O encontro da gastronomia com a sustentabilidade

Por mais diversidade de boas gorduras


Na década passada, a ciência da alimentação abandonou a crença de que elas faziam mal. Mas a culinária contemporânea demora para acompanhar as novas fronteiras do conhecimento

Por Roberto Smeraldi
Atualização:

O teste é um clássico das escolas de cozinhas: refoga-se um corte magro de boi ou frango na gordura de pato. Ao degustar, a percepção geral é a de ter comido pato. Além de aprender um pequeno truque, é assim que o futuro chef compreende a função das gorduras como vetores do sabor. Na década passada, a ciência da alimentação passou por sua mais radical revisão: abandonou a principal crença que a dominara ao longo de 30 anos – de que uma dieta saudável requer uma ingestão mínima de gorduras, principalmente as saturadas de origem animal – e, em grande medida, a reverteu. Mas a culinária contemporânea, embora ávida por novidades, demora para acompanhar as novas fronteiras do conhecimento. Mesmo ciente da necessidade de equilibrar as dietas com mais gordura, e com mais diversidade de boas gorduras, a turma da cozinha patina no desafio.

A manteiga de cupuaçu é um exemplo de boa gordura Foto: Tiago Queiroz|Estadão

Para variar, é um desafio que o Brasil poderia liderar. Por um lado, no que diz respeito às gorduras de origem animal, seria a oportunidade de valorizar e otimizar a realidade de já ser potência nas cadeias das carnes. Só no setor bovino subutilizam-se – destinando a sebo ou até jogando no lixo – cerca de 5 milhões de toneladas por ano da matéria-prima ideal para uma fritura perfeita e saudável. O produto nem sequer está presente no mercado nacional: a não ser que você derreta e filtre sua própria gordura bovina em casa, terá de ir até a Bélgica ou a França para degustar uma batatinha impecável, dourada no blanc de boeuf em alta temperatura. Já com a banha suína poderia se realizar uma revolução de qualidade na confeitaria, assim como em toda a área de massas para tortas, salgados e snacks. E superar assim o mito de que seria preciso trocar crocância e frescor prolongado por problemas vasculares, principalmente entre consumidores mais pobres. Tais mudanças culturais devem se firmar nas cozinhas dos bons restaurantes e nos programas de TV, para criar hábitos no consumo das famílias: um ganha-ganha para o cozinheiro, que pode inovar e ao mesmo tempo protagonizar uma ação social. Já no caso das gorduras vegetais, parece que há aquela preguiça da abundância, pois temos tudo para desenvolver produtos e cultura de uso, seja em nichos especializados, seja no consumo de massa. O País inteiro vive um festival de oleaginosas a cada estação do ano. Não falta produto, e sim cultura de uso ou de processamento, com tecnologias de extração a frio e filtragem correta. Ninguém estima o enorme volume de patauá ou de bacaba que se concentram ao longo de rios e igarapés amazônicos, oferecendo óleos finos especiais que seriam bem-vindos no mundo inteiro. Poucos vislumbram a personalidade que podem ganhar pescados e vegetais com as manteigas de cacau ou de cupuaçu. E só quem não comeu uma maionese de azeite de castanha pode insistir em emulsionar esse molho clássico com qualquer outra gordura. Sem esquecer que hoje até começamos a ter algumas primorosas experiências com a oliveira. Se por um lado o pequi, ou o tucumã, são óleos de terroir que podem ser usados em gotas, quase como essências, para um toque especial em arrozes, omeletes ou molhos, por outro amendoim, algodão ou palma – com a tecnologia atual – podem oferecer mais produtos versáteis e equilibrados para a indústria do alimento mundo afora, inclusive a partir de modelos de produção sustentável que aqui tiveram seus laboratórios iniciais. E cada prato, com sua gordura.  

O teste é um clássico das escolas de cozinhas: refoga-se um corte magro de boi ou frango na gordura de pato. Ao degustar, a percepção geral é a de ter comido pato. Além de aprender um pequeno truque, é assim que o futuro chef compreende a função das gorduras como vetores do sabor. Na década passada, a ciência da alimentação passou por sua mais radical revisão: abandonou a principal crença que a dominara ao longo de 30 anos – de que uma dieta saudável requer uma ingestão mínima de gorduras, principalmente as saturadas de origem animal – e, em grande medida, a reverteu. Mas a culinária contemporânea, embora ávida por novidades, demora para acompanhar as novas fronteiras do conhecimento. Mesmo ciente da necessidade de equilibrar as dietas com mais gordura, e com mais diversidade de boas gorduras, a turma da cozinha patina no desafio.

A manteiga de cupuaçu é um exemplo de boa gordura Foto: Tiago Queiroz|Estadão

Para variar, é um desafio que o Brasil poderia liderar. Por um lado, no que diz respeito às gorduras de origem animal, seria a oportunidade de valorizar e otimizar a realidade de já ser potência nas cadeias das carnes. Só no setor bovino subutilizam-se – destinando a sebo ou até jogando no lixo – cerca de 5 milhões de toneladas por ano da matéria-prima ideal para uma fritura perfeita e saudável. O produto nem sequer está presente no mercado nacional: a não ser que você derreta e filtre sua própria gordura bovina em casa, terá de ir até a Bélgica ou a França para degustar uma batatinha impecável, dourada no blanc de boeuf em alta temperatura. Já com a banha suína poderia se realizar uma revolução de qualidade na confeitaria, assim como em toda a área de massas para tortas, salgados e snacks. E superar assim o mito de que seria preciso trocar crocância e frescor prolongado por problemas vasculares, principalmente entre consumidores mais pobres. Tais mudanças culturais devem se firmar nas cozinhas dos bons restaurantes e nos programas de TV, para criar hábitos no consumo das famílias: um ganha-ganha para o cozinheiro, que pode inovar e ao mesmo tempo protagonizar uma ação social. Já no caso das gorduras vegetais, parece que há aquela preguiça da abundância, pois temos tudo para desenvolver produtos e cultura de uso, seja em nichos especializados, seja no consumo de massa. O País inteiro vive um festival de oleaginosas a cada estação do ano. Não falta produto, e sim cultura de uso ou de processamento, com tecnologias de extração a frio e filtragem correta. Ninguém estima o enorme volume de patauá ou de bacaba que se concentram ao longo de rios e igarapés amazônicos, oferecendo óleos finos especiais que seriam bem-vindos no mundo inteiro. Poucos vislumbram a personalidade que podem ganhar pescados e vegetais com as manteigas de cacau ou de cupuaçu. E só quem não comeu uma maionese de azeite de castanha pode insistir em emulsionar esse molho clássico com qualquer outra gordura. Sem esquecer que hoje até começamos a ter algumas primorosas experiências com a oliveira. Se por um lado o pequi, ou o tucumã, são óleos de terroir que podem ser usados em gotas, quase como essências, para um toque especial em arrozes, omeletes ou molhos, por outro amendoim, algodão ou palma – com a tecnologia atual – podem oferecer mais produtos versáteis e equilibrados para a indústria do alimento mundo afora, inclusive a partir de modelos de produção sustentável que aqui tiveram seus laboratórios iniciais. E cada prato, com sua gordura.  

O teste é um clássico das escolas de cozinhas: refoga-se um corte magro de boi ou frango na gordura de pato. Ao degustar, a percepção geral é a de ter comido pato. Além de aprender um pequeno truque, é assim que o futuro chef compreende a função das gorduras como vetores do sabor. Na década passada, a ciência da alimentação passou por sua mais radical revisão: abandonou a principal crença que a dominara ao longo de 30 anos – de que uma dieta saudável requer uma ingestão mínima de gorduras, principalmente as saturadas de origem animal – e, em grande medida, a reverteu. Mas a culinária contemporânea, embora ávida por novidades, demora para acompanhar as novas fronteiras do conhecimento. Mesmo ciente da necessidade de equilibrar as dietas com mais gordura, e com mais diversidade de boas gorduras, a turma da cozinha patina no desafio.

A manteiga de cupuaçu é um exemplo de boa gordura Foto: Tiago Queiroz|Estadão

Para variar, é um desafio que o Brasil poderia liderar. Por um lado, no que diz respeito às gorduras de origem animal, seria a oportunidade de valorizar e otimizar a realidade de já ser potência nas cadeias das carnes. Só no setor bovino subutilizam-se – destinando a sebo ou até jogando no lixo – cerca de 5 milhões de toneladas por ano da matéria-prima ideal para uma fritura perfeita e saudável. O produto nem sequer está presente no mercado nacional: a não ser que você derreta e filtre sua própria gordura bovina em casa, terá de ir até a Bélgica ou a França para degustar uma batatinha impecável, dourada no blanc de boeuf em alta temperatura. Já com a banha suína poderia se realizar uma revolução de qualidade na confeitaria, assim como em toda a área de massas para tortas, salgados e snacks. E superar assim o mito de que seria preciso trocar crocância e frescor prolongado por problemas vasculares, principalmente entre consumidores mais pobres. Tais mudanças culturais devem se firmar nas cozinhas dos bons restaurantes e nos programas de TV, para criar hábitos no consumo das famílias: um ganha-ganha para o cozinheiro, que pode inovar e ao mesmo tempo protagonizar uma ação social. Já no caso das gorduras vegetais, parece que há aquela preguiça da abundância, pois temos tudo para desenvolver produtos e cultura de uso, seja em nichos especializados, seja no consumo de massa. O País inteiro vive um festival de oleaginosas a cada estação do ano. Não falta produto, e sim cultura de uso ou de processamento, com tecnologias de extração a frio e filtragem correta. Ninguém estima o enorme volume de patauá ou de bacaba que se concentram ao longo de rios e igarapés amazônicos, oferecendo óleos finos especiais que seriam bem-vindos no mundo inteiro. Poucos vislumbram a personalidade que podem ganhar pescados e vegetais com as manteigas de cacau ou de cupuaçu. E só quem não comeu uma maionese de azeite de castanha pode insistir em emulsionar esse molho clássico com qualquer outra gordura. Sem esquecer que hoje até começamos a ter algumas primorosas experiências com a oliveira. Se por um lado o pequi, ou o tucumã, são óleos de terroir que podem ser usados em gotas, quase como essências, para um toque especial em arrozes, omeletes ou molhos, por outro amendoim, algodão ou palma – com a tecnologia atual – podem oferecer mais produtos versáteis e equilibrados para a indústria do alimento mundo afora, inclusive a partir de modelos de produção sustentável que aqui tiveram seus laboratórios iniciais. E cada prato, com sua gordura.  

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