Na Austrália, Noma busca ingredientes e inspiração


Restaurante de Copenhague, comandado por René Redzepi, assume desafio criativo de cozinhar com ingredientes silvestres achados pelo continente australiano

Por Jeff Gordinier

The New York Times De Sydney

No cardápio que chega à mesa ao final da refeição, ele é descrito apenas como "haliote empanado e acompanhamento silvestres". 

Mas essas palavras não fazem justiça à deliciosa excentricidade do prato, parte da temporada de 2 meses e meio montada aqui em Sydney, até 2 de abril, pela equipe do Noma, o restaurante de Copenhague famoso por coletar ingredientes nativos e combiná-los em um novo tipo de gastronomia contemporânea.

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Noma na Austrália

1 | 13

Ajuda local

Foto: Paul van Kan/NYT
2 | 13

Gente da terra

Foto: Paul van Kan/NYT
3 | 13

Haliote empanado e acompanhamento silvestres

Foto: Paul van Kan/NYT
4 | 13

René Redzepi

Foto: Paul van Ken/NYT
5 | 13

Pop-up

Foto: Paul van Kan/NYT
6 | 13

J.E.Holland

Foto: Paul van Kan/NYT
7 | 13

Homenagem

Foto: Paul van Kan/NYT
8 | 13

Diversidade transcultural

Foto: Paul van Kan/NYT
9 | 13

Novidade no prato

Foto: Paul van Kan/NYT
10 | 13

Difícil acesso

Foto: Paul van Kan/Estadão
11 | 13

Silvestres

Foto: Paul van Kan/NYT
12 | 13

Novas texturas

Foto: Paul van Kan/NYT
13 | 13

Intinerante

Foto: Paul van Kan/NYT

Clique aqui para ver as fotos em tamanho maior.   Mais parecendo um prato típico do Sêder de uma das luas de Saturno, o empanado envolve meio disco, macio e crocante, de haliote (espécie de molusco marinho) cercado por uma série verde de delícias locais – algumas inclusive tão obscuras que a maioria dos australianos jamais pensaria em comê-las. Tem a Hormosira banksii, conhecida aqui como Colar de Netuno (Neptune's necklace), uma alga marinha cujos favos salgadinhos explodem na boca; o caviar cítrico da Austrália, cujas cápsulas minúsculas, como o nome diz, oferecem um sabor azedinho; a Lomandra longifolia, abundante ao longo da costa, parecida com o alho-poró; e até a pinha bunia, que deve ter sido o petisco favorito dos dinossauros, além de outra variedade natural de uma árvore da floresta tropical chamada Athertonia diversifolia. "Aqui tem surpresa, e das genuínas. É o grande diferencial", diz René Redzepi, o chef que transformou o Noma em nome internacional ao longo da última década. Na Dinamarca, Redzepi e seus chefs trabalham com nomes como Michael Larsen, o coletor oficial do restaurante, que cria pratos baseado em ingredientes silvestres da paisagem escandinava. O desafio criativo que ele assumiu aqui é tentar fazer o mesmo com wattleseed (semente de um tipo de acácia), Ranina ranina (um caranguejo local) e a ave aquática Anseranas semipalmata – ingredientes de que, até poucos meses atrás, conhecia muito pouco.

Haliote empanado e acompanhamento silvestres. Foto: Paul van Kan|NYT
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Polinização transcultural. Antes que os céticos de plantão comecem a reclamar de apropriação cultural e de um bando de dinamarqueses "descobrindo" antigas fontes de nutrição, é importante notar que a equipe do Noma é diversa, recheada de talentos de várias partes do mundo: Ásia, América Latina, América do Norte (EUA, ou melhor, Nova York) e a própria Austrália. De uns tempos para cá, esse tipo de polinização transcultural se tornou um objetivo comum nos círculos culinários. Alinea, o restaurante pioneiro de Chicago, recentemente criou um pop-up na Espanha; há várias semanas, o Bo Bech, de Copenhague, comanda a versão temporária de seu "Bride of the Fox" em Nova York; a chef Niki Nakayama, descendente de japoneses, criou uma abordagem kaiseki no n/naka, seu ateliê em Los Angeles, usando a matéria-prima californiana. Para reforçar seu conhecimento sobre as espécies que crescem na Austrália, depois de montar um pop-up semelhante no Japão, em 2015, Redzepi e Larsen se voltaram para a gente da terra – como E.J. Holland, um chef de 23 anos voraz e eloquente que tem a mania de sair correndo para o meio do mato, sem camisa e descalço, com uma faca na mão para recolher ingredientes. Junto com um grupo de aprendizes do Noma – e geralmente em parceria com Larsen –, quase todo dia, Holland levanta antes do amanhecer e passa horas caminhando na região das Blue Mountains, nas encostas cobertas de agrião perto das famosas ondas de Bondi, e nos subúrbios pacatos para recolher plantas comestíveis. "Essas são pimenteiras. Cobertas de pimenta-rosa, ainda por cima", anunciou, acenando com a cabeça na nossa expedição recente, enquanto passava por uma rua qualquer da cidade. Funcho silvestre, limão Aspen, Commelina cyanea, uma erva diáfana chamada aipo-bravo – Holland parece ter o dom de reconhecê-las de canto de olho enquanto dirige. (Uma vez ele descobriu um suprimento imenso de alho selvagem só porque conseguiu sentir o cheiro durante uma corrida na praia.) Encosta a caminhonete no acostamento da rodovia para colher as folhagens que os clientes do Noma muito provavelmente devorarão na mesma noite. "Isto é cambará", reconhece. (No cardápio do Noma, as folhas delicadas acompanham uma torta de vieiras.)

Holland passa horas caminhando na região das Blue Mountains e nos subúrbios pacatos para recolher plantas comestíveis, como o funcho silvestre. Foto: Paul van Kan|NYT

"Está vendo isto aqui? Estas folhas? Esta belezura é o gengibre selvagem", ensina. Estica a mão para pegar um punhado de frutinhas rosa-escuro ao mesmo tempo em que reconhece outra planta ali no acostamento. "Esta é a lilly pilly (Acmena smithii). Para falar a verdade, quase tudo o que tem aqui cresce em qualquer lugar", confessa. Só que crescem em locais de difícil acesso e uma das qualidades de Holland é o conhecimento de onde podem estar esses tesouros ocultos. Quando Redzepi estava procurando espécies australianas, Holland apareceu com a caminhonete lotada de opções curiosas, em quantidades suficientes para cobrir duas mesas grandes depois de desembaladas. Redzepi ficou impressionado; Holland, sem ação. "Ele falou comigo como se fosse meu camarada, o que eu achei bem legal. Tenho os livros deles há séculos. Foi meu mentor antes mesmo de ter a chance de conhecê-lo", conta Holland.Austrália no prato. Há muitos restaurantes australianos famosos – como o Rockpool, Sepia, Bennelong e Billy Kwong in Sydney, além do Attica, em Melbourne – que trabalham com ingredientes nativos, mas Redzepi é dinamarquês (com um pé na Macedônia, terra natal de seu pai) e apaixonado pelas plantas, sementes, nozes, juncos e criaturas marinhas mais antigos. Sem assistência local, a imensidão de um continente inteiro seria, no mínimo, paralisante. "Aqui na Austrália tem muita coisa. É como se a gente levasse as coisas da Dinamarca para o Marrocos, ou para Jerusalém." Aos olhos de Redzepi, o cardápio do Noma Austrália, com sua cota de ingredientes reunidos por Holland e Larsen é, de certa forma, uma homenagem ao povo aborígene que dependia deles. "Eles tinham seu jeito próprio de cozinhar e sobreviveram milhares de anos. Não estamos fazendo nada novo, apenas manipulando coisas que são tão velhas como o próprio tempo", filosofa. Acontece que os sabores e as texturas são novas, sim – e até chocantes – para a maioria da clientela do pop-up.

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"Para falar a verdade, é o único restaurante do mundo no momento onde se encontra algo assim. Quais as chances que se tem de provar uma coisa totalmente nova?", conclui Redzepi.

The New York Times De Sydney

No cardápio que chega à mesa ao final da refeição, ele é descrito apenas como "haliote empanado e acompanhamento silvestres". 

Mas essas palavras não fazem justiça à deliciosa excentricidade do prato, parte da temporada de 2 meses e meio montada aqui em Sydney, até 2 de abril, pela equipe do Noma, o restaurante de Copenhague famoso por coletar ingredientes nativos e combiná-los em um novo tipo de gastronomia contemporânea.

Noma na Austrália

1 | 13

Ajuda local

Foto: Paul van Kan/NYT
2 | 13

Gente da terra

Foto: Paul van Kan/NYT
3 | 13

Haliote empanado e acompanhamento silvestres

Foto: Paul van Kan/NYT
4 | 13

René Redzepi

Foto: Paul van Ken/NYT
5 | 13

Pop-up

Foto: Paul van Kan/NYT
6 | 13

J.E.Holland

Foto: Paul van Kan/NYT
7 | 13

Homenagem

Foto: Paul van Kan/NYT
8 | 13

Diversidade transcultural

Foto: Paul van Kan/NYT
9 | 13

Novidade no prato

Foto: Paul van Kan/NYT
10 | 13

Difícil acesso

Foto: Paul van Kan/Estadão
11 | 13

Silvestres

Foto: Paul van Kan/NYT
12 | 13

Novas texturas

Foto: Paul van Kan/NYT
13 | 13

Intinerante

Foto: Paul van Kan/NYT

Clique aqui para ver as fotos em tamanho maior.   Mais parecendo um prato típico do Sêder de uma das luas de Saturno, o empanado envolve meio disco, macio e crocante, de haliote (espécie de molusco marinho) cercado por uma série verde de delícias locais – algumas inclusive tão obscuras que a maioria dos australianos jamais pensaria em comê-las. Tem a Hormosira banksii, conhecida aqui como Colar de Netuno (Neptune's necklace), uma alga marinha cujos favos salgadinhos explodem na boca; o caviar cítrico da Austrália, cujas cápsulas minúsculas, como o nome diz, oferecem um sabor azedinho; a Lomandra longifolia, abundante ao longo da costa, parecida com o alho-poró; e até a pinha bunia, que deve ter sido o petisco favorito dos dinossauros, além de outra variedade natural de uma árvore da floresta tropical chamada Athertonia diversifolia. "Aqui tem surpresa, e das genuínas. É o grande diferencial", diz René Redzepi, o chef que transformou o Noma em nome internacional ao longo da última década. Na Dinamarca, Redzepi e seus chefs trabalham com nomes como Michael Larsen, o coletor oficial do restaurante, que cria pratos baseado em ingredientes silvestres da paisagem escandinava. O desafio criativo que ele assumiu aqui é tentar fazer o mesmo com wattleseed (semente de um tipo de acácia), Ranina ranina (um caranguejo local) e a ave aquática Anseranas semipalmata – ingredientes de que, até poucos meses atrás, conhecia muito pouco.

Haliote empanado e acompanhamento silvestres. Foto: Paul van Kan|NYT

Polinização transcultural. Antes que os céticos de plantão comecem a reclamar de apropriação cultural e de um bando de dinamarqueses "descobrindo" antigas fontes de nutrição, é importante notar que a equipe do Noma é diversa, recheada de talentos de várias partes do mundo: Ásia, América Latina, América do Norte (EUA, ou melhor, Nova York) e a própria Austrália. De uns tempos para cá, esse tipo de polinização transcultural se tornou um objetivo comum nos círculos culinários. Alinea, o restaurante pioneiro de Chicago, recentemente criou um pop-up na Espanha; há várias semanas, o Bo Bech, de Copenhague, comanda a versão temporária de seu "Bride of the Fox" em Nova York; a chef Niki Nakayama, descendente de japoneses, criou uma abordagem kaiseki no n/naka, seu ateliê em Los Angeles, usando a matéria-prima californiana. Para reforçar seu conhecimento sobre as espécies que crescem na Austrália, depois de montar um pop-up semelhante no Japão, em 2015, Redzepi e Larsen se voltaram para a gente da terra – como E.J. Holland, um chef de 23 anos voraz e eloquente que tem a mania de sair correndo para o meio do mato, sem camisa e descalço, com uma faca na mão para recolher ingredientes. Junto com um grupo de aprendizes do Noma – e geralmente em parceria com Larsen –, quase todo dia, Holland levanta antes do amanhecer e passa horas caminhando na região das Blue Mountains, nas encostas cobertas de agrião perto das famosas ondas de Bondi, e nos subúrbios pacatos para recolher plantas comestíveis. "Essas são pimenteiras. Cobertas de pimenta-rosa, ainda por cima", anunciou, acenando com a cabeça na nossa expedição recente, enquanto passava por uma rua qualquer da cidade. Funcho silvestre, limão Aspen, Commelina cyanea, uma erva diáfana chamada aipo-bravo – Holland parece ter o dom de reconhecê-las de canto de olho enquanto dirige. (Uma vez ele descobriu um suprimento imenso de alho selvagem só porque conseguiu sentir o cheiro durante uma corrida na praia.) Encosta a caminhonete no acostamento da rodovia para colher as folhagens que os clientes do Noma muito provavelmente devorarão na mesma noite. "Isto é cambará", reconhece. (No cardápio do Noma, as folhas delicadas acompanham uma torta de vieiras.)

Holland passa horas caminhando na região das Blue Mountains e nos subúrbios pacatos para recolher plantas comestíveis, como o funcho silvestre. Foto: Paul van Kan|NYT

"Está vendo isto aqui? Estas folhas? Esta belezura é o gengibre selvagem", ensina. Estica a mão para pegar um punhado de frutinhas rosa-escuro ao mesmo tempo em que reconhece outra planta ali no acostamento. "Esta é a lilly pilly (Acmena smithii). Para falar a verdade, quase tudo o que tem aqui cresce em qualquer lugar", confessa. Só que crescem em locais de difícil acesso e uma das qualidades de Holland é o conhecimento de onde podem estar esses tesouros ocultos. Quando Redzepi estava procurando espécies australianas, Holland apareceu com a caminhonete lotada de opções curiosas, em quantidades suficientes para cobrir duas mesas grandes depois de desembaladas. Redzepi ficou impressionado; Holland, sem ação. "Ele falou comigo como se fosse meu camarada, o que eu achei bem legal. Tenho os livros deles há séculos. Foi meu mentor antes mesmo de ter a chance de conhecê-lo", conta Holland.Austrália no prato. Há muitos restaurantes australianos famosos – como o Rockpool, Sepia, Bennelong e Billy Kwong in Sydney, além do Attica, em Melbourne – que trabalham com ingredientes nativos, mas Redzepi é dinamarquês (com um pé na Macedônia, terra natal de seu pai) e apaixonado pelas plantas, sementes, nozes, juncos e criaturas marinhas mais antigos. Sem assistência local, a imensidão de um continente inteiro seria, no mínimo, paralisante. "Aqui na Austrália tem muita coisa. É como se a gente levasse as coisas da Dinamarca para o Marrocos, ou para Jerusalém." Aos olhos de Redzepi, o cardápio do Noma Austrália, com sua cota de ingredientes reunidos por Holland e Larsen é, de certa forma, uma homenagem ao povo aborígene que dependia deles. "Eles tinham seu jeito próprio de cozinhar e sobreviveram milhares de anos. Não estamos fazendo nada novo, apenas manipulando coisas que são tão velhas como o próprio tempo", filosofa. Acontece que os sabores e as texturas são novas, sim – e até chocantes – para a maioria da clientela do pop-up.

"Para falar a verdade, é o único restaurante do mundo no momento onde se encontra algo assim. Quais as chances que se tem de provar uma coisa totalmente nova?", conclui Redzepi.

The New York Times De Sydney

No cardápio que chega à mesa ao final da refeição, ele é descrito apenas como "haliote empanado e acompanhamento silvestres". 

Mas essas palavras não fazem justiça à deliciosa excentricidade do prato, parte da temporada de 2 meses e meio montada aqui em Sydney, até 2 de abril, pela equipe do Noma, o restaurante de Copenhague famoso por coletar ingredientes nativos e combiná-los em um novo tipo de gastronomia contemporânea.

Noma na Austrália

1 | 13

Ajuda local

Foto: Paul van Kan/NYT
2 | 13

Gente da terra

Foto: Paul van Kan/NYT
3 | 13

Haliote empanado e acompanhamento silvestres

Foto: Paul van Kan/NYT
4 | 13

René Redzepi

Foto: Paul van Ken/NYT
5 | 13

Pop-up

Foto: Paul van Kan/NYT
6 | 13

J.E.Holland

Foto: Paul van Kan/NYT
7 | 13

Homenagem

Foto: Paul van Kan/NYT
8 | 13

Diversidade transcultural

Foto: Paul van Kan/NYT
9 | 13

Novidade no prato

Foto: Paul van Kan/NYT
10 | 13

Difícil acesso

Foto: Paul van Kan/Estadão
11 | 13

Silvestres

Foto: Paul van Kan/NYT
12 | 13

Novas texturas

Foto: Paul van Kan/NYT
13 | 13

Intinerante

Foto: Paul van Kan/NYT

Clique aqui para ver as fotos em tamanho maior.   Mais parecendo um prato típico do Sêder de uma das luas de Saturno, o empanado envolve meio disco, macio e crocante, de haliote (espécie de molusco marinho) cercado por uma série verde de delícias locais – algumas inclusive tão obscuras que a maioria dos australianos jamais pensaria em comê-las. Tem a Hormosira banksii, conhecida aqui como Colar de Netuno (Neptune's necklace), uma alga marinha cujos favos salgadinhos explodem na boca; o caviar cítrico da Austrália, cujas cápsulas minúsculas, como o nome diz, oferecem um sabor azedinho; a Lomandra longifolia, abundante ao longo da costa, parecida com o alho-poró; e até a pinha bunia, que deve ter sido o petisco favorito dos dinossauros, além de outra variedade natural de uma árvore da floresta tropical chamada Athertonia diversifolia. "Aqui tem surpresa, e das genuínas. É o grande diferencial", diz René Redzepi, o chef que transformou o Noma em nome internacional ao longo da última década. Na Dinamarca, Redzepi e seus chefs trabalham com nomes como Michael Larsen, o coletor oficial do restaurante, que cria pratos baseado em ingredientes silvestres da paisagem escandinava. O desafio criativo que ele assumiu aqui é tentar fazer o mesmo com wattleseed (semente de um tipo de acácia), Ranina ranina (um caranguejo local) e a ave aquática Anseranas semipalmata – ingredientes de que, até poucos meses atrás, conhecia muito pouco.

Haliote empanado e acompanhamento silvestres. Foto: Paul van Kan|NYT

Polinização transcultural. Antes que os céticos de plantão comecem a reclamar de apropriação cultural e de um bando de dinamarqueses "descobrindo" antigas fontes de nutrição, é importante notar que a equipe do Noma é diversa, recheada de talentos de várias partes do mundo: Ásia, América Latina, América do Norte (EUA, ou melhor, Nova York) e a própria Austrália. De uns tempos para cá, esse tipo de polinização transcultural se tornou um objetivo comum nos círculos culinários. Alinea, o restaurante pioneiro de Chicago, recentemente criou um pop-up na Espanha; há várias semanas, o Bo Bech, de Copenhague, comanda a versão temporária de seu "Bride of the Fox" em Nova York; a chef Niki Nakayama, descendente de japoneses, criou uma abordagem kaiseki no n/naka, seu ateliê em Los Angeles, usando a matéria-prima californiana. Para reforçar seu conhecimento sobre as espécies que crescem na Austrália, depois de montar um pop-up semelhante no Japão, em 2015, Redzepi e Larsen se voltaram para a gente da terra – como E.J. Holland, um chef de 23 anos voraz e eloquente que tem a mania de sair correndo para o meio do mato, sem camisa e descalço, com uma faca na mão para recolher ingredientes. Junto com um grupo de aprendizes do Noma – e geralmente em parceria com Larsen –, quase todo dia, Holland levanta antes do amanhecer e passa horas caminhando na região das Blue Mountains, nas encostas cobertas de agrião perto das famosas ondas de Bondi, e nos subúrbios pacatos para recolher plantas comestíveis. "Essas são pimenteiras. Cobertas de pimenta-rosa, ainda por cima", anunciou, acenando com a cabeça na nossa expedição recente, enquanto passava por uma rua qualquer da cidade. Funcho silvestre, limão Aspen, Commelina cyanea, uma erva diáfana chamada aipo-bravo – Holland parece ter o dom de reconhecê-las de canto de olho enquanto dirige. (Uma vez ele descobriu um suprimento imenso de alho selvagem só porque conseguiu sentir o cheiro durante uma corrida na praia.) Encosta a caminhonete no acostamento da rodovia para colher as folhagens que os clientes do Noma muito provavelmente devorarão na mesma noite. "Isto é cambará", reconhece. (No cardápio do Noma, as folhas delicadas acompanham uma torta de vieiras.)

Holland passa horas caminhando na região das Blue Mountains e nos subúrbios pacatos para recolher plantas comestíveis, como o funcho silvestre. Foto: Paul van Kan|NYT

"Está vendo isto aqui? Estas folhas? Esta belezura é o gengibre selvagem", ensina. Estica a mão para pegar um punhado de frutinhas rosa-escuro ao mesmo tempo em que reconhece outra planta ali no acostamento. "Esta é a lilly pilly (Acmena smithii). Para falar a verdade, quase tudo o que tem aqui cresce em qualquer lugar", confessa. Só que crescem em locais de difícil acesso e uma das qualidades de Holland é o conhecimento de onde podem estar esses tesouros ocultos. Quando Redzepi estava procurando espécies australianas, Holland apareceu com a caminhonete lotada de opções curiosas, em quantidades suficientes para cobrir duas mesas grandes depois de desembaladas. Redzepi ficou impressionado; Holland, sem ação. "Ele falou comigo como se fosse meu camarada, o que eu achei bem legal. Tenho os livros deles há séculos. Foi meu mentor antes mesmo de ter a chance de conhecê-lo", conta Holland.Austrália no prato. Há muitos restaurantes australianos famosos – como o Rockpool, Sepia, Bennelong e Billy Kwong in Sydney, além do Attica, em Melbourne – que trabalham com ingredientes nativos, mas Redzepi é dinamarquês (com um pé na Macedônia, terra natal de seu pai) e apaixonado pelas plantas, sementes, nozes, juncos e criaturas marinhas mais antigos. Sem assistência local, a imensidão de um continente inteiro seria, no mínimo, paralisante. "Aqui na Austrália tem muita coisa. É como se a gente levasse as coisas da Dinamarca para o Marrocos, ou para Jerusalém." Aos olhos de Redzepi, o cardápio do Noma Austrália, com sua cota de ingredientes reunidos por Holland e Larsen é, de certa forma, uma homenagem ao povo aborígene que dependia deles. "Eles tinham seu jeito próprio de cozinhar e sobreviveram milhares de anos. Não estamos fazendo nada novo, apenas manipulando coisas que são tão velhas como o próprio tempo", filosofa. Acontece que os sabores e as texturas são novas, sim – e até chocantes – para a maioria da clientela do pop-up.

"Para falar a verdade, é o único restaurante do mundo no momento onde se encontra algo assim. Quais as chances que se tem de provar uma coisa totalmente nova?", conclui Redzepi.

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