da biodiversidade intestinal na efetividade da imunoterapia para redução de tumores . O assunto tornou-se também destaque na principal conferência mundial de neurocientistas, na semana passada, em Washington. E na semana que vem a editora da National Geographic lança o livro “A Revolução Psicobiótica – Comida e a Nova Ciência da Relação Intestino-Cérebro”.
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Na atual conjuntura de proliferação de pós-verdades, podem surgir crenças ilusórias em dietas ou ingredientes milagrosos para alimentar sua microbiota. Mas a ciência traz um entendimento muito interessante: são inúmeros os ingredientes com boa contribuição pré-biótica, de alho e cebola até aspargos e alcachofras, de cacau e banana até trigo e cevada, de feijão e lentilha... enfim,o que garante a boa função pré-biótica não é isoladamente nenhum deles, e sim a rotação de todos eles.
Emma Beckett, nutricionista molecular da Universidade de Newcastle, encoraja a diversidade, evitando hábitos como o de comer sempre a mesma fruta. O impacto positivo nas boas bactérias se dá com a variedade, por exemplo sazonal, o que aumenta também a participação de ingredientes frescos. Complementar pré-bióticos com pró-bióticos - o que inclui todo o leque de alimentos fermentados – também enriquece o microbioma. Já Philip Burnett, do departamento de psiquiatria da Universidade de Oxford, estuda a relação da microbiota com a depressão, e afirma que nada é mais efetivo de uma dieta variada. Opa, vamos à feira?