Rafa Costa e Silva: ‘Se você quer um jantar romântico, o Lasai novo não é o lugar’


Terceira casa carioca a conquistar a segunda Estrela Michelin saiu de 45 para dez lugares, todos de frente para o chef. Ou seja, privacidade zero

Por Bruno Calixto
Atualização:

Duas estrelas Michelin quer dizer “uma cozinha excelente”. Jantar no Lasai, que tem apenas dez assentos, é como estar diante de um espetáculo, da primeira fila. A cozinha, silenciosa no início, torna-se vibrante à medida que começam a trabalhar, criando interações constantes entre o chef Rafa Costa e Silva e os comensais. O menu degustação surpresa, próprio de uma cozinha moderna, começa com diversos aperitivos e destaca-se por seus pratos de vegetais (cozidos com perfeição em base a produtos ecológicos sazonais de suas hortas em Itanhangá e Vale das Videiras) e tem a opção de ser desfrutado com uma fantástica harmonização de vinhos. E o que significa Lasai? Significa “tranquilo” em euskera e faz alusão ao período de formação que o chef passou no premiado Mugaritz (Errenteria, Espanha). É preciso fazer reserva (um mês de antecedência) e ser pontual, pois todos os clientes começam a experimentar ao mesmo tempo. Uma cozinha de excelência comandada por Rafa Costa e Silva, chef carioca que liderou uma revolução culinária tão ousada que a gastronomia praticada em outras casas no Rio de repente pareceu artificial, presa entre tabletes de manteiga e creme.

Em uma década de Lasai, foi ali que, como ele diz, aprendeu o que não fazer. Uma joia gastronômica tão procurada que depois de nove anos com uma estrela Michelin, ganhou a segunda este ano. O dono do 58º melhor restaurante do mundo no 50 Best estendido recebeu, na segunda-feira (10), a medalha Pedro Ernesto na Câmara dos Vereadores do Rio, honraria concedida a quem se destaca na sociedade brasileira ou internacional. O carioca do ano na gastronomia conversou com o Paladar num café em frente ao antigo Lasai, onde ele falou sobre o sabor por trás do conceito, sua ousadia e inteligência, além destes dez de casa, cujo nome quer dizer calma em euskera, idioma do País Basco, onde ele atuou por cinco anos.

Depois da estrela Michelin, o que você pretende fazer?

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“Eu sei o que eu não pretendo fazer. É óbvio que quem se propõe a fazer um serviço de excelência, quem se propõe a fazer um restaurante legal que possa ter orgulho, quer algo assim. Se falar que não quer estar na guia, tá mentindo. Se falar que não quer ter estrela, tá mentindo mais ainda. Se falar que não quer ter duas, também está mentindo. Se falar que não quer três, também está mentindo. Assim, não é uma coisa que nos pauta, não direciona nosso trabalho.”

Qual é a essência do Lasai?

“O que a gente acredita, sem fugir do que a gente realmente quer fazer. Saltar de duas para três estrelas, eu acho que o caminho mais curto, o atalho para gente seria começar a usar ingredientes que a gente poderia usar e, na grande maioria da opinião pública e até dos clientes, talvez faria a gente mudar de patamar, que seria começar a usar trufa de Alba que me oferecem toda semana. Ou então a usar caviar caro, começar a usar wagyu do Japão. Isso para gente seria cortar caminho, vamos dizer, pra gente ganhar a terceira estrela. Mas a gente estaria fazendo uma coisa que não acredita, que foge da nossa essência total. Então, assim, acho que a gente quer melhorar, ser melhor do que a gente era, mas sem nunca fugir da nossa essência e nunca adaptar alguma coisa que a gente não acredita para ser melhor.

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Em dez anos de Rio, eu vi o Lasai liderar uma revolução culinária ousada. Que lugar tem a tradicional e clássica combinação manteiga e creme nesse trabalho?”

A gente usa pouca manteiga. A gente usa muito mais azeite de oliva. Azeite de oliva brasileiro, claro. Mas a manteiga tem seu lugar. Acho que não é o protagonista, como pode ser em vários restaurantes, nada contra. Eu adoro manteiga e creme. Na minha casa, eu e o meu filhinho quase todos os dias comemos um pão na chapa com manteiga. Mas o nosso trabalho, o que a gente quer passar é para que as pessoas conheçam o real valor e o real sabor dos ingredientes. Eu acho que manteiga e creme muitas vezes disfarçam esse sabor, faz ficar mais gostoso, vamos dizer assim. Realmente, o creme e a manteiga te abraçam, é um negócio gostoso, é bom na boca e tal. E a nossa ideia é tentar fazer isso de uma forma mais limpa, não só para o saudável, mas fazer uma coisa mais limpa para que a gente possa realmente chegar no verdadeiro sabor dos ingredientes.

O que entrou para a cozinha do Lasai e nunca mais saiu? Qual o ajuste da casa?

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“Todos os pratos que a gente faz no Lasai, seja um aperitivo, a gente termina com flor de sal, porque para mim isso é como se fosse uma manteiga. E a flor de sal de Mossoró, do Rio Grande do Norte, flor de sal nacional, não sal de fora, uma flor de sal nacional excepcional, nível mundial, e que para mim transforma muito o sabor dos pratos, ou transforma o sabor dos produtos, dá uma opção.”

O que não deu certo nestes dez anos?

“Quando a gente mudou do Lasai grande para o Lasai pequeno, eu estava um pouco perdido na verdade mentalmente e comecei a fazer atalhos que eu nunca na minha vida imaginei que ia fazer, que nunca tinha feito no grande. A gente comprou bluefin da Espanha, a gente comprou Ikura do Japão. Então, assim, teve coisa que a gente no começo, lá no começo da mesa do novo, a gente usou. Isso é uma produção excepcional, eu amo. Eu gosto muito, eu morei na Espanha e comia atum bluefin da Espanha toda semana. Mas estava totalmente fugindo da nossa ciência, talvez com uma pressão que eu acabei caindo e tal, todo mundo perguntando o que que vai ser que eu me senti naquela pressão de colocar produtos mais prêmios e tal, e aí as questões de um ano ou talvez um ano e meio eu falei pro Vini, que é um garoto que trabalha comigo há oito anos, que é o chefe de cozinha, a gente não vai usar mais nada disso, corta, vamos voltar ao que a gente fazia antes, não quero mais curar, não quero mais ver bluefin, não quero mais nada disso. E hoje no menu a gente não tem. Não tem absolutamente nada que seja de fora do Brasil.”

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Mas em algum momento lhe pareceu muito mais um conceito do que uma medida de corte?

“Foi mais um conceito de não, de fincar bem as raízes e não dar o braço a torcer, vamos dizer assim, para a pressão que vem de fora. Aí para quem vem de fora em busca de entrecôte de cogumelos, não vai encontrar lá. Encontra porco, chuchu, brócolis, taioba, xeneleite, crocão de linhaça, batata e compre.”

E foi aí que as reservas passaram a se esgotar?

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“Então, é engraçado, eu nunca tive assessoria, nem nunca tive ninguém falando meu nome, nem tive nenhum incentivo assim de fora, de pessoas falando, chamando gente e tal, a gente nunca teve isso. A gente começou a obra do restaurante em 2012 e abriu em 2014 e, eu acho que muitos cozinheiros aqui no Brasil me conheciam porque eu fui chefe de cozinha do Mugaritz durante muitos anos, mas eu nunca tinha trabalhado em restaurante no Brasil, então muitos cozinheiros do Brasil, Ivan Ralston, Thiago Castanho, Rodrigo do Mocotó, Alex Atala, todos esses eu nunca conheci aqui no Brasil, eu conheci quando eles foram lá. Eles foram lá no restaurante, comiam e aí eu era o chefe de cozinha, acabava falando com eles. Enfim, lá teve uma ação, Sebastián Gastronômico, que é um congresso que tem lá, e o tema foi Brasil. E eu lembro que foi muito brasileiro para lá. Todos eles foram para o primeiro lugar, e eu estava lá. Então, eu acabei conhecendo essas pessoas assim, por uma casa, na verdade. E aí, quando a gente voltou para abrir aqui, eu não sei por que, não me pergunte por que, porque eu não sei se gerou uma expectativa muito grande quanto ao nosso restaurante, quanto à abertura do nosso restaurante. As pessoas falavam muito. Eu acho que porque os cozinheiros acabaram falando, acabaram falando para os clientes. Então, quando a gente abriu em 2014, a (jornalista) Ana Cristina Reis fez uma reportagem de capa, quando o Ela Gourmet ainda era impresso, e garantiu o aluguel inteiro. Eram três ou quatro páginas falando da gente. Aí eu não sei se foi isso, eu não sei se foi a expectativa, mas quando eu abri em 2014 a gente ficou lotado por dois anos. Dois anos. Não tinha lugar. Uma casa de 45 lugares. Para ser sincero, tiveram duas ou três vezes que o restaurante ficou vazio. De resto, sempre lotado. Sempre cheio, muito cheio. Talvez não lotado todos os dias, mas muito cheio. E aí quando a gente mudou uma casa menor, de dez lugares, ficou ainda mais difícil conseguir reserva.”

Mas qual foi a primeira impressão que você quis causar?

“Uma cozinha que fugisse um pouco do estereótipo de cozinha brasileira, de todo o Brasil, eu quis fazer comida carioca e não brasileira, porque brasileiro tem o Alex Atala, que faz isso como ninguém, excepcionalmente, mas ele usa tambaqui da Amazônia, usa chocolate da Bahia, eu quis fazer uma cozinha carioca com produtos do Rio de Janeiro e foi aí que eu comecei a conhecer muito as feiras cariocas, eu me encantei com os produtos que eles tinham, tanto pelo frescor quanto pela variedade. Xuxu você não acha na Espanha, machiche como no Brasil você não acha na Espanha também. A gente gerou essa curiosidade, essa expectativa.”

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O que muda quando você para de cozinhar para 45 e passa a cozinhar para dez? Por que isso?

“Para que a gente pudesse fazer as coisas com mais precisão. É muito diferente quando você está sentado num restaurante com salão e cozinha separados. A comida sai da cozinha para uma mesa de apoio e só depois chega à mesa. A pessoa está conversando, tomando um vinho, demora cinco, dez minutos para começar a comer. Isso é muito diferente de servir Não é só a comida, mas também a companhia, o ambiente. Estão assistindo a gente fazer as coisas. Se você quer um jantar romântico, o Lasai novo não é o lugar. A pessoa ao lado está escutando sua conversa. O menu começa pelos aperitivos, para comer com a mão, aipim com siri azul, por exemplo.”

Qual a sensação de estar mais perto do comensal?

“Num japonês muito bom, o cara quer que você sinta a diferença do arroz morno para o peixe frio, e que você não pode demorar para comer. A gente segue muito essa linha só com produtos brasileiros, basicamente cariocas, coisas que vêm daqui, a gente consegue fazer para dez, é muito diferente fazer para 45.”

Mudou muita coisa em sua vida fora do restaurante?

“Uma mudança de vida, antes eu ficava 24 horas por dia no restaurante. Porque preparar um menu de 14 etapas para 45 pessoas é massivo. A gente já chegou a ter 17 cozinheiras, uma loucura. Também foi uma mudança de vida também para as pessoas que trabalham, ficaram mais próximas de tudo.”

Em que aspecto a culinária clássica parece sem gás? O que não fazer, por exemplo, que você tenha aprendido nestes dez anos?

Hoje em dia eu vejo uns pratos que a gente fez em 2014, 2015, e eu fico com vergonha. Eu passava sufoco todo dia na cozinha, quase chorar. Nossos pratos hoje em dia são tão melhores, com menos sufoco. Mais maduros.

Posso dizer, pelas duas vezes em que me sentei diante de você no Lasai, que percebi uma conjuração de fusões e leveza, essência arejada de molhos. Sua cozinha está mais para a espuma de beterraba de Ferran Adrià do que para o velouté de Alain Ducasse?

Do País Basco, um dos lugares mais produtos no mundo, coisas maravilhosas. Eu cheguei no Rio vindo de lá com um produto totalmente diferente. E funcionou. Acho que depois de passar por essa fase de amadurecimento, o que a gente ainda está passando, né? E acho que não vai acabar nunca. A gente vai se transformando, mudando, melhorando.”

O jantar no Lasai sai por R$ 1.150: 9 aperitivos para comer com as mãos + 3 pratos principais + 2 sobremesas + 1 petit four.

Duas estrelas Michelin quer dizer “uma cozinha excelente”. Jantar no Lasai, que tem apenas dez assentos, é como estar diante de um espetáculo, da primeira fila. A cozinha, silenciosa no início, torna-se vibrante à medida que começam a trabalhar, criando interações constantes entre o chef Rafa Costa e Silva e os comensais. O menu degustação surpresa, próprio de uma cozinha moderna, começa com diversos aperitivos e destaca-se por seus pratos de vegetais (cozidos com perfeição em base a produtos ecológicos sazonais de suas hortas em Itanhangá e Vale das Videiras) e tem a opção de ser desfrutado com uma fantástica harmonização de vinhos. E o que significa Lasai? Significa “tranquilo” em euskera e faz alusão ao período de formação que o chef passou no premiado Mugaritz (Errenteria, Espanha). É preciso fazer reserva (um mês de antecedência) e ser pontual, pois todos os clientes começam a experimentar ao mesmo tempo. Uma cozinha de excelência comandada por Rafa Costa e Silva, chef carioca que liderou uma revolução culinária tão ousada que a gastronomia praticada em outras casas no Rio de repente pareceu artificial, presa entre tabletes de manteiga e creme.

Em uma década de Lasai, foi ali que, como ele diz, aprendeu o que não fazer. Uma joia gastronômica tão procurada que depois de nove anos com uma estrela Michelin, ganhou a segunda este ano. O dono do 58º melhor restaurante do mundo no 50 Best estendido recebeu, na segunda-feira (10), a medalha Pedro Ernesto na Câmara dos Vereadores do Rio, honraria concedida a quem se destaca na sociedade brasileira ou internacional. O carioca do ano na gastronomia conversou com o Paladar num café em frente ao antigo Lasai, onde ele falou sobre o sabor por trás do conceito, sua ousadia e inteligência, além destes dez de casa, cujo nome quer dizer calma em euskera, idioma do País Basco, onde ele atuou por cinco anos.

Depois da estrela Michelin, o que você pretende fazer?

“Eu sei o que eu não pretendo fazer. É óbvio que quem se propõe a fazer um serviço de excelência, quem se propõe a fazer um restaurante legal que possa ter orgulho, quer algo assim. Se falar que não quer estar na guia, tá mentindo. Se falar que não quer ter estrela, tá mentindo mais ainda. Se falar que não quer ter duas, também está mentindo. Se falar que não quer três, também está mentindo. Assim, não é uma coisa que nos pauta, não direciona nosso trabalho.”

Qual é a essência do Lasai?

“O que a gente acredita, sem fugir do que a gente realmente quer fazer. Saltar de duas para três estrelas, eu acho que o caminho mais curto, o atalho para gente seria começar a usar ingredientes que a gente poderia usar e, na grande maioria da opinião pública e até dos clientes, talvez faria a gente mudar de patamar, que seria começar a usar trufa de Alba que me oferecem toda semana. Ou então a usar caviar caro, começar a usar wagyu do Japão. Isso para gente seria cortar caminho, vamos dizer, pra gente ganhar a terceira estrela. Mas a gente estaria fazendo uma coisa que não acredita, que foge da nossa essência total. Então, assim, acho que a gente quer melhorar, ser melhor do que a gente era, mas sem nunca fugir da nossa essência e nunca adaptar alguma coisa que a gente não acredita para ser melhor.

Em dez anos de Rio, eu vi o Lasai liderar uma revolução culinária ousada. Que lugar tem a tradicional e clássica combinação manteiga e creme nesse trabalho?”

A gente usa pouca manteiga. A gente usa muito mais azeite de oliva. Azeite de oliva brasileiro, claro. Mas a manteiga tem seu lugar. Acho que não é o protagonista, como pode ser em vários restaurantes, nada contra. Eu adoro manteiga e creme. Na minha casa, eu e o meu filhinho quase todos os dias comemos um pão na chapa com manteiga. Mas o nosso trabalho, o que a gente quer passar é para que as pessoas conheçam o real valor e o real sabor dos ingredientes. Eu acho que manteiga e creme muitas vezes disfarçam esse sabor, faz ficar mais gostoso, vamos dizer assim. Realmente, o creme e a manteiga te abraçam, é um negócio gostoso, é bom na boca e tal. E a nossa ideia é tentar fazer isso de uma forma mais limpa, não só para o saudável, mas fazer uma coisa mais limpa para que a gente possa realmente chegar no verdadeiro sabor dos ingredientes.

O que entrou para a cozinha do Lasai e nunca mais saiu? Qual o ajuste da casa?

“Todos os pratos que a gente faz no Lasai, seja um aperitivo, a gente termina com flor de sal, porque para mim isso é como se fosse uma manteiga. E a flor de sal de Mossoró, do Rio Grande do Norte, flor de sal nacional, não sal de fora, uma flor de sal nacional excepcional, nível mundial, e que para mim transforma muito o sabor dos pratos, ou transforma o sabor dos produtos, dá uma opção.”

O que não deu certo nestes dez anos?

“Quando a gente mudou do Lasai grande para o Lasai pequeno, eu estava um pouco perdido na verdade mentalmente e comecei a fazer atalhos que eu nunca na minha vida imaginei que ia fazer, que nunca tinha feito no grande. A gente comprou bluefin da Espanha, a gente comprou Ikura do Japão. Então, assim, teve coisa que a gente no começo, lá no começo da mesa do novo, a gente usou. Isso é uma produção excepcional, eu amo. Eu gosto muito, eu morei na Espanha e comia atum bluefin da Espanha toda semana. Mas estava totalmente fugindo da nossa ciência, talvez com uma pressão que eu acabei caindo e tal, todo mundo perguntando o que que vai ser que eu me senti naquela pressão de colocar produtos mais prêmios e tal, e aí as questões de um ano ou talvez um ano e meio eu falei pro Vini, que é um garoto que trabalha comigo há oito anos, que é o chefe de cozinha, a gente não vai usar mais nada disso, corta, vamos voltar ao que a gente fazia antes, não quero mais curar, não quero mais ver bluefin, não quero mais nada disso. E hoje no menu a gente não tem. Não tem absolutamente nada que seja de fora do Brasil.”

Mas em algum momento lhe pareceu muito mais um conceito do que uma medida de corte?

“Foi mais um conceito de não, de fincar bem as raízes e não dar o braço a torcer, vamos dizer assim, para a pressão que vem de fora. Aí para quem vem de fora em busca de entrecôte de cogumelos, não vai encontrar lá. Encontra porco, chuchu, brócolis, taioba, xeneleite, crocão de linhaça, batata e compre.”

E foi aí que as reservas passaram a se esgotar?

“Então, é engraçado, eu nunca tive assessoria, nem nunca tive ninguém falando meu nome, nem tive nenhum incentivo assim de fora, de pessoas falando, chamando gente e tal, a gente nunca teve isso. A gente começou a obra do restaurante em 2012 e abriu em 2014 e, eu acho que muitos cozinheiros aqui no Brasil me conheciam porque eu fui chefe de cozinha do Mugaritz durante muitos anos, mas eu nunca tinha trabalhado em restaurante no Brasil, então muitos cozinheiros do Brasil, Ivan Ralston, Thiago Castanho, Rodrigo do Mocotó, Alex Atala, todos esses eu nunca conheci aqui no Brasil, eu conheci quando eles foram lá. Eles foram lá no restaurante, comiam e aí eu era o chefe de cozinha, acabava falando com eles. Enfim, lá teve uma ação, Sebastián Gastronômico, que é um congresso que tem lá, e o tema foi Brasil. E eu lembro que foi muito brasileiro para lá. Todos eles foram para o primeiro lugar, e eu estava lá. Então, eu acabei conhecendo essas pessoas assim, por uma casa, na verdade. E aí, quando a gente voltou para abrir aqui, eu não sei por que, não me pergunte por que, porque eu não sei se gerou uma expectativa muito grande quanto ao nosso restaurante, quanto à abertura do nosso restaurante. As pessoas falavam muito. Eu acho que porque os cozinheiros acabaram falando, acabaram falando para os clientes. Então, quando a gente abriu em 2014, a (jornalista) Ana Cristina Reis fez uma reportagem de capa, quando o Ela Gourmet ainda era impresso, e garantiu o aluguel inteiro. Eram três ou quatro páginas falando da gente. Aí eu não sei se foi isso, eu não sei se foi a expectativa, mas quando eu abri em 2014 a gente ficou lotado por dois anos. Dois anos. Não tinha lugar. Uma casa de 45 lugares. Para ser sincero, tiveram duas ou três vezes que o restaurante ficou vazio. De resto, sempre lotado. Sempre cheio, muito cheio. Talvez não lotado todos os dias, mas muito cheio. E aí quando a gente mudou uma casa menor, de dez lugares, ficou ainda mais difícil conseguir reserva.”

Mas qual foi a primeira impressão que você quis causar?

“Uma cozinha que fugisse um pouco do estereótipo de cozinha brasileira, de todo o Brasil, eu quis fazer comida carioca e não brasileira, porque brasileiro tem o Alex Atala, que faz isso como ninguém, excepcionalmente, mas ele usa tambaqui da Amazônia, usa chocolate da Bahia, eu quis fazer uma cozinha carioca com produtos do Rio de Janeiro e foi aí que eu comecei a conhecer muito as feiras cariocas, eu me encantei com os produtos que eles tinham, tanto pelo frescor quanto pela variedade. Xuxu você não acha na Espanha, machiche como no Brasil você não acha na Espanha também. A gente gerou essa curiosidade, essa expectativa.”

O que muda quando você para de cozinhar para 45 e passa a cozinhar para dez? Por que isso?

“Para que a gente pudesse fazer as coisas com mais precisão. É muito diferente quando você está sentado num restaurante com salão e cozinha separados. A comida sai da cozinha para uma mesa de apoio e só depois chega à mesa. A pessoa está conversando, tomando um vinho, demora cinco, dez minutos para começar a comer. Isso é muito diferente de servir Não é só a comida, mas também a companhia, o ambiente. Estão assistindo a gente fazer as coisas. Se você quer um jantar romântico, o Lasai novo não é o lugar. A pessoa ao lado está escutando sua conversa. O menu começa pelos aperitivos, para comer com a mão, aipim com siri azul, por exemplo.”

Qual a sensação de estar mais perto do comensal?

“Num japonês muito bom, o cara quer que você sinta a diferença do arroz morno para o peixe frio, e que você não pode demorar para comer. A gente segue muito essa linha só com produtos brasileiros, basicamente cariocas, coisas que vêm daqui, a gente consegue fazer para dez, é muito diferente fazer para 45.”

Mudou muita coisa em sua vida fora do restaurante?

“Uma mudança de vida, antes eu ficava 24 horas por dia no restaurante. Porque preparar um menu de 14 etapas para 45 pessoas é massivo. A gente já chegou a ter 17 cozinheiras, uma loucura. Também foi uma mudança de vida também para as pessoas que trabalham, ficaram mais próximas de tudo.”

Em que aspecto a culinária clássica parece sem gás? O que não fazer, por exemplo, que você tenha aprendido nestes dez anos?

Hoje em dia eu vejo uns pratos que a gente fez em 2014, 2015, e eu fico com vergonha. Eu passava sufoco todo dia na cozinha, quase chorar. Nossos pratos hoje em dia são tão melhores, com menos sufoco. Mais maduros.

Posso dizer, pelas duas vezes em que me sentei diante de você no Lasai, que percebi uma conjuração de fusões e leveza, essência arejada de molhos. Sua cozinha está mais para a espuma de beterraba de Ferran Adrià do que para o velouté de Alain Ducasse?

Do País Basco, um dos lugares mais produtos no mundo, coisas maravilhosas. Eu cheguei no Rio vindo de lá com um produto totalmente diferente. E funcionou. Acho que depois de passar por essa fase de amadurecimento, o que a gente ainda está passando, né? E acho que não vai acabar nunca. A gente vai se transformando, mudando, melhorando.”

O jantar no Lasai sai por R$ 1.150: 9 aperitivos para comer com as mãos + 3 pratos principais + 2 sobremesas + 1 petit four.

Duas estrelas Michelin quer dizer “uma cozinha excelente”. Jantar no Lasai, que tem apenas dez assentos, é como estar diante de um espetáculo, da primeira fila. A cozinha, silenciosa no início, torna-se vibrante à medida que começam a trabalhar, criando interações constantes entre o chef Rafa Costa e Silva e os comensais. O menu degustação surpresa, próprio de uma cozinha moderna, começa com diversos aperitivos e destaca-se por seus pratos de vegetais (cozidos com perfeição em base a produtos ecológicos sazonais de suas hortas em Itanhangá e Vale das Videiras) e tem a opção de ser desfrutado com uma fantástica harmonização de vinhos. E o que significa Lasai? Significa “tranquilo” em euskera e faz alusão ao período de formação que o chef passou no premiado Mugaritz (Errenteria, Espanha). É preciso fazer reserva (um mês de antecedência) e ser pontual, pois todos os clientes começam a experimentar ao mesmo tempo. Uma cozinha de excelência comandada por Rafa Costa e Silva, chef carioca que liderou uma revolução culinária tão ousada que a gastronomia praticada em outras casas no Rio de repente pareceu artificial, presa entre tabletes de manteiga e creme.

Em uma década de Lasai, foi ali que, como ele diz, aprendeu o que não fazer. Uma joia gastronômica tão procurada que depois de nove anos com uma estrela Michelin, ganhou a segunda este ano. O dono do 58º melhor restaurante do mundo no 50 Best estendido recebeu, na segunda-feira (10), a medalha Pedro Ernesto na Câmara dos Vereadores do Rio, honraria concedida a quem se destaca na sociedade brasileira ou internacional. O carioca do ano na gastronomia conversou com o Paladar num café em frente ao antigo Lasai, onde ele falou sobre o sabor por trás do conceito, sua ousadia e inteligência, além destes dez de casa, cujo nome quer dizer calma em euskera, idioma do País Basco, onde ele atuou por cinco anos.

Depois da estrela Michelin, o que você pretende fazer?

“Eu sei o que eu não pretendo fazer. É óbvio que quem se propõe a fazer um serviço de excelência, quem se propõe a fazer um restaurante legal que possa ter orgulho, quer algo assim. Se falar que não quer estar na guia, tá mentindo. Se falar que não quer ter estrela, tá mentindo mais ainda. Se falar que não quer ter duas, também está mentindo. Se falar que não quer três, também está mentindo. Assim, não é uma coisa que nos pauta, não direciona nosso trabalho.”

Qual é a essência do Lasai?

“O que a gente acredita, sem fugir do que a gente realmente quer fazer. Saltar de duas para três estrelas, eu acho que o caminho mais curto, o atalho para gente seria começar a usar ingredientes que a gente poderia usar e, na grande maioria da opinião pública e até dos clientes, talvez faria a gente mudar de patamar, que seria começar a usar trufa de Alba que me oferecem toda semana. Ou então a usar caviar caro, começar a usar wagyu do Japão. Isso para gente seria cortar caminho, vamos dizer, pra gente ganhar a terceira estrela. Mas a gente estaria fazendo uma coisa que não acredita, que foge da nossa essência total. Então, assim, acho que a gente quer melhorar, ser melhor do que a gente era, mas sem nunca fugir da nossa essência e nunca adaptar alguma coisa que a gente não acredita para ser melhor.

Em dez anos de Rio, eu vi o Lasai liderar uma revolução culinária ousada. Que lugar tem a tradicional e clássica combinação manteiga e creme nesse trabalho?”

A gente usa pouca manteiga. A gente usa muito mais azeite de oliva. Azeite de oliva brasileiro, claro. Mas a manteiga tem seu lugar. Acho que não é o protagonista, como pode ser em vários restaurantes, nada contra. Eu adoro manteiga e creme. Na minha casa, eu e o meu filhinho quase todos os dias comemos um pão na chapa com manteiga. Mas o nosso trabalho, o que a gente quer passar é para que as pessoas conheçam o real valor e o real sabor dos ingredientes. Eu acho que manteiga e creme muitas vezes disfarçam esse sabor, faz ficar mais gostoso, vamos dizer assim. Realmente, o creme e a manteiga te abraçam, é um negócio gostoso, é bom na boca e tal. E a nossa ideia é tentar fazer isso de uma forma mais limpa, não só para o saudável, mas fazer uma coisa mais limpa para que a gente possa realmente chegar no verdadeiro sabor dos ingredientes.

O que entrou para a cozinha do Lasai e nunca mais saiu? Qual o ajuste da casa?

“Todos os pratos que a gente faz no Lasai, seja um aperitivo, a gente termina com flor de sal, porque para mim isso é como se fosse uma manteiga. E a flor de sal de Mossoró, do Rio Grande do Norte, flor de sal nacional, não sal de fora, uma flor de sal nacional excepcional, nível mundial, e que para mim transforma muito o sabor dos pratos, ou transforma o sabor dos produtos, dá uma opção.”

O que não deu certo nestes dez anos?

“Quando a gente mudou do Lasai grande para o Lasai pequeno, eu estava um pouco perdido na verdade mentalmente e comecei a fazer atalhos que eu nunca na minha vida imaginei que ia fazer, que nunca tinha feito no grande. A gente comprou bluefin da Espanha, a gente comprou Ikura do Japão. Então, assim, teve coisa que a gente no começo, lá no começo da mesa do novo, a gente usou. Isso é uma produção excepcional, eu amo. Eu gosto muito, eu morei na Espanha e comia atum bluefin da Espanha toda semana. Mas estava totalmente fugindo da nossa ciência, talvez com uma pressão que eu acabei caindo e tal, todo mundo perguntando o que que vai ser que eu me senti naquela pressão de colocar produtos mais prêmios e tal, e aí as questões de um ano ou talvez um ano e meio eu falei pro Vini, que é um garoto que trabalha comigo há oito anos, que é o chefe de cozinha, a gente não vai usar mais nada disso, corta, vamos voltar ao que a gente fazia antes, não quero mais curar, não quero mais ver bluefin, não quero mais nada disso. E hoje no menu a gente não tem. Não tem absolutamente nada que seja de fora do Brasil.”

Mas em algum momento lhe pareceu muito mais um conceito do que uma medida de corte?

“Foi mais um conceito de não, de fincar bem as raízes e não dar o braço a torcer, vamos dizer assim, para a pressão que vem de fora. Aí para quem vem de fora em busca de entrecôte de cogumelos, não vai encontrar lá. Encontra porco, chuchu, brócolis, taioba, xeneleite, crocão de linhaça, batata e compre.”

E foi aí que as reservas passaram a se esgotar?

“Então, é engraçado, eu nunca tive assessoria, nem nunca tive ninguém falando meu nome, nem tive nenhum incentivo assim de fora, de pessoas falando, chamando gente e tal, a gente nunca teve isso. A gente começou a obra do restaurante em 2012 e abriu em 2014 e, eu acho que muitos cozinheiros aqui no Brasil me conheciam porque eu fui chefe de cozinha do Mugaritz durante muitos anos, mas eu nunca tinha trabalhado em restaurante no Brasil, então muitos cozinheiros do Brasil, Ivan Ralston, Thiago Castanho, Rodrigo do Mocotó, Alex Atala, todos esses eu nunca conheci aqui no Brasil, eu conheci quando eles foram lá. Eles foram lá no restaurante, comiam e aí eu era o chefe de cozinha, acabava falando com eles. Enfim, lá teve uma ação, Sebastián Gastronômico, que é um congresso que tem lá, e o tema foi Brasil. E eu lembro que foi muito brasileiro para lá. Todos eles foram para o primeiro lugar, e eu estava lá. Então, eu acabei conhecendo essas pessoas assim, por uma casa, na verdade. E aí, quando a gente voltou para abrir aqui, eu não sei por que, não me pergunte por que, porque eu não sei se gerou uma expectativa muito grande quanto ao nosso restaurante, quanto à abertura do nosso restaurante. As pessoas falavam muito. Eu acho que porque os cozinheiros acabaram falando, acabaram falando para os clientes. Então, quando a gente abriu em 2014, a (jornalista) Ana Cristina Reis fez uma reportagem de capa, quando o Ela Gourmet ainda era impresso, e garantiu o aluguel inteiro. Eram três ou quatro páginas falando da gente. Aí eu não sei se foi isso, eu não sei se foi a expectativa, mas quando eu abri em 2014 a gente ficou lotado por dois anos. Dois anos. Não tinha lugar. Uma casa de 45 lugares. Para ser sincero, tiveram duas ou três vezes que o restaurante ficou vazio. De resto, sempre lotado. Sempre cheio, muito cheio. Talvez não lotado todos os dias, mas muito cheio. E aí quando a gente mudou uma casa menor, de dez lugares, ficou ainda mais difícil conseguir reserva.”

Mas qual foi a primeira impressão que você quis causar?

“Uma cozinha que fugisse um pouco do estereótipo de cozinha brasileira, de todo o Brasil, eu quis fazer comida carioca e não brasileira, porque brasileiro tem o Alex Atala, que faz isso como ninguém, excepcionalmente, mas ele usa tambaqui da Amazônia, usa chocolate da Bahia, eu quis fazer uma cozinha carioca com produtos do Rio de Janeiro e foi aí que eu comecei a conhecer muito as feiras cariocas, eu me encantei com os produtos que eles tinham, tanto pelo frescor quanto pela variedade. Xuxu você não acha na Espanha, machiche como no Brasil você não acha na Espanha também. A gente gerou essa curiosidade, essa expectativa.”

O que muda quando você para de cozinhar para 45 e passa a cozinhar para dez? Por que isso?

“Para que a gente pudesse fazer as coisas com mais precisão. É muito diferente quando você está sentado num restaurante com salão e cozinha separados. A comida sai da cozinha para uma mesa de apoio e só depois chega à mesa. A pessoa está conversando, tomando um vinho, demora cinco, dez minutos para começar a comer. Isso é muito diferente de servir Não é só a comida, mas também a companhia, o ambiente. Estão assistindo a gente fazer as coisas. Se você quer um jantar romântico, o Lasai novo não é o lugar. A pessoa ao lado está escutando sua conversa. O menu começa pelos aperitivos, para comer com a mão, aipim com siri azul, por exemplo.”

Qual a sensação de estar mais perto do comensal?

“Num japonês muito bom, o cara quer que você sinta a diferença do arroz morno para o peixe frio, e que você não pode demorar para comer. A gente segue muito essa linha só com produtos brasileiros, basicamente cariocas, coisas que vêm daqui, a gente consegue fazer para dez, é muito diferente fazer para 45.”

Mudou muita coisa em sua vida fora do restaurante?

“Uma mudança de vida, antes eu ficava 24 horas por dia no restaurante. Porque preparar um menu de 14 etapas para 45 pessoas é massivo. A gente já chegou a ter 17 cozinheiras, uma loucura. Também foi uma mudança de vida também para as pessoas que trabalham, ficaram mais próximas de tudo.”

Em que aspecto a culinária clássica parece sem gás? O que não fazer, por exemplo, que você tenha aprendido nestes dez anos?

Hoje em dia eu vejo uns pratos que a gente fez em 2014, 2015, e eu fico com vergonha. Eu passava sufoco todo dia na cozinha, quase chorar. Nossos pratos hoje em dia são tão melhores, com menos sufoco. Mais maduros.

Posso dizer, pelas duas vezes em que me sentei diante de você no Lasai, que percebi uma conjuração de fusões e leveza, essência arejada de molhos. Sua cozinha está mais para a espuma de beterraba de Ferran Adrià do que para o velouté de Alain Ducasse?

Do País Basco, um dos lugares mais produtos no mundo, coisas maravilhosas. Eu cheguei no Rio vindo de lá com um produto totalmente diferente. E funcionou. Acho que depois de passar por essa fase de amadurecimento, o que a gente ainda está passando, né? E acho que não vai acabar nunca. A gente vai se transformando, mudando, melhorando.”

O jantar no Lasai sai por R$ 1.150: 9 aperitivos para comer com as mãos + 3 pratos principais + 2 sobremesas + 1 petit four.

Duas estrelas Michelin quer dizer “uma cozinha excelente”. Jantar no Lasai, que tem apenas dez assentos, é como estar diante de um espetáculo, da primeira fila. A cozinha, silenciosa no início, torna-se vibrante à medida que começam a trabalhar, criando interações constantes entre o chef Rafa Costa e Silva e os comensais. O menu degustação surpresa, próprio de uma cozinha moderna, começa com diversos aperitivos e destaca-se por seus pratos de vegetais (cozidos com perfeição em base a produtos ecológicos sazonais de suas hortas em Itanhangá e Vale das Videiras) e tem a opção de ser desfrutado com uma fantástica harmonização de vinhos. E o que significa Lasai? Significa “tranquilo” em euskera e faz alusão ao período de formação que o chef passou no premiado Mugaritz (Errenteria, Espanha). É preciso fazer reserva (um mês de antecedência) e ser pontual, pois todos os clientes começam a experimentar ao mesmo tempo. Uma cozinha de excelência comandada por Rafa Costa e Silva, chef carioca que liderou uma revolução culinária tão ousada que a gastronomia praticada em outras casas no Rio de repente pareceu artificial, presa entre tabletes de manteiga e creme.

Em uma década de Lasai, foi ali que, como ele diz, aprendeu o que não fazer. Uma joia gastronômica tão procurada que depois de nove anos com uma estrela Michelin, ganhou a segunda este ano. O dono do 58º melhor restaurante do mundo no 50 Best estendido recebeu, na segunda-feira (10), a medalha Pedro Ernesto na Câmara dos Vereadores do Rio, honraria concedida a quem se destaca na sociedade brasileira ou internacional. O carioca do ano na gastronomia conversou com o Paladar num café em frente ao antigo Lasai, onde ele falou sobre o sabor por trás do conceito, sua ousadia e inteligência, além destes dez de casa, cujo nome quer dizer calma em euskera, idioma do País Basco, onde ele atuou por cinco anos.

Depois da estrela Michelin, o que você pretende fazer?

“Eu sei o que eu não pretendo fazer. É óbvio que quem se propõe a fazer um serviço de excelência, quem se propõe a fazer um restaurante legal que possa ter orgulho, quer algo assim. Se falar que não quer estar na guia, tá mentindo. Se falar que não quer ter estrela, tá mentindo mais ainda. Se falar que não quer ter duas, também está mentindo. Se falar que não quer três, também está mentindo. Assim, não é uma coisa que nos pauta, não direciona nosso trabalho.”

Qual é a essência do Lasai?

“O que a gente acredita, sem fugir do que a gente realmente quer fazer. Saltar de duas para três estrelas, eu acho que o caminho mais curto, o atalho para gente seria começar a usar ingredientes que a gente poderia usar e, na grande maioria da opinião pública e até dos clientes, talvez faria a gente mudar de patamar, que seria começar a usar trufa de Alba que me oferecem toda semana. Ou então a usar caviar caro, começar a usar wagyu do Japão. Isso para gente seria cortar caminho, vamos dizer, pra gente ganhar a terceira estrela. Mas a gente estaria fazendo uma coisa que não acredita, que foge da nossa essência total. Então, assim, acho que a gente quer melhorar, ser melhor do que a gente era, mas sem nunca fugir da nossa essência e nunca adaptar alguma coisa que a gente não acredita para ser melhor.

Em dez anos de Rio, eu vi o Lasai liderar uma revolução culinária ousada. Que lugar tem a tradicional e clássica combinação manteiga e creme nesse trabalho?”

A gente usa pouca manteiga. A gente usa muito mais azeite de oliva. Azeite de oliva brasileiro, claro. Mas a manteiga tem seu lugar. Acho que não é o protagonista, como pode ser em vários restaurantes, nada contra. Eu adoro manteiga e creme. Na minha casa, eu e o meu filhinho quase todos os dias comemos um pão na chapa com manteiga. Mas o nosso trabalho, o que a gente quer passar é para que as pessoas conheçam o real valor e o real sabor dos ingredientes. Eu acho que manteiga e creme muitas vezes disfarçam esse sabor, faz ficar mais gostoso, vamos dizer assim. Realmente, o creme e a manteiga te abraçam, é um negócio gostoso, é bom na boca e tal. E a nossa ideia é tentar fazer isso de uma forma mais limpa, não só para o saudável, mas fazer uma coisa mais limpa para que a gente possa realmente chegar no verdadeiro sabor dos ingredientes.

O que entrou para a cozinha do Lasai e nunca mais saiu? Qual o ajuste da casa?

“Todos os pratos que a gente faz no Lasai, seja um aperitivo, a gente termina com flor de sal, porque para mim isso é como se fosse uma manteiga. E a flor de sal de Mossoró, do Rio Grande do Norte, flor de sal nacional, não sal de fora, uma flor de sal nacional excepcional, nível mundial, e que para mim transforma muito o sabor dos pratos, ou transforma o sabor dos produtos, dá uma opção.”

O que não deu certo nestes dez anos?

“Quando a gente mudou do Lasai grande para o Lasai pequeno, eu estava um pouco perdido na verdade mentalmente e comecei a fazer atalhos que eu nunca na minha vida imaginei que ia fazer, que nunca tinha feito no grande. A gente comprou bluefin da Espanha, a gente comprou Ikura do Japão. Então, assim, teve coisa que a gente no começo, lá no começo da mesa do novo, a gente usou. Isso é uma produção excepcional, eu amo. Eu gosto muito, eu morei na Espanha e comia atum bluefin da Espanha toda semana. Mas estava totalmente fugindo da nossa ciência, talvez com uma pressão que eu acabei caindo e tal, todo mundo perguntando o que que vai ser que eu me senti naquela pressão de colocar produtos mais prêmios e tal, e aí as questões de um ano ou talvez um ano e meio eu falei pro Vini, que é um garoto que trabalha comigo há oito anos, que é o chefe de cozinha, a gente não vai usar mais nada disso, corta, vamos voltar ao que a gente fazia antes, não quero mais curar, não quero mais ver bluefin, não quero mais nada disso. E hoje no menu a gente não tem. Não tem absolutamente nada que seja de fora do Brasil.”

Mas em algum momento lhe pareceu muito mais um conceito do que uma medida de corte?

“Foi mais um conceito de não, de fincar bem as raízes e não dar o braço a torcer, vamos dizer assim, para a pressão que vem de fora. Aí para quem vem de fora em busca de entrecôte de cogumelos, não vai encontrar lá. Encontra porco, chuchu, brócolis, taioba, xeneleite, crocão de linhaça, batata e compre.”

E foi aí que as reservas passaram a se esgotar?

“Então, é engraçado, eu nunca tive assessoria, nem nunca tive ninguém falando meu nome, nem tive nenhum incentivo assim de fora, de pessoas falando, chamando gente e tal, a gente nunca teve isso. A gente começou a obra do restaurante em 2012 e abriu em 2014 e, eu acho que muitos cozinheiros aqui no Brasil me conheciam porque eu fui chefe de cozinha do Mugaritz durante muitos anos, mas eu nunca tinha trabalhado em restaurante no Brasil, então muitos cozinheiros do Brasil, Ivan Ralston, Thiago Castanho, Rodrigo do Mocotó, Alex Atala, todos esses eu nunca conheci aqui no Brasil, eu conheci quando eles foram lá. Eles foram lá no restaurante, comiam e aí eu era o chefe de cozinha, acabava falando com eles. Enfim, lá teve uma ação, Sebastián Gastronômico, que é um congresso que tem lá, e o tema foi Brasil. E eu lembro que foi muito brasileiro para lá. Todos eles foram para o primeiro lugar, e eu estava lá. Então, eu acabei conhecendo essas pessoas assim, por uma casa, na verdade. E aí, quando a gente voltou para abrir aqui, eu não sei por que, não me pergunte por que, porque eu não sei se gerou uma expectativa muito grande quanto ao nosso restaurante, quanto à abertura do nosso restaurante. As pessoas falavam muito. Eu acho que porque os cozinheiros acabaram falando, acabaram falando para os clientes. Então, quando a gente abriu em 2014, a (jornalista) Ana Cristina Reis fez uma reportagem de capa, quando o Ela Gourmet ainda era impresso, e garantiu o aluguel inteiro. Eram três ou quatro páginas falando da gente. Aí eu não sei se foi isso, eu não sei se foi a expectativa, mas quando eu abri em 2014 a gente ficou lotado por dois anos. Dois anos. Não tinha lugar. Uma casa de 45 lugares. Para ser sincero, tiveram duas ou três vezes que o restaurante ficou vazio. De resto, sempre lotado. Sempre cheio, muito cheio. Talvez não lotado todos os dias, mas muito cheio. E aí quando a gente mudou uma casa menor, de dez lugares, ficou ainda mais difícil conseguir reserva.”

Mas qual foi a primeira impressão que você quis causar?

“Uma cozinha que fugisse um pouco do estereótipo de cozinha brasileira, de todo o Brasil, eu quis fazer comida carioca e não brasileira, porque brasileiro tem o Alex Atala, que faz isso como ninguém, excepcionalmente, mas ele usa tambaqui da Amazônia, usa chocolate da Bahia, eu quis fazer uma cozinha carioca com produtos do Rio de Janeiro e foi aí que eu comecei a conhecer muito as feiras cariocas, eu me encantei com os produtos que eles tinham, tanto pelo frescor quanto pela variedade. Xuxu você não acha na Espanha, machiche como no Brasil você não acha na Espanha também. A gente gerou essa curiosidade, essa expectativa.”

O que muda quando você para de cozinhar para 45 e passa a cozinhar para dez? Por que isso?

“Para que a gente pudesse fazer as coisas com mais precisão. É muito diferente quando você está sentado num restaurante com salão e cozinha separados. A comida sai da cozinha para uma mesa de apoio e só depois chega à mesa. A pessoa está conversando, tomando um vinho, demora cinco, dez minutos para começar a comer. Isso é muito diferente de servir Não é só a comida, mas também a companhia, o ambiente. Estão assistindo a gente fazer as coisas. Se você quer um jantar romântico, o Lasai novo não é o lugar. A pessoa ao lado está escutando sua conversa. O menu começa pelos aperitivos, para comer com a mão, aipim com siri azul, por exemplo.”

Qual a sensação de estar mais perto do comensal?

“Num japonês muito bom, o cara quer que você sinta a diferença do arroz morno para o peixe frio, e que você não pode demorar para comer. A gente segue muito essa linha só com produtos brasileiros, basicamente cariocas, coisas que vêm daqui, a gente consegue fazer para dez, é muito diferente fazer para 45.”

Mudou muita coisa em sua vida fora do restaurante?

“Uma mudança de vida, antes eu ficava 24 horas por dia no restaurante. Porque preparar um menu de 14 etapas para 45 pessoas é massivo. A gente já chegou a ter 17 cozinheiras, uma loucura. Também foi uma mudança de vida também para as pessoas que trabalham, ficaram mais próximas de tudo.”

Em que aspecto a culinária clássica parece sem gás? O que não fazer, por exemplo, que você tenha aprendido nestes dez anos?

Hoje em dia eu vejo uns pratos que a gente fez em 2014, 2015, e eu fico com vergonha. Eu passava sufoco todo dia na cozinha, quase chorar. Nossos pratos hoje em dia são tão melhores, com menos sufoco. Mais maduros.

Posso dizer, pelas duas vezes em que me sentei diante de você no Lasai, que percebi uma conjuração de fusões e leveza, essência arejada de molhos. Sua cozinha está mais para a espuma de beterraba de Ferran Adrià do que para o velouté de Alain Ducasse?

Do País Basco, um dos lugares mais produtos no mundo, coisas maravilhosas. Eu cheguei no Rio vindo de lá com um produto totalmente diferente. E funcionou. Acho que depois de passar por essa fase de amadurecimento, o que a gente ainda está passando, né? E acho que não vai acabar nunca. A gente vai se transformando, mudando, melhorando.”

O jantar no Lasai sai por R$ 1.150: 9 aperitivos para comer com as mãos + 3 pratos principais + 2 sobremesas + 1 petit four.

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