Para um menino negro, nascido em Salvador (BA) e crescido no Complexo do Andaraí, comunidade na zona norte do Rio de Janeiro, parecia algo inimaginável estar em Las Vegas (EUA) e na companhia dos melhores chefs do mundo. No entanto, esse é um dos capítulos recentes da trajetória do chef João Diamante, que foi um dos representantes brasileiros na cerimônia de premiação do The World’s 50 Best Restaurants, que aconteceu no último dia 5 de junho. “Nem nos melhores sonhos eu imaginaria algo assim”, conta o chef.
Ao lado da norte-americana Caroline Caporossi a da canadense Jessica Rosval, ambas a frente do restaurante Roots, em Módena, na Itália, que atua no treinamento de mulheres imigrantes para atuar em cozinha profissional, Diamante recebeu o prêmio Champions of Change (campeões da mudança, em tradução livre) com o seu projeto social Diamantes na Cozinha, que existe desde 2016 e atende pessoas em situação de vulnerabilidade social, no Rio de Janeiro. “A gastronomia pode ser uma ferramenta de transformação social”, acredita Diamante.
Diamante lidera uma equipe de profissionais do setor, que oferece cursos em áreas como empreendedorismo, confeitaria, panificação e técnicas de cozinha. Cada módulo dura uma semana, e o curso completo leva um mês. A verba para a realização dos cursos vem de patrocinadores e, com parte do dinheiro, o projeto aluga espaços para as aulas nas próprias comunidades. Os cursos, que foram realizados em comunidades como Madureira, Belford Roxo e Méier, atualmente são realizados no hotel Rio Othon Palace, em Copacabana. Em oito anos, o projeto impactou cerca de 3.500 pessoas.
João Diamante
Atualmente, muitos ex-alunos do Diamantes na Cozinha trabalham em restaurantes famosos do Rio de Janeiro, como o Lasai, do chef Rafa Costa e Silva, e os estabelecimentos do grupo comandado pelo chef francês Claude Troisgros, como o Chez Claude.
O valor do conhecimento
Diamante sabe, como ninguém, o valor que a educação pode ter na vida de alguém. Depois de participar de inúmeros projetos sociais em sua comunidade, ele ingressou na Marinha aos 17 anos. Durante o período de serviço militar, ele deu seus primeiros passos na cozinha e acabou tomando gosto pela profissão. Depois de se formar em gastronomia, em 2015, Diamante foi para Paris, onde teve a chance de estagiar no restaurante Le Jules Verne, na torre Eiffel, então comandado pelo lendário chef francês Alain Ducasse. Aliás, ele estava na plateia da premiação em Las Vegas, quando Diamante recebeu o prêmio no 50 Best. “Eu considero ele (Ducasse) o meu mentor gastronômico. Depois da premiação, ele veio me parabenizar. Disse que estava muito orgulhoso de mim”, conta o chef.
Com o prêmio, o chef espera que o projeto social tenha maior visibilidade, para que os cursos possam impactar ainda mais pessoas. No início deste mês, o curso de hospitalidade recebeu mais de 500 inscrições - eram apenas 30 vagas. “A gente não tem condição de atender todo mundo porque não tem recurso suficiente. Gostaria muito de fechar uma parceria público-privada, para que o projeto tenha uma infraestrutura própria e um alcance nacional”, conta Diamante.
Embora o projeto tenha como foco a gastronomia, Diamante acredita que o impacto do projeto social liderado por ele pode ir muito além. “A gente só vai diminuir a desigualdade social com conhecimento e oportunidade. A partir daí, você consegue construir uma sociedade melhor, com mais qualidade de vida, mais saúde e com menos violência”, acredita ele.