Gourmetizaram o pavê – e agora ele é servido em restaurantes


Sobremesas caseiras relegadas às travessas nos almoços de família ganham releituras afiadas nos cardápios

Por Renata Mesquita
Quindim do De Segunda, versão dos chefs para a sobremesa de família Foto: Rubens Kato

Pode haver sobremesa com mais cara de caseira do que uma travessa de pavê? De vidro, claro, com as camadas à vista: biscoitos (geralmente champanhe) embebidos em alguma calda, um creme básico de gemas, leite condensado e leite por cima, cobertos com cacau ou nozes polvilhados.

Talvez por isso, pela sua simplicidade, sempre acompanhado da piadinha infame proferida por 11 entre cada 10 tios – “é pavê ou pra comer?” –, que essa sobremesa é uma das vítimas mais frequentes do preconceito gastronômico.

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Por mais que ela possa estar à mesa num almoço informal de domingo, era, até então, raramente vista em uma refeição com ares mais sofisticados – encontrá-la no menu de sobremesas dos restaurantes então, nem se fala. Predominam em abundância tiramisús, entremets e sobremesas desconstruídas – aqueles pratos repletos de pingos coloridos, géis e quenelles de sabores inusitados. Mas nada de pavê.

Bolo de rolo de chocolate do CaosBrasilis Foto: Bronko Jr.

Mas os tabus estão caindo. Restaurantes autorais, e seus chefs e confeiteiros, estão trazendo as sobremesas do receituário familiar para os seus cardápios – com as devidas modificações, cada elemento tratado com esmero e técnica e, sim, mais sofisticadas. 

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Comprometido a fazer uma ode ao Brasil, o Caos Brasilis aposta em releituras de clássicos da nossa gastronomia. Desenvolvido pelo confeiteiro Fabrício Luminato, o menu de sobremesas segue essa premissa à risca – sem estrangeirismos. Entre as criações para a estreia da casa, o “É pavê ou pacumê?” é a sua versão gastronômica do doce que faz parte de qualquer família brasileira. Nas mãos de Luminato, ganhou novas formas.

Sai a travessa, entra a criatividade do chef: ganaches cremosos de chocolate branco e outra camada de ganache de cacau 70%, farofinha de oleaginosas brasileiras e biscoitos de maisena com toque de pimenta-de-macaco (feitos na casa, claro). Quase irreconhecível ao olhar – mas, no paladar, traz a lembrança do doce de Pirex.

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Para o novo menu, Luminato seguiu olhando para a sua infância. “Cresci vendo minha avó cozinhando e, até hoje, volto ao livro da Dona Benta, que ela sempre mantinha ao alcance das mãos, para me inspirar”, conta. “Faço as adaptações necessárias, tiro o açúcar e o leite condensado em excesso, e dou meus toques para equilibrar e intrigar.” Sua última criação é uma versão de bolo de rolo pernambucano, mas com chocolate: a massa de bolo fininha é enrolada com gel de mel de cacau, servida acompanhada de chantilly de paçoca e praliné de nibs. 

Herança

As memórias da cozinha da família também serviram como inspiração para as criações dos chefs Julia Tricate e Gabriel Coelho, dupla que comanda o De Segunda. Como o próprio nome entrega, a casa aposta em uma cozinha que busca subverter o tom pejorativo da expressão, e que tacham receitas como inapropriadas para a cozinha de certos restaurantes. A lista das sobremesas confirma: tem quindim, pudim e o tradicional queijo com goiabada – mas quando chegam à mesa, em nada se parecem com a versão original. 

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Servido na taça, o doce de gemas passa pelo termocirculador para se transformar em uma calda cremosa, vertida sobre o sorvete de coco feito na casa. Sentiu falta de algo? A base de coco queimadinha indispensável pelos amantes de quindim, entra no coquinho caramelizado, “como esses de praça, bem crocante”, escondido embaixo do sorvete. É finalizado com uma telha de merengue com pó de manga. “É uma sobremesa que sempre teve nas comemorações da minha família, o que fizemos foi empregar novas técnicas”, conta Júlia. 

Já o pudim vem dos cadernos da avó de Gabriel. “É fora de série, de chocolate, bem denso, tipo um brigadeirão”, entrega a parceira. E o tal pudim é tudo isso, denso, cremoso, lisinho e bem chocolatudo. É servido com sorvete de maracujá, “para dar equilíbrio”, explica Júlia, crumble de cacau, para dar a crocância, e óleo de menta, para dar frescor. “Na hora de definir o cardápio, além de sabor, os pratos tinham de fazer sentido para nós, contar uma história”, diz Júlia. 

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Doce envergonhado

Típica solução econômica, de improviso para aproveitar o que restou de pão francês amanhecido, o pudim de pão é outro velho conhecido da cozinha trivial. Mas apesar de simples, está aberto à criatividade do cozinheiro. É o que fez e faz o casal Giovana Perrone e Rodrigo Aguiar, da Casa Rios, no Tatuapé. Vez ou outra, o pudim de pão surge no cardápio do menu executivo que muda a cada semana. “No almoço, buscamos servir pratos mais familiares para o público, pegamos receitas conhecidas e fazemos do nosso jeito”, explica Perrone. 

Pudim de pão tostado com compota de tangerina no menuexecutivo do Casa Rios Foto: Giuliana Nogueira
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Tudo bem, não é qualquer pudim de pão adormecido. Eles usam as broas de milho que assam diariamente na casa para o couvert. As sobras são torradas e, em seguida, infusionadas em leite para fazer o pudim, servido com compota de tangerina ou da fruta da estação. “É uma forma de evitar desperdício, e também mostrar que, se bem-feito, tudo fica gostoso e merece um espaço na gastronomia.” 

Quindim do De Segunda, versão dos chefs para a sobremesa de família Foto: Rubens Kato

Pode haver sobremesa com mais cara de caseira do que uma travessa de pavê? De vidro, claro, com as camadas à vista: biscoitos (geralmente champanhe) embebidos em alguma calda, um creme básico de gemas, leite condensado e leite por cima, cobertos com cacau ou nozes polvilhados.

Talvez por isso, pela sua simplicidade, sempre acompanhado da piadinha infame proferida por 11 entre cada 10 tios – “é pavê ou pra comer?” –, que essa sobremesa é uma das vítimas mais frequentes do preconceito gastronômico.

Por mais que ela possa estar à mesa num almoço informal de domingo, era, até então, raramente vista em uma refeição com ares mais sofisticados – encontrá-la no menu de sobremesas dos restaurantes então, nem se fala. Predominam em abundância tiramisús, entremets e sobremesas desconstruídas – aqueles pratos repletos de pingos coloridos, géis e quenelles de sabores inusitados. Mas nada de pavê.

Bolo de rolo de chocolate do CaosBrasilis Foto: Bronko Jr.

Mas os tabus estão caindo. Restaurantes autorais, e seus chefs e confeiteiros, estão trazendo as sobremesas do receituário familiar para os seus cardápios – com as devidas modificações, cada elemento tratado com esmero e técnica e, sim, mais sofisticadas. 

Comprometido a fazer uma ode ao Brasil, o Caos Brasilis aposta em releituras de clássicos da nossa gastronomia. Desenvolvido pelo confeiteiro Fabrício Luminato, o menu de sobremesas segue essa premissa à risca – sem estrangeirismos. Entre as criações para a estreia da casa, o “É pavê ou pacumê?” é a sua versão gastronômica do doce que faz parte de qualquer família brasileira. Nas mãos de Luminato, ganhou novas formas.

Sai a travessa, entra a criatividade do chef: ganaches cremosos de chocolate branco e outra camada de ganache de cacau 70%, farofinha de oleaginosas brasileiras e biscoitos de maisena com toque de pimenta-de-macaco (feitos na casa, claro). Quase irreconhecível ao olhar – mas, no paladar, traz a lembrança do doce de Pirex.

Para o novo menu, Luminato seguiu olhando para a sua infância. “Cresci vendo minha avó cozinhando e, até hoje, volto ao livro da Dona Benta, que ela sempre mantinha ao alcance das mãos, para me inspirar”, conta. “Faço as adaptações necessárias, tiro o açúcar e o leite condensado em excesso, e dou meus toques para equilibrar e intrigar.” Sua última criação é uma versão de bolo de rolo pernambucano, mas com chocolate: a massa de bolo fininha é enrolada com gel de mel de cacau, servida acompanhada de chantilly de paçoca e praliné de nibs. 

Herança

As memórias da cozinha da família também serviram como inspiração para as criações dos chefs Julia Tricate e Gabriel Coelho, dupla que comanda o De Segunda. Como o próprio nome entrega, a casa aposta em uma cozinha que busca subverter o tom pejorativo da expressão, e que tacham receitas como inapropriadas para a cozinha de certos restaurantes. A lista das sobremesas confirma: tem quindim, pudim e o tradicional queijo com goiabada – mas quando chegam à mesa, em nada se parecem com a versão original. 

Servido na taça, o doce de gemas passa pelo termocirculador para se transformar em uma calda cremosa, vertida sobre o sorvete de coco feito na casa. Sentiu falta de algo? A base de coco queimadinha indispensável pelos amantes de quindim, entra no coquinho caramelizado, “como esses de praça, bem crocante”, escondido embaixo do sorvete. É finalizado com uma telha de merengue com pó de manga. “É uma sobremesa que sempre teve nas comemorações da minha família, o que fizemos foi empregar novas técnicas”, conta Júlia. 

Já o pudim vem dos cadernos da avó de Gabriel. “É fora de série, de chocolate, bem denso, tipo um brigadeirão”, entrega a parceira. E o tal pudim é tudo isso, denso, cremoso, lisinho e bem chocolatudo. É servido com sorvete de maracujá, “para dar equilíbrio”, explica Júlia, crumble de cacau, para dar a crocância, e óleo de menta, para dar frescor. “Na hora de definir o cardápio, além de sabor, os pratos tinham de fazer sentido para nós, contar uma história”, diz Júlia. 

Doce envergonhado

Típica solução econômica, de improviso para aproveitar o que restou de pão francês amanhecido, o pudim de pão é outro velho conhecido da cozinha trivial. Mas apesar de simples, está aberto à criatividade do cozinheiro. É o que fez e faz o casal Giovana Perrone e Rodrigo Aguiar, da Casa Rios, no Tatuapé. Vez ou outra, o pudim de pão surge no cardápio do menu executivo que muda a cada semana. “No almoço, buscamos servir pratos mais familiares para o público, pegamos receitas conhecidas e fazemos do nosso jeito”, explica Perrone. 

Pudim de pão tostado com compota de tangerina no menuexecutivo do Casa Rios Foto: Giuliana Nogueira

Tudo bem, não é qualquer pudim de pão adormecido. Eles usam as broas de milho que assam diariamente na casa para o couvert. As sobras são torradas e, em seguida, infusionadas em leite para fazer o pudim, servido com compota de tangerina ou da fruta da estação. “É uma forma de evitar desperdício, e também mostrar que, se bem-feito, tudo fica gostoso e merece um espaço na gastronomia.” 

Quindim do De Segunda, versão dos chefs para a sobremesa de família Foto: Rubens Kato

Pode haver sobremesa com mais cara de caseira do que uma travessa de pavê? De vidro, claro, com as camadas à vista: biscoitos (geralmente champanhe) embebidos em alguma calda, um creme básico de gemas, leite condensado e leite por cima, cobertos com cacau ou nozes polvilhados.

Talvez por isso, pela sua simplicidade, sempre acompanhado da piadinha infame proferida por 11 entre cada 10 tios – “é pavê ou pra comer?” –, que essa sobremesa é uma das vítimas mais frequentes do preconceito gastronômico.

Por mais que ela possa estar à mesa num almoço informal de domingo, era, até então, raramente vista em uma refeição com ares mais sofisticados – encontrá-la no menu de sobremesas dos restaurantes então, nem se fala. Predominam em abundância tiramisús, entremets e sobremesas desconstruídas – aqueles pratos repletos de pingos coloridos, géis e quenelles de sabores inusitados. Mas nada de pavê.

Bolo de rolo de chocolate do CaosBrasilis Foto: Bronko Jr.

Mas os tabus estão caindo. Restaurantes autorais, e seus chefs e confeiteiros, estão trazendo as sobremesas do receituário familiar para os seus cardápios – com as devidas modificações, cada elemento tratado com esmero e técnica e, sim, mais sofisticadas. 

Comprometido a fazer uma ode ao Brasil, o Caos Brasilis aposta em releituras de clássicos da nossa gastronomia. Desenvolvido pelo confeiteiro Fabrício Luminato, o menu de sobremesas segue essa premissa à risca – sem estrangeirismos. Entre as criações para a estreia da casa, o “É pavê ou pacumê?” é a sua versão gastronômica do doce que faz parte de qualquer família brasileira. Nas mãos de Luminato, ganhou novas formas.

Sai a travessa, entra a criatividade do chef: ganaches cremosos de chocolate branco e outra camada de ganache de cacau 70%, farofinha de oleaginosas brasileiras e biscoitos de maisena com toque de pimenta-de-macaco (feitos na casa, claro). Quase irreconhecível ao olhar – mas, no paladar, traz a lembrança do doce de Pirex.

Para o novo menu, Luminato seguiu olhando para a sua infância. “Cresci vendo minha avó cozinhando e, até hoje, volto ao livro da Dona Benta, que ela sempre mantinha ao alcance das mãos, para me inspirar”, conta. “Faço as adaptações necessárias, tiro o açúcar e o leite condensado em excesso, e dou meus toques para equilibrar e intrigar.” Sua última criação é uma versão de bolo de rolo pernambucano, mas com chocolate: a massa de bolo fininha é enrolada com gel de mel de cacau, servida acompanhada de chantilly de paçoca e praliné de nibs. 

Herança

As memórias da cozinha da família também serviram como inspiração para as criações dos chefs Julia Tricate e Gabriel Coelho, dupla que comanda o De Segunda. Como o próprio nome entrega, a casa aposta em uma cozinha que busca subverter o tom pejorativo da expressão, e que tacham receitas como inapropriadas para a cozinha de certos restaurantes. A lista das sobremesas confirma: tem quindim, pudim e o tradicional queijo com goiabada – mas quando chegam à mesa, em nada se parecem com a versão original. 

Servido na taça, o doce de gemas passa pelo termocirculador para se transformar em uma calda cremosa, vertida sobre o sorvete de coco feito na casa. Sentiu falta de algo? A base de coco queimadinha indispensável pelos amantes de quindim, entra no coquinho caramelizado, “como esses de praça, bem crocante”, escondido embaixo do sorvete. É finalizado com uma telha de merengue com pó de manga. “É uma sobremesa que sempre teve nas comemorações da minha família, o que fizemos foi empregar novas técnicas”, conta Júlia. 

Já o pudim vem dos cadernos da avó de Gabriel. “É fora de série, de chocolate, bem denso, tipo um brigadeirão”, entrega a parceira. E o tal pudim é tudo isso, denso, cremoso, lisinho e bem chocolatudo. É servido com sorvete de maracujá, “para dar equilíbrio”, explica Júlia, crumble de cacau, para dar a crocância, e óleo de menta, para dar frescor. “Na hora de definir o cardápio, além de sabor, os pratos tinham de fazer sentido para nós, contar uma história”, diz Júlia. 

Doce envergonhado

Típica solução econômica, de improviso para aproveitar o que restou de pão francês amanhecido, o pudim de pão é outro velho conhecido da cozinha trivial. Mas apesar de simples, está aberto à criatividade do cozinheiro. É o que fez e faz o casal Giovana Perrone e Rodrigo Aguiar, da Casa Rios, no Tatuapé. Vez ou outra, o pudim de pão surge no cardápio do menu executivo que muda a cada semana. “No almoço, buscamos servir pratos mais familiares para o público, pegamos receitas conhecidas e fazemos do nosso jeito”, explica Perrone. 

Pudim de pão tostado com compota de tangerina no menuexecutivo do Casa Rios Foto: Giuliana Nogueira

Tudo bem, não é qualquer pudim de pão adormecido. Eles usam as broas de milho que assam diariamente na casa para o couvert. As sobras são torradas e, em seguida, infusionadas em leite para fazer o pudim, servido com compota de tangerina ou da fruta da estação. “É uma forma de evitar desperdício, e também mostrar que, se bem-feito, tudo fica gostoso e merece um espaço na gastronomia.” 

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