Farinha nacional: padeiros elevam o trigo brasileiro ao título de ‘especial’


Movimento é semelhante ao que aconteceu com o café a partir de coffee hunters e baristas ao longo da última década

Por Marina Mori
Atualização:

Em 2018, depois de mais de seis anos trabalhando com panificação artesanal, Alethea Suedt descobriu que precisava reaprender a fazer pão. Até então, tudo parecia perfeito: a padeira tinha em mãos um punhado de trigo fresco e orgânico do Paraná, em grãos, pronto para ser moído. Seria a estreia de seu moinho de pedra, que levou dois anos para chegar ao Brasil. Refrescou o levain e preparou a massa para uma longa fermentação. Assou o pão e… Se decepcionou. "Ficou horrível. Solado, estranho. Tudo o que eu sabia sobre o processo não funcionou ali", relembra.

O problema não era a qualidade do ingrediente, muito menos a habilidade da padeira. Era o fato de que no Brasil nem se falava em tratar o grão de trigo como o grão de café, que na última década ganhou status de especial ao escapar do universo das commodities. Como não se falava, não se sabia que farinha fresca demanda outros cuidados antes de virar pão, ou que é possível conseguir resultados variados a partir de tipos diferentes de trigo. Mas isso estava para mudar. Três anos depois, o que germinou aqui e ali no País se transformou em um novo movimento da panificação brasileira, dedicado a valorizar a farinha nacional.

Alethea Suedt, d'A Padeira,e seu moinho de pedra. Foto: Tiago Queiroz/Estadão
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"Na época, você sabia que tinha a farinha branca, a integral, o centeio, a aveia. Só. Já era difícil conseguir informações sobre a força, o nível de elasticidade. Quem ia saber o varietal da farinha que estava usando?", questiona Alethea. Essa frustração foi seu ponto de partida para uma viagem sem volta ao lado de Demian Takahashi e Claudia Fugita, da Farinoca, em busca de um trigo "especial". E a jornada tem mostrado que cultivares como Audaz, Toruk, Aton e até mesmo grãos ancestrais, como espelta, são tudo, menos farinha do mesmo saco.

Vamos aos exemplos. Dá para imaginar que é possível sentir cheiro de café enquanto grãos de trigo se transformam em pó? Pois é esse o sensorial do Toruk, um cereal difícil de ser trabalhado por seu baixo teor de glúten, "mas que tem um sabor maravilhoso", segundo Alethea. O aroma de centeio recém-moído mais parece mel, e o trigo Aton engana até os olfatos mais treinados com seu toque intenso de chocolate. Dá para fazer arte com as combinações certas.

A padeira, inclusive, faz questão de exaltar os cultivares a partir de suas respectivas safras – isso mesmo, que nem vinho. Em seu site (apadeira.com) é possível comprar um quilo de farinha integral feita com trigo Aton, moído em pedra e cultivado por ela e pelo casal da Farinoca em parceria com a família Woss, no Rio Grande do Sul. O pacote de papel pardo custa R$ 16 e exibe no rótulo as informações "100% de extração, Safra 2020". Lembra também uma embalagem de café especial. "Para o cliente, essa informação ainda parece ser aleatória, mas eu tenho a missão de explicar de que forma esse trigo foi produzido e por quem. Assim a gente vai valorizando a cadeia."

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Blend de trigos

Na Colônia Witmarsum, nos Campos Gerais do Paraná, o professor e pesquisador da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), René Seifeirt Jr., também tem separado safras de trigo desde 2018, como quem mantém uma adega ou faz cupping com café, e apostado nas combinações de trigos regionais. "Assim, consigo perceber as características únicas do trigo do oeste paranaense, ou do norte do Estado, e criar os blends que gosto", diz ele, que também é idealizador do Pão da Casa, projeto que incentiva a produção de pães de fermentação natural.

Produtores têm dedicadoparte de sua produção a sementes específicas para o solo de cada região. 
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Ele já sabe que o trigo "lajeadinho" do seu Pedro Gottems, cultivado em Capanema (PR), quase na divisa com a Argentina, produz um pão com menos volume, mas é intenso em termos de sabor – "lembra o pão de espelta, quase adocicado." Quando combinado a outras variedades de trigo, com maior teor de proteína, pode resultar em um pão alveolado e complexo no paladar. O padeiro acredita que essa é a nova fronteira da panificação artesanal. "Isso é fazer poesia. É poder expressar o sabor do pão e também o terroir em que esse trigo foi cultivado."

O terroir do trigo

Você acha que farinha de trigo nacional não é boa para fazer pão? Saiba que não está só. "Se você plantar uma semente ruim na Europa, vai ter uma farinha ruim", diz Papoula Ribeiro, ex-Padoca do Maní e padeira há 25 anos. Foi com a meta de mudar esse "endeusamento" de farinhas estrangeiras que moinhos tradicionais do País, como a Fazenda Vargem, em Goiás, e a Moageira Irati, no Paraná, passaram a dedicar parte de sua produção à panificação artesanal a partir de sementes específicas para o solo de cada região.

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Com o apoio da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Francisco Arruda mudou em menos de três anos o modelo de negócio de sua Fazenda Vargem. Em 2022, 80% das mil toneladas de trigo produzidas nos 218 hectares de terra serão processados em moinhos de pedra, no tempo necessário para a farinha integral não aquecer demais e perder sabor – essa porcentagem era de 2% em 2018. Eis o trigo com terroir do Cerrado.

Plantação de trigo daFazenda Vargem, em Goiás. Foto: Estúdio Maria Célia Siquera

A altitude do Planalto Central, combinada a uma amplitude térmica de até 20˚C no inverno (dias muito quentes e noites muito frias), resultou em um trigo com alto teor de proteína e praticamente isento de doenças por conta da irrigação mecânica. "Antes a indústria pagava R$ 0,80 pelo quilo. Hoje vendemos por R$ 5,75 a padarias de todo o Brasil", conta Arruda. Entre os clientes, The Slow Bakery, Artesanos e Padoca do Alex, no Rio de Janeiro, e mais de 30 clientes em São Paulo, como Iza Padaria Artesanal e Mocotó; além de pães premiados, o trigo integral da Fazenda Vargem também vira hossomen (macarrão mais fino) do Tantanmen e do Shoyu, Shio e Veggie Ramen, do Jojo Ramen. Para os 'home bakers', pacotes menores, de um quilo, podem ser encontrados na Casa Santa Luzia, na capital paulista, por R$ 10,90.

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Do sudeste do Paraná, no município homônimo à empresa, a Moageira Irati tem apresentado ao País um trigo diferente daquele produzido historicamente no Estado que lidera a produção nacional – no ano passado, foram 3,2 milhões de toneladas, mais da metade das 6,2 milhões colhidas em todo o País, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Em 2019, a empresa lançou a Trigo de Origem, primeira farinha do Brasil com rastreabilidade, feita com o cultivar Sossego (desenvolvido pela mesma empresa que criou os cultivares que Alethea Suedt usa, a BioTrigo Genética): a partir de um QR Code na embalagem, é possível conferir quem foi o produtor responsável pelo plantio e também o laudo técnico, que atesta pureza e qualidade do produto, obtido por meio de segregação dos grãos.

No ano em que foi lançado, o Trigo de Origem representava 1% das vendas; hoje, são 4%. E vem novidade por aí. "Estamos trabalhando em uma farinha específica para viennoiserie. Já temos até nome: Croissant Origem", conta Marcelo Vosnika, sócio e diretor presidente da Moageira Irati. O projeto tem o padeiro e confeiteiro francês Jacques Paulin como mentor. Já André Guidon, representante da Associação Verace Pizza Napoletana (AVPN) no Brasil, tem participado do desenvolvimento de uma farinha especial para pizza de fermentação lenta. Na conta de clientes pelo País, pelo menos 50 estão na capital paulista. Entre eles, ZanPan, de Gabriella Zanforlin; Toast, de Flávia Maculan; Tu és Pão e Papoula Ribeiro.

Pão da padaria Tu És Pão, feito com farinha de trigo nacional especial. 
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O trigo com terroir paranaense também chamou atenção do francês Michel Suas, uma das principais referências da panificação artesanal mundo afora e fundador do tradicional San Francisco Baking Institute (SFBI), na Califórnia. Em maio deste ano, Suas firmou sociedade com Marcelo Vosnika e o padeiro Eduardo Feliz, à frente do Lucca Cafés Especiais, ao inaugurar o SFBI Brazil, a segunda – e única fora dos EUA – unidade da escola de panificação em Curitiba, na capital do Paraná.

Grãos de trigo ancestrais

Padeiros contemporâneos também têm apostado em variedades de trigo usadas séculos atrás no Egito Antigo e em outras regiões do mundo. Uma delas é a espelta, conhecida como trigo vermelho. A importação do cereal aumentou 30% em relação ao ano passado, segundo Axel Bouley, diretor da France Panificação e responsável pela importação da marca francesa Bagatelle. Hoje, são 20 toneladas por ano, sendo metade do volume destinado às padarias de São Paulo.

Uma delas é a Tu És Pão, o trigo vermelho, como é conhecida a espelta, é protagonista no pão de abóbora japonesa com alecrim (R$ 28 a unidade 500g). No cardápio d'A Padeira, Alethea Suedt usa o cereal combinado com trigo aton em um pão de mirtilos e raspas de mexerica (R$ 52, 750g). Outra versão é o com figo seco e queijo azul (R$ 56, 750g).

Esses tipos de trigo ainda têm pouco espaço em solos brasileiros, mas talvez seja por pouco tempo. “Já fomos procurados por produtores para fabricar espelta e kamut [outro grão ancestral], então está no nosso radar uma migração para o mundo dos orgânicos a partir de microlotes desses grãos”, antecipa Marcelo Vosnika, da Moageira Irati.

Hobby

A busca por um trigo melhor na hora de fazer pão não se limita às pessoas que adotaram a panificação como ofício. Padeiros “amadores” também têm se esmerado no hobby. O dentista Flavio Farias, de 46, arriscou as primeiras sovas no início da pandemia, sempre com parte do trigo d’A Padeira na receita. “O sabor é fenomenal”, diz.

E há quem esteja se inspirando nos 'home bakers' lá de fora, que têm moído a própria farinha em casa. A oferta ainda é tímida, mas tem se mantido constante: pelo menos um moinho de pedra, portátil, foi vendido por mês ao longo do último ano pela Tecmapan, marca de equipamentos para panificação artesanal. “Até há pouquíssimo tempo não existia esse produto no Brasil, então é um movimento que está aumentando. Com a possibilidade de moer grãos diferentes em casa, até o home baker pode criar uma receita autoral”, diz Marco Coelho, diretor de operações da empresa.

A demanda parece ser a semente de um novo movimento da panificação, de fato parecido com o que aconteceu com o café especial. Aos poucos, diminui o caminho entre a origem da matéria-prima e seu destino final, nas mãos do consumidor. Demian Takahashi, da Farinoca, visualiza o cenário, mesmo que ele ainda soe um pouco distante. “Se a gente chegar nesse cenário onde vão ter vários tipos de trigo em uma prateleira para poder escolher, vai ser maravilhoso. Imagina só? Aqui tem trigo do Cerrado, feito por tal produtor, e aqui tem trigo do Paraná, feito por tal produtor. Acho que ainda vai demorar, mas é um caminho que tem que ser feito”, reflete. O processo está em fase de fermentação. Aguardemos.

Serviço

A PadeiraR. Isabel de Castela, 426, Vila Madalena. 97587-3721. 13h/18h (entregas e retiradas às quintas e sextas). 

Tu És PãoR. Rodesia, 242, Pinheiros. 2548-2908. 7h30/20h (segunda, 7h30/19h30).

Iza Padaria ArtesanalR. Wisard, 602 - Vila Madalena. 3819-1757. 13h/21h30 (fecha no domingo, segunda e terça).

ZanPanR. Clodomiro Amazonas, 1158 - loja 67 - Vila Nova Conceição. 9h/17h (sábado, 9h/13h; fecha no domingo e na segunda).

Em 2018, depois de mais de seis anos trabalhando com panificação artesanal, Alethea Suedt descobriu que precisava reaprender a fazer pão. Até então, tudo parecia perfeito: a padeira tinha em mãos um punhado de trigo fresco e orgânico do Paraná, em grãos, pronto para ser moído. Seria a estreia de seu moinho de pedra, que levou dois anos para chegar ao Brasil. Refrescou o levain e preparou a massa para uma longa fermentação. Assou o pão e… Se decepcionou. "Ficou horrível. Solado, estranho. Tudo o que eu sabia sobre o processo não funcionou ali", relembra.

O problema não era a qualidade do ingrediente, muito menos a habilidade da padeira. Era o fato de que no Brasil nem se falava em tratar o grão de trigo como o grão de café, que na última década ganhou status de especial ao escapar do universo das commodities. Como não se falava, não se sabia que farinha fresca demanda outros cuidados antes de virar pão, ou que é possível conseguir resultados variados a partir de tipos diferentes de trigo. Mas isso estava para mudar. Três anos depois, o que germinou aqui e ali no País se transformou em um novo movimento da panificação brasileira, dedicado a valorizar a farinha nacional.

Alethea Suedt, d'A Padeira,e seu moinho de pedra. Foto: Tiago Queiroz/Estadão

"Na época, você sabia que tinha a farinha branca, a integral, o centeio, a aveia. Só. Já era difícil conseguir informações sobre a força, o nível de elasticidade. Quem ia saber o varietal da farinha que estava usando?", questiona Alethea. Essa frustração foi seu ponto de partida para uma viagem sem volta ao lado de Demian Takahashi e Claudia Fugita, da Farinoca, em busca de um trigo "especial". E a jornada tem mostrado que cultivares como Audaz, Toruk, Aton e até mesmo grãos ancestrais, como espelta, são tudo, menos farinha do mesmo saco.

Vamos aos exemplos. Dá para imaginar que é possível sentir cheiro de café enquanto grãos de trigo se transformam em pó? Pois é esse o sensorial do Toruk, um cereal difícil de ser trabalhado por seu baixo teor de glúten, "mas que tem um sabor maravilhoso", segundo Alethea. O aroma de centeio recém-moído mais parece mel, e o trigo Aton engana até os olfatos mais treinados com seu toque intenso de chocolate. Dá para fazer arte com as combinações certas.

A padeira, inclusive, faz questão de exaltar os cultivares a partir de suas respectivas safras – isso mesmo, que nem vinho. Em seu site (apadeira.com) é possível comprar um quilo de farinha integral feita com trigo Aton, moído em pedra e cultivado por ela e pelo casal da Farinoca em parceria com a família Woss, no Rio Grande do Sul. O pacote de papel pardo custa R$ 16 e exibe no rótulo as informações "100% de extração, Safra 2020". Lembra também uma embalagem de café especial. "Para o cliente, essa informação ainda parece ser aleatória, mas eu tenho a missão de explicar de que forma esse trigo foi produzido e por quem. Assim a gente vai valorizando a cadeia."

Blend de trigos

Na Colônia Witmarsum, nos Campos Gerais do Paraná, o professor e pesquisador da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), René Seifeirt Jr., também tem separado safras de trigo desde 2018, como quem mantém uma adega ou faz cupping com café, e apostado nas combinações de trigos regionais. "Assim, consigo perceber as características únicas do trigo do oeste paranaense, ou do norte do Estado, e criar os blends que gosto", diz ele, que também é idealizador do Pão da Casa, projeto que incentiva a produção de pães de fermentação natural.

Produtores têm dedicadoparte de sua produção a sementes específicas para o solo de cada região. 

Ele já sabe que o trigo "lajeadinho" do seu Pedro Gottems, cultivado em Capanema (PR), quase na divisa com a Argentina, produz um pão com menos volume, mas é intenso em termos de sabor – "lembra o pão de espelta, quase adocicado." Quando combinado a outras variedades de trigo, com maior teor de proteína, pode resultar em um pão alveolado e complexo no paladar. O padeiro acredita que essa é a nova fronteira da panificação artesanal. "Isso é fazer poesia. É poder expressar o sabor do pão e também o terroir em que esse trigo foi cultivado."

O terroir do trigo

Você acha que farinha de trigo nacional não é boa para fazer pão? Saiba que não está só. "Se você plantar uma semente ruim na Europa, vai ter uma farinha ruim", diz Papoula Ribeiro, ex-Padoca do Maní e padeira há 25 anos. Foi com a meta de mudar esse "endeusamento" de farinhas estrangeiras que moinhos tradicionais do País, como a Fazenda Vargem, em Goiás, e a Moageira Irati, no Paraná, passaram a dedicar parte de sua produção à panificação artesanal a partir de sementes específicas para o solo de cada região.

Com o apoio da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Francisco Arruda mudou em menos de três anos o modelo de negócio de sua Fazenda Vargem. Em 2022, 80% das mil toneladas de trigo produzidas nos 218 hectares de terra serão processados em moinhos de pedra, no tempo necessário para a farinha integral não aquecer demais e perder sabor – essa porcentagem era de 2% em 2018. Eis o trigo com terroir do Cerrado.

Plantação de trigo daFazenda Vargem, em Goiás. Foto: Estúdio Maria Célia Siquera

A altitude do Planalto Central, combinada a uma amplitude térmica de até 20˚C no inverno (dias muito quentes e noites muito frias), resultou em um trigo com alto teor de proteína e praticamente isento de doenças por conta da irrigação mecânica. "Antes a indústria pagava R$ 0,80 pelo quilo. Hoje vendemos por R$ 5,75 a padarias de todo o Brasil", conta Arruda. Entre os clientes, The Slow Bakery, Artesanos e Padoca do Alex, no Rio de Janeiro, e mais de 30 clientes em São Paulo, como Iza Padaria Artesanal e Mocotó; além de pães premiados, o trigo integral da Fazenda Vargem também vira hossomen (macarrão mais fino) do Tantanmen e do Shoyu, Shio e Veggie Ramen, do Jojo Ramen. Para os 'home bakers', pacotes menores, de um quilo, podem ser encontrados na Casa Santa Luzia, na capital paulista, por R$ 10,90.

Do sudeste do Paraná, no município homônimo à empresa, a Moageira Irati tem apresentado ao País um trigo diferente daquele produzido historicamente no Estado que lidera a produção nacional – no ano passado, foram 3,2 milhões de toneladas, mais da metade das 6,2 milhões colhidas em todo o País, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Em 2019, a empresa lançou a Trigo de Origem, primeira farinha do Brasil com rastreabilidade, feita com o cultivar Sossego (desenvolvido pela mesma empresa que criou os cultivares que Alethea Suedt usa, a BioTrigo Genética): a partir de um QR Code na embalagem, é possível conferir quem foi o produtor responsável pelo plantio e também o laudo técnico, que atesta pureza e qualidade do produto, obtido por meio de segregação dos grãos.

No ano em que foi lançado, o Trigo de Origem representava 1% das vendas; hoje, são 4%. E vem novidade por aí. "Estamos trabalhando em uma farinha específica para viennoiserie. Já temos até nome: Croissant Origem", conta Marcelo Vosnika, sócio e diretor presidente da Moageira Irati. O projeto tem o padeiro e confeiteiro francês Jacques Paulin como mentor. Já André Guidon, representante da Associação Verace Pizza Napoletana (AVPN) no Brasil, tem participado do desenvolvimento de uma farinha especial para pizza de fermentação lenta. Na conta de clientes pelo País, pelo menos 50 estão na capital paulista. Entre eles, ZanPan, de Gabriella Zanforlin; Toast, de Flávia Maculan; Tu és Pão e Papoula Ribeiro.

Pão da padaria Tu És Pão, feito com farinha de trigo nacional especial. 

O trigo com terroir paranaense também chamou atenção do francês Michel Suas, uma das principais referências da panificação artesanal mundo afora e fundador do tradicional San Francisco Baking Institute (SFBI), na Califórnia. Em maio deste ano, Suas firmou sociedade com Marcelo Vosnika e o padeiro Eduardo Feliz, à frente do Lucca Cafés Especiais, ao inaugurar o SFBI Brazil, a segunda – e única fora dos EUA – unidade da escola de panificação em Curitiba, na capital do Paraná.

Grãos de trigo ancestrais

Padeiros contemporâneos também têm apostado em variedades de trigo usadas séculos atrás no Egito Antigo e em outras regiões do mundo. Uma delas é a espelta, conhecida como trigo vermelho. A importação do cereal aumentou 30% em relação ao ano passado, segundo Axel Bouley, diretor da France Panificação e responsável pela importação da marca francesa Bagatelle. Hoje, são 20 toneladas por ano, sendo metade do volume destinado às padarias de São Paulo.

Uma delas é a Tu És Pão, o trigo vermelho, como é conhecida a espelta, é protagonista no pão de abóbora japonesa com alecrim (R$ 28 a unidade 500g). No cardápio d'A Padeira, Alethea Suedt usa o cereal combinado com trigo aton em um pão de mirtilos e raspas de mexerica (R$ 52, 750g). Outra versão é o com figo seco e queijo azul (R$ 56, 750g).

Esses tipos de trigo ainda têm pouco espaço em solos brasileiros, mas talvez seja por pouco tempo. “Já fomos procurados por produtores para fabricar espelta e kamut [outro grão ancestral], então está no nosso radar uma migração para o mundo dos orgânicos a partir de microlotes desses grãos”, antecipa Marcelo Vosnika, da Moageira Irati.

Hobby

A busca por um trigo melhor na hora de fazer pão não se limita às pessoas que adotaram a panificação como ofício. Padeiros “amadores” também têm se esmerado no hobby. O dentista Flavio Farias, de 46, arriscou as primeiras sovas no início da pandemia, sempre com parte do trigo d’A Padeira na receita. “O sabor é fenomenal”, diz.

E há quem esteja se inspirando nos 'home bakers' lá de fora, que têm moído a própria farinha em casa. A oferta ainda é tímida, mas tem se mantido constante: pelo menos um moinho de pedra, portátil, foi vendido por mês ao longo do último ano pela Tecmapan, marca de equipamentos para panificação artesanal. “Até há pouquíssimo tempo não existia esse produto no Brasil, então é um movimento que está aumentando. Com a possibilidade de moer grãos diferentes em casa, até o home baker pode criar uma receita autoral”, diz Marco Coelho, diretor de operações da empresa.

A demanda parece ser a semente de um novo movimento da panificação, de fato parecido com o que aconteceu com o café especial. Aos poucos, diminui o caminho entre a origem da matéria-prima e seu destino final, nas mãos do consumidor. Demian Takahashi, da Farinoca, visualiza o cenário, mesmo que ele ainda soe um pouco distante. “Se a gente chegar nesse cenário onde vão ter vários tipos de trigo em uma prateleira para poder escolher, vai ser maravilhoso. Imagina só? Aqui tem trigo do Cerrado, feito por tal produtor, e aqui tem trigo do Paraná, feito por tal produtor. Acho que ainda vai demorar, mas é um caminho que tem que ser feito”, reflete. O processo está em fase de fermentação. Aguardemos.

Serviço

A PadeiraR. Isabel de Castela, 426, Vila Madalena. 97587-3721. 13h/18h (entregas e retiradas às quintas e sextas). 

Tu És PãoR. Rodesia, 242, Pinheiros. 2548-2908. 7h30/20h (segunda, 7h30/19h30).

Iza Padaria ArtesanalR. Wisard, 602 - Vila Madalena. 3819-1757. 13h/21h30 (fecha no domingo, segunda e terça).

ZanPanR. Clodomiro Amazonas, 1158 - loja 67 - Vila Nova Conceição. 9h/17h (sábado, 9h/13h; fecha no domingo e na segunda).

Em 2018, depois de mais de seis anos trabalhando com panificação artesanal, Alethea Suedt descobriu que precisava reaprender a fazer pão. Até então, tudo parecia perfeito: a padeira tinha em mãos um punhado de trigo fresco e orgânico do Paraná, em grãos, pronto para ser moído. Seria a estreia de seu moinho de pedra, que levou dois anos para chegar ao Brasil. Refrescou o levain e preparou a massa para uma longa fermentação. Assou o pão e… Se decepcionou. "Ficou horrível. Solado, estranho. Tudo o que eu sabia sobre o processo não funcionou ali", relembra.

O problema não era a qualidade do ingrediente, muito menos a habilidade da padeira. Era o fato de que no Brasil nem se falava em tratar o grão de trigo como o grão de café, que na última década ganhou status de especial ao escapar do universo das commodities. Como não se falava, não se sabia que farinha fresca demanda outros cuidados antes de virar pão, ou que é possível conseguir resultados variados a partir de tipos diferentes de trigo. Mas isso estava para mudar. Três anos depois, o que germinou aqui e ali no País se transformou em um novo movimento da panificação brasileira, dedicado a valorizar a farinha nacional.

Alethea Suedt, d'A Padeira,e seu moinho de pedra. Foto: Tiago Queiroz/Estadão

"Na época, você sabia que tinha a farinha branca, a integral, o centeio, a aveia. Só. Já era difícil conseguir informações sobre a força, o nível de elasticidade. Quem ia saber o varietal da farinha que estava usando?", questiona Alethea. Essa frustração foi seu ponto de partida para uma viagem sem volta ao lado de Demian Takahashi e Claudia Fugita, da Farinoca, em busca de um trigo "especial". E a jornada tem mostrado que cultivares como Audaz, Toruk, Aton e até mesmo grãos ancestrais, como espelta, são tudo, menos farinha do mesmo saco.

Vamos aos exemplos. Dá para imaginar que é possível sentir cheiro de café enquanto grãos de trigo se transformam em pó? Pois é esse o sensorial do Toruk, um cereal difícil de ser trabalhado por seu baixo teor de glúten, "mas que tem um sabor maravilhoso", segundo Alethea. O aroma de centeio recém-moído mais parece mel, e o trigo Aton engana até os olfatos mais treinados com seu toque intenso de chocolate. Dá para fazer arte com as combinações certas.

A padeira, inclusive, faz questão de exaltar os cultivares a partir de suas respectivas safras – isso mesmo, que nem vinho. Em seu site (apadeira.com) é possível comprar um quilo de farinha integral feita com trigo Aton, moído em pedra e cultivado por ela e pelo casal da Farinoca em parceria com a família Woss, no Rio Grande do Sul. O pacote de papel pardo custa R$ 16 e exibe no rótulo as informações "100% de extração, Safra 2020". Lembra também uma embalagem de café especial. "Para o cliente, essa informação ainda parece ser aleatória, mas eu tenho a missão de explicar de que forma esse trigo foi produzido e por quem. Assim a gente vai valorizando a cadeia."

Blend de trigos

Na Colônia Witmarsum, nos Campos Gerais do Paraná, o professor e pesquisador da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), René Seifeirt Jr., também tem separado safras de trigo desde 2018, como quem mantém uma adega ou faz cupping com café, e apostado nas combinações de trigos regionais. "Assim, consigo perceber as características únicas do trigo do oeste paranaense, ou do norte do Estado, e criar os blends que gosto", diz ele, que também é idealizador do Pão da Casa, projeto que incentiva a produção de pães de fermentação natural.

Produtores têm dedicadoparte de sua produção a sementes específicas para o solo de cada região. 

Ele já sabe que o trigo "lajeadinho" do seu Pedro Gottems, cultivado em Capanema (PR), quase na divisa com a Argentina, produz um pão com menos volume, mas é intenso em termos de sabor – "lembra o pão de espelta, quase adocicado." Quando combinado a outras variedades de trigo, com maior teor de proteína, pode resultar em um pão alveolado e complexo no paladar. O padeiro acredita que essa é a nova fronteira da panificação artesanal. "Isso é fazer poesia. É poder expressar o sabor do pão e também o terroir em que esse trigo foi cultivado."

O terroir do trigo

Você acha que farinha de trigo nacional não é boa para fazer pão? Saiba que não está só. "Se você plantar uma semente ruim na Europa, vai ter uma farinha ruim", diz Papoula Ribeiro, ex-Padoca do Maní e padeira há 25 anos. Foi com a meta de mudar esse "endeusamento" de farinhas estrangeiras que moinhos tradicionais do País, como a Fazenda Vargem, em Goiás, e a Moageira Irati, no Paraná, passaram a dedicar parte de sua produção à panificação artesanal a partir de sementes específicas para o solo de cada região.

Com o apoio da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Francisco Arruda mudou em menos de três anos o modelo de negócio de sua Fazenda Vargem. Em 2022, 80% das mil toneladas de trigo produzidas nos 218 hectares de terra serão processados em moinhos de pedra, no tempo necessário para a farinha integral não aquecer demais e perder sabor – essa porcentagem era de 2% em 2018. Eis o trigo com terroir do Cerrado.

Plantação de trigo daFazenda Vargem, em Goiás. Foto: Estúdio Maria Célia Siquera

A altitude do Planalto Central, combinada a uma amplitude térmica de até 20˚C no inverno (dias muito quentes e noites muito frias), resultou em um trigo com alto teor de proteína e praticamente isento de doenças por conta da irrigação mecânica. "Antes a indústria pagava R$ 0,80 pelo quilo. Hoje vendemos por R$ 5,75 a padarias de todo o Brasil", conta Arruda. Entre os clientes, The Slow Bakery, Artesanos e Padoca do Alex, no Rio de Janeiro, e mais de 30 clientes em São Paulo, como Iza Padaria Artesanal e Mocotó; além de pães premiados, o trigo integral da Fazenda Vargem também vira hossomen (macarrão mais fino) do Tantanmen e do Shoyu, Shio e Veggie Ramen, do Jojo Ramen. Para os 'home bakers', pacotes menores, de um quilo, podem ser encontrados na Casa Santa Luzia, na capital paulista, por R$ 10,90.

Do sudeste do Paraná, no município homônimo à empresa, a Moageira Irati tem apresentado ao País um trigo diferente daquele produzido historicamente no Estado que lidera a produção nacional – no ano passado, foram 3,2 milhões de toneladas, mais da metade das 6,2 milhões colhidas em todo o País, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Em 2019, a empresa lançou a Trigo de Origem, primeira farinha do Brasil com rastreabilidade, feita com o cultivar Sossego (desenvolvido pela mesma empresa que criou os cultivares que Alethea Suedt usa, a BioTrigo Genética): a partir de um QR Code na embalagem, é possível conferir quem foi o produtor responsável pelo plantio e também o laudo técnico, que atesta pureza e qualidade do produto, obtido por meio de segregação dos grãos.

No ano em que foi lançado, o Trigo de Origem representava 1% das vendas; hoje, são 4%. E vem novidade por aí. "Estamos trabalhando em uma farinha específica para viennoiserie. Já temos até nome: Croissant Origem", conta Marcelo Vosnika, sócio e diretor presidente da Moageira Irati. O projeto tem o padeiro e confeiteiro francês Jacques Paulin como mentor. Já André Guidon, representante da Associação Verace Pizza Napoletana (AVPN) no Brasil, tem participado do desenvolvimento de uma farinha especial para pizza de fermentação lenta. Na conta de clientes pelo País, pelo menos 50 estão na capital paulista. Entre eles, ZanPan, de Gabriella Zanforlin; Toast, de Flávia Maculan; Tu és Pão e Papoula Ribeiro.

Pão da padaria Tu És Pão, feito com farinha de trigo nacional especial. 

O trigo com terroir paranaense também chamou atenção do francês Michel Suas, uma das principais referências da panificação artesanal mundo afora e fundador do tradicional San Francisco Baking Institute (SFBI), na Califórnia. Em maio deste ano, Suas firmou sociedade com Marcelo Vosnika e o padeiro Eduardo Feliz, à frente do Lucca Cafés Especiais, ao inaugurar o SFBI Brazil, a segunda – e única fora dos EUA – unidade da escola de panificação em Curitiba, na capital do Paraná.

Grãos de trigo ancestrais

Padeiros contemporâneos também têm apostado em variedades de trigo usadas séculos atrás no Egito Antigo e em outras regiões do mundo. Uma delas é a espelta, conhecida como trigo vermelho. A importação do cereal aumentou 30% em relação ao ano passado, segundo Axel Bouley, diretor da France Panificação e responsável pela importação da marca francesa Bagatelle. Hoje, são 20 toneladas por ano, sendo metade do volume destinado às padarias de São Paulo.

Uma delas é a Tu És Pão, o trigo vermelho, como é conhecida a espelta, é protagonista no pão de abóbora japonesa com alecrim (R$ 28 a unidade 500g). No cardápio d'A Padeira, Alethea Suedt usa o cereal combinado com trigo aton em um pão de mirtilos e raspas de mexerica (R$ 52, 750g). Outra versão é o com figo seco e queijo azul (R$ 56, 750g).

Esses tipos de trigo ainda têm pouco espaço em solos brasileiros, mas talvez seja por pouco tempo. “Já fomos procurados por produtores para fabricar espelta e kamut [outro grão ancestral], então está no nosso radar uma migração para o mundo dos orgânicos a partir de microlotes desses grãos”, antecipa Marcelo Vosnika, da Moageira Irati.

Hobby

A busca por um trigo melhor na hora de fazer pão não se limita às pessoas que adotaram a panificação como ofício. Padeiros “amadores” também têm se esmerado no hobby. O dentista Flavio Farias, de 46, arriscou as primeiras sovas no início da pandemia, sempre com parte do trigo d’A Padeira na receita. “O sabor é fenomenal”, diz.

E há quem esteja se inspirando nos 'home bakers' lá de fora, que têm moído a própria farinha em casa. A oferta ainda é tímida, mas tem se mantido constante: pelo menos um moinho de pedra, portátil, foi vendido por mês ao longo do último ano pela Tecmapan, marca de equipamentos para panificação artesanal. “Até há pouquíssimo tempo não existia esse produto no Brasil, então é um movimento que está aumentando. Com a possibilidade de moer grãos diferentes em casa, até o home baker pode criar uma receita autoral”, diz Marco Coelho, diretor de operações da empresa.

A demanda parece ser a semente de um novo movimento da panificação, de fato parecido com o que aconteceu com o café especial. Aos poucos, diminui o caminho entre a origem da matéria-prima e seu destino final, nas mãos do consumidor. Demian Takahashi, da Farinoca, visualiza o cenário, mesmo que ele ainda soe um pouco distante. “Se a gente chegar nesse cenário onde vão ter vários tipos de trigo em uma prateleira para poder escolher, vai ser maravilhoso. Imagina só? Aqui tem trigo do Cerrado, feito por tal produtor, e aqui tem trigo do Paraná, feito por tal produtor. Acho que ainda vai demorar, mas é um caminho que tem que ser feito”, reflete. O processo está em fase de fermentação. Aguardemos.

Serviço

A PadeiraR. Isabel de Castela, 426, Vila Madalena. 97587-3721. 13h/18h (entregas e retiradas às quintas e sextas). 

Tu És PãoR. Rodesia, 242, Pinheiros. 2548-2908. 7h30/20h (segunda, 7h30/19h30).

Iza Padaria ArtesanalR. Wisard, 602 - Vila Madalena. 3819-1757. 13h/21h30 (fecha no domingo, segunda e terça).

ZanPanR. Clodomiro Amazonas, 1158 - loja 67 - Vila Nova Conceição. 9h/17h (sábado, 9h/13h; fecha no domingo e na segunda).

Em 2018, depois de mais de seis anos trabalhando com panificação artesanal, Alethea Suedt descobriu que precisava reaprender a fazer pão. Até então, tudo parecia perfeito: a padeira tinha em mãos um punhado de trigo fresco e orgânico do Paraná, em grãos, pronto para ser moído. Seria a estreia de seu moinho de pedra, que levou dois anos para chegar ao Brasil. Refrescou o levain e preparou a massa para uma longa fermentação. Assou o pão e… Se decepcionou. "Ficou horrível. Solado, estranho. Tudo o que eu sabia sobre o processo não funcionou ali", relembra.

O problema não era a qualidade do ingrediente, muito menos a habilidade da padeira. Era o fato de que no Brasil nem se falava em tratar o grão de trigo como o grão de café, que na última década ganhou status de especial ao escapar do universo das commodities. Como não se falava, não se sabia que farinha fresca demanda outros cuidados antes de virar pão, ou que é possível conseguir resultados variados a partir de tipos diferentes de trigo. Mas isso estava para mudar. Três anos depois, o que germinou aqui e ali no País se transformou em um novo movimento da panificação brasileira, dedicado a valorizar a farinha nacional.

Alethea Suedt, d'A Padeira,e seu moinho de pedra. Foto: Tiago Queiroz/Estadão

"Na época, você sabia que tinha a farinha branca, a integral, o centeio, a aveia. Só. Já era difícil conseguir informações sobre a força, o nível de elasticidade. Quem ia saber o varietal da farinha que estava usando?", questiona Alethea. Essa frustração foi seu ponto de partida para uma viagem sem volta ao lado de Demian Takahashi e Claudia Fugita, da Farinoca, em busca de um trigo "especial". E a jornada tem mostrado que cultivares como Audaz, Toruk, Aton e até mesmo grãos ancestrais, como espelta, são tudo, menos farinha do mesmo saco.

Vamos aos exemplos. Dá para imaginar que é possível sentir cheiro de café enquanto grãos de trigo se transformam em pó? Pois é esse o sensorial do Toruk, um cereal difícil de ser trabalhado por seu baixo teor de glúten, "mas que tem um sabor maravilhoso", segundo Alethea. O aroma de centeio recém-moído mais parece mel, e o trigo Aton engana até os olfatos mais treinados com seu toque intenso de chocolate. Dá para fazer arte com as combinações certas.

A padeira, inclusive, faz questão de exaltar os cultivares a partir de suas respectivas safras – isso mesmo, que nem vinho. Em seu site (apadeira.com) é possível comprar um quilo de farinha integral feita com trigo Aton, moído em pedra e cultivado por ela e pelo casal da Farinoca em parceria com a família Woss, no Rio Grande do Sul. O pacote de papel pardo custa R$ 16 e exibe no rótulo as informações "100% de extração, Safra 2020". Lembra também uma embalagem de café especial. "Para o cliente, essa informação ainda parece ser aleatória, mas eu tenho a missão de explicar de que forma esse trigo foi produzido e por quem. Assim a gente vai valorizando a cadeia."

Blend de trigos

Na Colônia Witmarsum, nos Campos Gerais do Paraná, o professor e pesquisador da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), René Seifeirt Jr., também tem separado safras de trigo desde 2018, como quem mantém uma adega ou faz cupping com café, e apostado nas combinações de trigos regionais. "Assim, consigo perceber as características únicas do trigo do oeste paranaense, ou do norte do Estado, e criar os blends que gosto", diz ele, que também é idealizador do Pão da Casa, projeto que incentiva a produção de pães de fermentação natural.

Produtores têm dedicadoparte de sua produção a sementes específicas para o solo de cada região. 

Ele já sabe que o trigo "lajeadinho" do seu Pedro Gottems, cultivado em Capanema (PR), quase na divisa com a Argentina, produz um pão com menos volume, mas é intenso em termos de sabor – "lembra o pão de espelta, quase adocicado." Quando combinado a outras variedades de trigo, com maior teor de proteína, pode resultar em um pão alveolado e complexo no paladar. O padeiro acredita que essa é a nova fronteira da panificação artesanal. "Isso é fazer poesia. É poder expressar o sabor do pão e também o terroir em que esse trigo foi cultivado."

O terroir do trigo

Você acha que farinha de trigo nacional não é boa para fazer pão? Saiba que não está só. "Se você plantar uma semente ruim na Europa, vai ter uma farinha ruim", diz Papoula Ribeiro, ex-Padoca do Maní e padeira há 25 anos. Foi com a meta de mudar esse "endeusamento" de farinhas estrangeiras que moinhos tradicionais do País, como a Fazenda Vargem, em Goiás, e a Moageira Irati, no Paraná, passaram a dedicar parte de sua produção à panificação artesanal a partir de sementes específicas para o solo de cada região.

Com o apoio da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Francisco Arruda mudou em menos de três anos o modelo de negócio de sua Fazenda Vargem. Em 2022, 80% das mil toneladas de trigo produzidas nos 218 hectares de terra serão processados em moinhos de pedra, no tempo necessário para a farinha integral não aquecer demais e perder sabor – essa porcentagem era de 2% em 2018. Eis o trigo com terroir do Cerrado.

Plantação de trigo daFazenda Vargem, em Goiás. Foto: Estúdio Maria Célia Siquera

A altitude do Planalto Central, combinada a uma amplitude térmica de até 20˚C no inverno (dias muito quentes e noites muito frias), resultou em um trigo com alto teor de proteína e praticamente isento de doenças por conta da irrigação mecânica. "Antes a indústria pagava R$ 0,80 pelo quilo. Hoje vendemos por R$ 5,75 a padarias de todo o Brasil", conta Arruda. Entre os clientes, The Slow Bakery, Artesanos e Padoca do Alex, no Rio de Janeiro, e mais de 30 clientes em São Paulo, como Iza Padaria Artesanal e Mocotó; além de pães premiados, o trigo integral da Fazenda Vargem também vira hossomen (macarrão mais fino) do Tantanmen e do Shoyu, Shio e Veggie Ramen, do Jojo Ramen. Para os 'home bakers', pacotes menores, de um quilo, podem ser encontrados na Casa Santa Luzia, na capital paulista, por R$ 10,90.

Do sudeste do Paraná, no município homônimo à empresa, a Moageira Irati tem apresentado ao País um trigo diferente daquele produzido historicamente no Estado que lidera a produção nacional – no ano passado, foram 3,2 milhões de toneladas, mais da metade das 6,2 milhões colhidas em todo o País, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Em 2019, a empresa lançou a Trigo de Origem, primeira farinha do Brasil com rastreabilidade, feita com o cultivar Sossego (desenvolvido pela mesma empresa que criou os cultivares que Alethea Suedt usa, a BioTrigo Genética): a partir de um QR Code na embalagem, é possível conferir quem foi o produtor responsável pelo plantio e também o laudo técnico, que atesta pureza e qualidade do produto, obtido por meio de segregação dos grãos.

No ano em que foi lançado, o Trigo de Origem representava 1% das vendas; hoje, são 4%. E vem novidade por aí. "Estamos trabalhando em uma farinha específica para viennoiserie. Já temos até nome: Croissant Origem", conta Marcelo Vosnika, sócio e diretor presidente da Moageira Irati. O projeto tem o padeiro e confeiteiro francês Jacques Paulin como mentor. Já André Guidon, representante da Associação Verace Pizza Napoletana (AVPN) no Brasil, tem participado do desenvolvimento de uma farinha especial para pizza de fermentação lenta. Na conta de clientes pelo País, pelo menos 50 estão na capital paulista. Entre eles, ZanPan, de Gabriella Zanforlin; Toast, de Flávia Maculan; Tu és Pão e Papoula Ribeiro.

Pão da padaria Tu És Pão, feito com farinha de trigo nacional especial. 

O trigo com terroir paranaense também chamou atenção do francês Michel Suas, uma das principais referências da panificação artesanal mundo afora e fundador do tradicional San Francisco Baking Institute (SFBI), na Califórnia. Em maio deste ano, Suas firmou sociedade com Marcelo Vosnika e o padeiro Eduardo Feliz, à frente do Lucca Cafés Especiais, ao inaugurar o SFBI Brazil, a segunda – e única fora dos EUA – unidade da escola de panificação em Curitiba, na capital do Paraná.

Grãos de trigo ancestrais

Padeiros contemporâneos também têm apostado em variedades de trigo usadas séculos atrás no Egito Antigo e em outras regiões do mundo. Uma delas é a espelta, conhecida como trigo vermelho. A importação do cereal aumentou 30% em relação ao ano passado, segundo Axel Bouley, diretor da France Panificação e responsável pela importação da marca francesa Bagatelle. Hoje, são 20 toneladas por ano, sendo metade do volume destinado às padarias de São Paulo.

Uma delas é a Tu És Pão, o trigo vermelho, como é conhecida a espelta, é protagonista no pão de abóbora japonesa com alecrim (R$ 28 a unidade 500g). No cardápio d'A Padeira, Alethea Suedt usa o cereal combinado com trigo aton em um pão de mirtilos e raspas de mexerica (R$ 52, 750g). Outra versão é o com figo seco e queijo azul (R$ 56, 750g).

Esses tipos de trigo ainda têm pouco espaço em solos brasileiros, mas talvez seja por pouco tempo. “Já fomos procurados por produtores para fabricar espelta e kamut [outro grão ancestral], então está no nosso radar uma migração para o mundo dos orgânicos a partir de microlotes desses grãos”, antecipa Marcelo Vosnika, da Moageira Irati.

Hobby

A busca por um trigo melhor na hora de fazer pão não se limita às pessoas que adotaram a panificação como ofício. Padeiros “amadores” também têm se esmerado no hobby. O dentista Flavio Farias, de 46, arriscou as primeiras sovas no início da pandemia, sempre com parte do trigo d’A Padeira na receita. “O sabor é fenomenal”, diz.

E há quem esteja se inspirando nos 'home bakers' lá de fora, que têm moído a própria farinha em casa. A oferta ainda é tímida, mas tem se mantido constante: pelo menos um moinho de pedra, portátil, foi vendido por mês ao longo do último ano pela Tecmapan, marca de equipamentos para panificação artesanal. “Até há pouquíssimo tempo não existia esse produto no Brasil, então é um movimento que está aumentando. Com a possibilidade de moer grãos diferentes em casa, até o home baker pode criar uma receita autoral”, diz Marco Coelho, diretor de operações da empresa.

A demanda parece ser a semente de um novo movimento da panificação, de fato parecido com o que aconteceu com o café especial. Aos poucos, diminui o caminho entre a origem da matéria-prima e seu destino final, nas mãos do consumidor. Demian Takahashi, da Farinoca, visualiza o cenário, mesmo que ele ainda soe um pouco distante. “Se a gente chegar nesse cenário onde vão ter vários tipos de trigo em uma prateleira para poder escolher, vai ser maravilhoso. Imagina só? Aqui tem trigo do Cerrado, feito por tal produtor, e aqui tem trigo do Paraná, feito por tal produtor. Acho que ainda vai demorar, mas é um caminho que tem que ser feito”, reflete. O processo está em fase de fermentação. Aguardemos.

Serviço

A PadeiraR. Isabel de Castela, 426, Vila Madalena. 97587-3721. 13h/18h (entregas e retiradas às quintas e sextas). 

Tu És PãoR. Rodesia, 242, Pinheiros. 2548-2908. 7h30/20h (segunda, 7h30/19h30).

Iza Padaria ArtesanalR. Wisard, 602 - Vila Madalena. 3819-1757. 13h/21h30 (fecha no domingo, segunda e terça).

ZanPanR. Clodomiro Amazonas, 1158 - loja 67 - Vila Nova Conceição. 9h/17h (sábado, 9h/13h; fecha no domingo e na segunda).

Em 2018, depois de mais de seis anos trabalhando com panificação artesanal, Alethea Suedt descobriu que precisava reaprender a fazer pão. Até então, tudo parecia perfeito: a padeira tinha em mãos um punhado de trigo fresco e orgânico do Paraná, em grãos, pronto para ser moído. Seria a estreia de seu moinho de pedra, que levou dois anos para chegar ao Brasil. Refrescou o levain e preparou a massa para uma longa fermentação. Assou o pão e… Se decepcionou. "Ficou horrível. Solado, estranho. Tudo o que eu sabia sobre o processo não funcionou ali", relembra.

O problema não era a qualidade do ingrediente, muito menos a habilidade da padeira. Era o fato de que no Brasil nem se falava em tratar o grão de trigo como o grão de café, que na última década ganhou status de especial ao escapar do universo das commodities. Como não se falava, não se sabia que farinha fresca demanda outros cuidados antes de virar pão, ou que é possível conseguir resultados variados a partir de tipos diferentes de trigo. Mas isso estava para mudar. Três anos depois, o que germinou aqui e ali no País se transformou em um novo movimento da panificação brasileira, dedicado a valorizar a farinha nacional.

Alethea Suedt, d'A Padeira,e seu moinho de pedra. Foto: Tiago Queiroz/Estadão

"Na época, você sabia que tinha a farinha branca, a integral, o centeio, a aveia. Só. Já era difícil conseguir informações sobre a força, o nível de elasticidade. Quem ia saber o varietal da farinha que estava usando?", questiona Alethea. Essa frustração foi seu ponto de partida para uma viagem sem volta ao lado de Demian Takahashi e Claudia Fugita, da Farinoca, em busca de um trigo "especial". E a jornada tem mostrado que cultivares como Audaz, Toruk, Aton e até mesmo grãos ancestrais, como espelta, são tudo, menos farinha do mesmo saco.

Vamos aos exemplos. Dá para imaginar que é possível sentir cheiro de café enquanto grãos de trigo se transformam em pó? Pois é esse o sensorial do Toruk, um cereal difícil de ser trabalhado por seu baixo teor de glúten, "mas que tem um sabor maravilhoso", segundo Alethea. O aroma de centeio recém-moído mais parece mel, e o trigo Aton engana até os olfatos mais treinados com seu toque intenso de chocolate. Dá para fazer arte com as combinações certas.

A padeira, inclusive, faz questão de exaltar os cultivares a partir de suas respectivas safras – isso mesmo, que nem vinho. Em seu site (apadeira.com) é possível comprar um quilo de farinha integral feita com trigo Aton, moído em pedra e cultivado por ela e pelo casal da Farinoca em parceria com a família Woss, no Rio Grande do Sul. O pacote de papel pardo custa R$ 16 e exibe no rótulo as informações "100% de extração, Safra 2020". Lembra também uma embalagem de café especial. "Para o cliente, essa informação ainda parece ser aleatória, mas eu tenho a missão de explicar de que forma esse trigo foi produzido e por quem. Assim a gente vai valorizando a cadeia."

Blend de trigos

Na Colônia Witmarsum, nos Campos Gerais do Paraná, o professor e pesquisador da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), René Seifeirt Jr., também tem separado safras de trigo desde 2018, como quem mantém uma adega ou faz cupping com café, e apostado nas combinações de trigos regionais. "Assim, consigo perceber as características únicas do trigo do oeste paranaense, ou do norte do Estado, e criar os blends que gosto", diz ele, que também é idealizador do Pão da Casa, projeto que incentiva a produção de pães de fermentação natural.

Produtores têm dedicadoparte de sua produção a sementes específicas para o solo de cada região. 

Ele já sabe que o trigo "lajeadinho" do seu Pedro Gottems, cultivado em Capanema (PR), quase na divisa com a Argentina, produz um pão com menos volume, mas é intenso em termos de sabor – "lembra o pão de espelta, quase adocicado." Quando combinado a outras variedades de trigo, com maior teor de proteína, pode resultar em um pão alveolado e complexo no paladar. O padeiro acredita que essa é a nova fronteira da panificação artesanal. "Isso é fazer poesia. É poder expressar o sabor do pão e também o terroir em que esse trigo foi cultivado."

O terroir do trigo

Você acha que farinha de trigo nacional não é boa para fazer pão? Saiba que não está só. "Se você plantar uma semente ruim na Europa, vai ter uma farinha ruim", diz Papoula Ribeiro, ex-Padoca do Maní e padeira há 25 anos. Foi com a meta de mudar esse "endeusamento" de farinhas estrangeiras que moinhos tradicionais do País, como a Fazenda Vargem, em Goiás, e a Moageira Irati, no Paraná, passaram a dedicar parte de sua produção à panificação artesanal a partir de sementes específicas para o solo de cada região.

Com o apoio da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Francisco Arruda mudou em menos de três anos o modelo de negócio de sua Fazenda Vargem. Em 2022, 80% das mil toneladas de trigo produzidas nos 218 hectares de terra serão processados em moinhos de pedra, no tempo necessário para a farinha integral não aquecer demais e perder sabor – essa porcentagem era de 2% em 2018. Eis o trigo com terroir do Cerrado.

Plantação de trigo daFazenda Vargem, em Goiás. Foto: Estúdio Maria Célia Siquera

A altitude do Planalto Central, combinada a uma amplitude térmica de até 20˚C no inverno (dias muito quentes e noites muito frias), resultou em um trigo com alto teor de proteína e praticamente isento de doenças por conta da irrigação mecânica. "Antes a indústria pagava R$ 0,80 pelo quilo. Hoje vendemos por R$ 5,75 a padarias de todo o Brasil", conta Arruda. Entre os clientes, The Slow Bakery, Artesanos e Padoca do Alex, no Rio de Janeiro, e mais de 30 clientes em São Paulo, como Iza Padaria Artesanal e Mocotó; além de pães premiados, o trigo integral da Fazenda Vargem também vira hossomen (macarrão mais fino) do Tantanmen e do Shoyu, Shio e Veggie Ramen, do Jojo Ramen. Para os 'home bakers', pacotes menores, de um quilo, podem ser encontrados na Casa Santa Luzia, na capital paulista, por R$ 10,90.

Do sudeste do Paraná, no município homônimo à empresa, a Moageira Irati tem apresentado ao País um trigo diferente daquele produzido historicamente no Estado que lidera a produção nacional – no ano passado, foram 3,2 milhões de toneladas, mais da metade das 6,2 milhões colhidas em todo o País, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Em 2019, a empresa lançou a Trigo de Origem, primeira farinha do Brasil com rastreabilidade, feita com o cultivar Sossego (desenvolvido pela mesma empresa que criou os cultivares que Alethea Suedt usa, a BioTrigo Genética): a partir de um QR Code na embalagem, é possível conferir quem foi o produtor responsável pelo plantio e também o laudo técnico, que atesta pureza e qualidade do produto, obtido por meio de segregação dos grãos.

No ano em que foi lançado, o Trigo de Origem representava 1% das vendas; hoje, são 4%. E vem novidade por aí. "Estamos trabalhando em uma farinha específica para viennoiserie. Já temos até nome: Croissant Origem", conta Marcelo Vosnika, sócio e diretor presidente da Moageira Irati. O projeto tem o padeiro e confeiteiro francês Jacques Paulin como mentor. Já André Guidon, representante da Associação Verace Pizza Napoletana (AVPN) no Brasil, tem participado do desenvolvimento de uma farinha especial para pizza de fermentação lenta. Na conta de clientes pelo País, pelo menos 50 estão na capital paulista. Entre eles, ZanPan, de Gabriella Zanforlin; Toast, de Flávia Maculan; Tu és Pão e Papoula Ribeiro.

Pão da padaria Tu És Pão, feito com farinha de trigo nacional especial. 

O trigo com terroir paranaense também chamou atenção do francês Michel Suas, uma das principais referências da panificação artesanal mundo afora e fundador do tradicional San Francisco Baking Institute (SFBI), na Califórnia. Em maio deste ano, Suas firmou sociedade com Marcelo Vosnika e o padeiro Eduardo Feliz, à frente do Lucca Cafés Especiais, ao inaugurar o SFBI Brazil, a segunda – e única fora dos EUA – unidade da escola de panificação em Curitiba, na capital do Paraná.

Grãos de trigo ancestrais

Padeiros contemporâneos também têm apostado em variedades de trigo usadas séculos atrás no Egito Antigo e em outras regiões do mundo. Uma delas é a espelta, conhecida como trigo vermelho. A importação do cereal aumentou 30% em relação ao ano passado, segundo Axel Bouley, diretor da France Panificação e responsável pela importação da marca francesa Bagatelle. Hoje, são 20 toneladas por ano, sendo metade do volume destinado às padarias de São Paulo.

Uma delas é a Tu És Pão, o trigo vermelho, como é conhecida a espelta, é protagonista no pão de abóbora japonesa com alecrim (R$ 28 a unidade 500g). No cardápio d'A Padeira, Alethea Suedt usa o cereal combinado com trigo aton em um pão de mirtilos e raspas de mexerica (R$ 52, 750g). Outra versão é o com figo seco e queijo azul (R$ 56, 750g).

Esses tipos de trigo ainda têm pouco espaço em solos brasileiros, mas talvez seja por pouco tempo. “Já fomos procurados por produtores para fabricar espelta e kamut [outro grão ancestral], então está no nosso radar uma migração para o mundo dos orgânicos a partir de microlotes desses grãos”, antecipa Marcelo Vosnika, da Moageira Irati.

Hobby

A busca por um trigo melhor na hora de fazer pão não se limita às pessoas que adotaram a panificação como ofício. Padeiros “amadores” também têm se esmerado no hobby. O dentista Flavio Farias, de 46, arriscou as primeiras sovas no início da pandemia, sempre com parte do trigo d’A Padeira na receita. “O sabor é fenomenal”, diz.

E há quem esteja se inspirando nos 'home bakers' lá de fora, que têm moído a própria farinha em casa. A oferta ainda é tímida, mas tem se mantido constante: pelo menos um moinho de pedra, portátil, foi vendido por mês ao longo do último ano pela Tecmapan, marca de equipamentos para panificação artesanal. “Até há pouquíssimo tempo não existia esse produto no Brasil, então é um movimento que está aumentando. Com a possibilidade de moer grãos diferentes em casa, até o home baker pode criar uma receita autoral”, diz Marco Coelho, diretor de operações da empresa.

A demanda parece ser a semente de um novo movimento da panificação, de fato parecido com o que aconteceu com o café especial. Aos poucos, diminui o caminho entre a origem da matéria-prima e seu destino final, nas mãos do consumidor. Demian Takahashi, da Farinoca, visualiza o cenário, mesmo que ele ainda soe um pouco distante. “Se a gente chegar nesse cenário onde vão ter vários tipos de trigo em uma prateleira para poder escolher, vai ser maravilhoso. Imagina só? Aqui tem trigo do Cerrado, feito por tal produtor, e aqui tem trigo do Paraná, feito por tal produtor. Acho que ainda vai demorar, mas é um caminho que tem que ser feito”, reflete. O processo está em fase de fermentação. Aguardemos.

Serviço

A PadeiraR. Isabel de Castela, 426, Vila Madalena. 97587-3721. 13h/18h (entregas e retiradas às quintas e sextas). 

Tu És PãoR. Rodesia, 242, Pinheiros. 2548-2908. 7h30/20h (segunda, 7h30/19h30).

Iza Padaria ArtesanalR. Wisard, 602 - Vila Madalena. 3819-1757. 13h/21h30 (fecha no domingo, segunda e terça).

ZanPanR. Clodomiro Amazonas, 1158 - loja 67 - Vila Nova Conceição. 9h/17h (sábado, 9h/13h; fecha no domingo e na segunda).

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