Foi numa mesa de bar, pensando sobre o futuro como funcionários de uma multinacional, que Edgard Bueno da Costa, Ricardo Garrido e Sérgio Bueno de Camargo pensaram como seria a vida de cada um deles se começassem a ganhar dinheiro de bar -- e não o contrário.
Vem conversa, vai conversa e o negócio ficou sério. Em 1996, os três amigos -- ao lado de Fernando Grinberg, Mario Gorski e, posteriormente, André Lima -- fundaram a Cia. Tradicional de Comércio. A ideia, no início, era ser uma empresa com marcas de bares espalhadas pelo País. Com o tempo, porém, a ideia foi além e abraçaram a gastronomia.
Tudo começou com o bar Original, em Moema, que sempre buscou resgatar a simplicidade e informalidade dos botequins antigos. Hoje, ainda são os responsáveis por Pirajá, Astor, SubAstor, Bráz, Lanchonete da Cidade, Ici Brasserie, dentre outros bares e restaurantes. A marca, depois dessa conversa de bar, se tornou um dos nomes mais fortes no meio do mercado gastronômico.
Ao Paladar, Ricardo Garrido compartilha suas perspectivas sobre os desafios do mercado gastronômico, a importância da gestão de talentos, a adaptação às mudanças no comportamento do consumidor e a necessidade de resiliência frente a eventos macro.
Ele também fala sobre a inovação no setor, o posicionamento do Brasil no mercado global e as visões futuras para a Cia Tradicional de Comércio. “Hoje, a capacidade de inovação é fundamental”, diz o executivo. A seguir, confira os melhores trechos do papo com Garrido.
Quais os principais desafios que existem, hoje, no mercado de gastronomia? Como superar isso?
Ricardo Garrido: Você começou com uma questão importante. Realmente, os desafios no setor são múltiplos e complexos. O setor de gastronomia é multifacetado, com aspectos de varejo, indústria, contato direto com o consumidor e operações ao vivo. A demanda pode variar bastante e há o ditado de que restaurantes são feitos para dar errado. No entanto, nossa paixão nos mantém dedicados.
Eu destacaria três grandes desafios. Primeiro, a gestão de talentos, já que o setor é predominantemente baseado no fator humano. A hospitalidade e a gastronomia dependem essencialmente das pessoas. A tecnologia ainda é limitada em muitos negócios de entretenimento e gastronomia, então a execução de uma boa proposta depende das equipes. Atrair, desenvolver, reter talentos e criar uma metodologia de trabalho eficaz são fundamentais para criar experiências duradouras e de qualidade.
Depois, as mudanças no comportamento do consumidor. Acompanhar as transformações no comportamento dos consumidores é crucial. Não gosto muito do termo “tendência”, mas é vital estar atento às mudanças no estilo de vida e preferências dos clientes para se adaptar rapidamente e se manter relevante. Temos marcas com quase 30 anos, e nesse tempo vimos grandes transformações. Monitorar essas mudanças e manter nossas marcas atualizadas é um trabalho contínuo e desafiador.
Por fim, adaptação a eventos macro. Afinal, o setor também precisa lidar com eventos macro que impactam diretamente nossas operações, como crises econômicas ou pandemias. É essencial ser resiliente e se adaptar continuamente às mudanças externas para garantir a saúde e a estabilidade do negócio.
Hoje, o que faz a diferença no setor? Como se destacar? Qual dica daria para quem está começando?
Houve muitas transformações no setor, especialmente com a revolução tecnológica ligada à informação. A maneira como nos comunicamos com nossos consumidores mudou drasticamente. Hoje, os clientes têm acesso a uma quantidade avassaladora de informações sobre bares e restaurantes do mundo inteiro, o que torna a relação mais desafiadora. A capacidade de inovação é fundamental. A tecnologia permite aperfeiçoamentos contínuos em produtos e serviços, desde a melhoria de insumos até a otimização de processos de cozinha e treinamento de colaboradores. A inovação deve ser equilibrada, evitando mudanças radicais que possam afastar clientes fiéis que buscam repetir experiências positivas anteriores.
Como vê a chegada da inovação no setor de gastronomia? Há receptividade? O que vocês fazem aí na Cia. Tradicional de Comércio nesse sentido?
A inovação no setor de gastronomia é complexa. Muitos consumidores buscam repetir experiências que já apreciam, o que pode limitar a receptividade a novidades. No entanto, é crucial para os restaurantes se renovarem continuamente para não se tornarem obsoletos. Enxergamos a inovação mais como aperfeiçoamento contínuo do que mudanças drásticas. Utilizamos novas tecnologias e insumos para melhorar pratos existentes e adaptar processos para torná-los mais eficientes, sempre buscando manter a essência do que já fazemos bem. Nosso foco é oferecer uma experiência consistente e de alta qualidade, mesmo enquanto introduzimos melhorias.
Em comparação com outros mercados globais, como o Brasil está posicionado no mercado de gastronomia? O que falta para ganhar mais força por aqui?
O Brasil tem um potencial imenso na gastronomia devido à diversidade, criatividade e hospitalidade do povo brasileiro. No entanto, falta uma identidade clara e coesa do que é a gastronomia brasileira. A falta de uma imagem inteligível e de iniciativas unificadas para promover nossa culinária globalmente nos coloca em desvantagem em comparação com países como Peru e México, que têm feito um trabalho excelente na exportação de suas culturas gastronômicas. A fragmentação dos imigrantes brasileiros também dificulta a disseminação de uma identidade culinária coesa. Precisamos de um esforço coordenado para qualificar e promover nossa gastronomia no exterior.
Como vê a Cia. Tradicional de Comércio daqui cinco, dez, quinze anos? Como acredita que ela vai se transformar para se adequar às novas gerações?
Nossa visão é continuar contando nossas histórias gastronômicas para o maior número de pessoas possível, mantendo a essência e a qualidade que sempre prezamos. Acreditamos no crescimento orgânico e cuidadoso, levando nossas marcas para novos locais onde vemos potencial. O Brasil é grande e tem muitas oportunidades para expansão. Somos otimistas sobre o futuro do setor de gastronomia e hospitalidade no Brasil. À medida que mais regiões desenvolvem seu potencial de consumo, estamos prontos para levar nossas experiências a novos públicos, sempre mantendo a qualidade e a autenticidade que nos caracterizam.