O que um chef tatuado e com o humor tão afiado quanto suas facas foi fazer no júri de um reality show dedicado aos bolos decorados? À primeira vista, pode até parecer um erro de casting. Mas a presença de André Mifano na décima temporada de “Bake Off Brasil - Mão na Massa”, que estreou no último sábado (10) no SBT (disponível na plataforma de streaming Max e, em breve, no canal pago Discovery Home & Health) foi um acerto - ao menos pelo que se viu no primeiro episódio.
Enquanto a chef confeiteira Carole Crema traz a sua simpatia e seu conhecimento técnico, a atriz Fabiana Karla, que apresenta a atração, alivia o estresse dos competidores com humor e boas doses de doçura. E Mifano completa o elenco, com sua experiência de 28 anos na gastronomia e seus comentários incisivos, que, vez ou outra, arrancam umas risadas aqui e ali dos telespectadores.
Diferentemente das edições anteriores, essa temporada do programa, em que 18 confeiteiros amadores participam de desafios culinários, está mais próxima do formato original, o “The Great British Bake Off” (BBC).
Muito antes de fazer parte da versão brasileira, Mifano conta que já era fã do programa exibido no Reino Unido. “Comecei a assistir com a Alessandra (Corte Pimenta, esposa de Mifano), que é apaixonada por doces e pela cultura inglesa, meio a contragosto. Não entendia todo aquele cor-de-rosa, mas o humor inglês dos apresentadores me pegou: eu fiquei viciado”, lembra o chef, que comanda o restaurante italiano Donna, na capital paulista.
Com a participação em realities como o “The Taste Brasil”, exibido pelo canal pago GNT, e “Anthony Bourdain - Lugares Desconhecidos”, série do chef norte-americano (1956 - 2018) na CNN Brasil, pode-se dizer que Mifano tem uma vasta experiência na televisão. No entanto, ele declarou em um par de entrevistas no ano passado que não estava afim de voltar para a frente das câmeras - o Universo (ou destino, se preferir) entendeu o contrário. “Desde então, eu repito todos os dias ‘não quero ganhar na Mega-Sena nunca. De jeito nenhum (risos)’”, diverte-se ele.
Quando ele recebeu o convite da Warner Bros. Discovery, que é parceira da emissora de Silvio Santos na produção do “Bake Off Brasil - Mão na Massa”, não pensou duas vezes: bastou um telefonema de quinze minutos para convencê-lo a assinar o contrato. Onde foi parar tanta relutância? “Eu sabia que, pelo que eu conhecia do programa original, estaria livre para fazer o que quisesse. Não sei seguir roteiro, mas sei ser eu mesmo”, justifica o chef.
Mergulho na confeitaria
Quando aceitou o desafio de ser jurado de um reality show de confeitaria, Mifano se debruçou sobre o tema. “Modéstia à parte, eu tenho um banco de dados de sabores e técnicas bastante extenso, mas eu tive que estudar muito”, conta o chef do Donna.
Embora conheça as bases da confeitaria clássica, graças ao seu trabalho em cozinha, Mifano nunca havia trabalhado com pasta americana, que é tão presente na cobertura de bolos decorados. Aliás, o chef define a montagem de bolos decorados como pura engenharia. “Além de acertar na textura e no sabor, é preciso entender de estrutura. Caso contrário, o bolo desmorona”, diz Mifano.
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Na décima temporada do programa, retornam as provas dedicadas aos pratos salgados e as receitas doces ficaram mais simples, para criar uma conexão com o expectador. E Mifano conta que essa jornada de aprendizado fez ele se apaixonar pelo lado artístico da confeitaria. “O trabalho com pasta americana e os bolos que se mexem me deixou espantadíssimo”, conta ele.
Crítica ao “instagramável”
O reality show culinário é a primeira experiência de Mifano na televisão aberta - e a sua oportunidade de alcançar novos públicos. “Antes, eu estava com um canal minúsculo, falando de comida às 22h30 para uma bolha. Agora, por meio dessas três plataformas (SBT, Max e Discovery Home & Health), eu vou falar com um público muito maior. Para mim, é um privilégio”, compara ele.
Mifano pretende aproveitar a notoriedade para falar sobre temas importantes para ele. Um deles é o impacto negativo das redes sociais na gastronomia. “Se você me perguntar o que precisa para manter um bom restaurante nos dias de hoje, eu não tenho a menor ideia”, dispara Mifano, que considera a experiência adquirida por ele em quase três décadas de profissão irrelevante para o mercado atual.
Ele é um crítico ferrenho ao modelo de restaurantes “instagramáveis” (aqueles que são pensados para render bons cliques para as redes sociais), que domina a cena gastronômica atual. “No plano de negócios de um restaurante de sucesso, o importante é o salão ter um balanço com um neón lindo de fundo, uma sobremesa que saia fogo no cardápio, além de um orçamento de R$ 150 mil para pagar influenciadores do Tik Tok para visitarem e postarem sobre o seu restaurante no primeiro mês”, critica ele.
Mifano vai na contramão de todo esse mainstream gastronômico com o seu restaurante, o Donna. Com clima intimista e apenas 40 lugares, o italiano inaugurado em plena pandemia, em 2021, tem um menu enxuto, que reúne sugestões como a bresaola de wagyu curada na casa (R$ 63), o fettuccine verde com molho caseiro de linguiça e erva-doce (R$ 76), além da tagliata de chorizo black Angus, com molho pizzaiolo e batatas douradas (R$ 132).
Atualmente, o restaurante está em uma fase de transição, de acordo com o chef. Em breve, o local passará por uma reforma e o cardápio ficará mais robusto. “A minha vontade é fazer uma comida cada vez mais clássica”, afirma Mifano, que ganhou notoriedade no extinto restaurante Vito.
Novo momento da carreira
Com 28 anos de profissão, Mifano está em um momento que quer “surfar novas ondas”. “Só a repetição faz o bom profissional de cozinha. Mas, quando você está fazendo a mesma coisa por tantos anos, precisa de um descanso”, pondera Mifano, que admite não ter mais energia para trabalhar sete dias por semana, sem folga. Mesmo assim, o chef garante que, entre altos e baixos, mantém o mesmo amor pelo ofício. “Continuo vindo ao restaurante cinco dias por semana, mas ideia é tirar férias maiores. Eu tenho uma equipe ótima, que me permite isso”, diz conta ele, que tem o objetivo de usar a sua larga experiência na gastronomia “para fazer outras coisas”, promete o chef do Donna.
Além do desafio na televisão aberta, Mifano pretende encarar de frente o mundo digital, ao qual sempre teve aversão. “Sinto até arrepio quando penso em ‘produzir conteúdo. Mas se tem uma coisa que eu não aceito é ser preconceituoso’”. Embora tenha evitado mergulhar no universo das redes sociais, o chef tem sentido a necessidade de botar o preconceito de lado e entender como funciona. “Quero falar de coisas relevantes. Não prometo que vou conseguir, mas esse é o meu objetivo”, promete ele.