Os restaurantes em Roma estão reabrindo. Será que os clientes irão reaparecer?


A Itália, tão definida pelo ruído e pela alegria à mesa, tentar voltar ao normal. Mas para os donos de restaurante ainda não esta claro se o país vais recuperar um dos seus traços mais emblemáticos

Por Chico Harlan e Stefano Pitrelli

ROMA – Na frente, uma lousa trazia escrito o cardápio do dia, e nos fundos, na cozinha, um chef de máscara e luvas acabava de fazer pappardelle e fettuccine. Era a hora do almoço. As portas duplas de Zia Rilla se abriram. O restaurante, reformado para a pandemia, iria servir almoço e jantar pela primeira vez em 72 dias.

As mesas eram bem distanciadas umas das outras, cada uma marcada com fita azul. A capacidade do local estava reduzida a menos da metade, para 12 lugares. Um caderno de espiral preto estava sobre uma mesa preta para registrar os nomes dos clientes, além de seu telefone, caso fosse preciso fazer contato.

“Estou ansiosa”, afirmou a proprietária, Enrica Sutrini, de 66 anos. Em um país que enfrenta toda espécie de riscos ao reabrir e tentar voltar ao normal, não estava claro se alguém passaria pela porta, ou se a Itália – tão definida pelo ruído e pela alegria à mesa – recuperaria um dos seus traços mais emblemáticos.

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Stefano Ryan se prepara para a reabertura do Zia Rilla, restaurante da sua esposa em Roma Foto: Ginevra Sammartino

O setor de restaurantes informou que haverá fechamentos em grande escala. Em toda Roma, centenas de locais permaneceram fechados esta semana, embora o governo tenha abandonado a proibição imposta há dez semanas das refeições para clientes sentados. Enrica disse que estava reabrindo como teste: algumas semanas para saber se o seu restaurante seria viável, e se a nova Itália se parecerá com a antiga.

Este país nunca foi muito amigo de delivery ou refeições para levar, ou mesmo de aplicativos para encomendas de comida, pelo menos antes do vírus. E para os italianos, a reunião em volta da mesa nas refeições é muitas vezes mais importante do que a refeição em si. A maior parte das lembranças de comidas de Enrica diz respeito a algum tipo de reunião familiar: os pratos comuns de polenta que ela compartilhava com os familiares durante a infância. 

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Os grandes jantares que ofereceu com o marido, e, mais recentemente, as noites no Zia Rilla, quando o local ficava lotado – com pessoas se demoravam até mais tarde, saindo apenas para fumar um cigarro e encerrando a noitada com um amargo digestivo. “Continuávamos preparando refeições até 11 horas da noite”, ela disse. “Era uma grande felicidade”.

Segundo o marido de Enrica, Stefano Ryan, as pessoas acharão um jeito de voltar a sair. “Nós somos animais sociais”, justificou.

Enrica não estava tão segura. Os restaurantes se esforçaram ao máximo para proteger a saúde dos clientes e de suas equipes. Mas isto significou colocar almofadas descartáveis nos lugares e assentos impessoais espaçados. Alguns estabelecimentos estão tomando a temperatura dos clientes e instalaram divisórias de acrílico entre as mesas.

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A Itálianunca foi muitoamigadodelivery ou de refeições para levar Foto: Ginevra Sammartino

“Eu não sairia para comer nestas circunstâncias”, ela disse. “Eu sei, estou falando contra meu próprio interesse ao dizer isto. Mas preferiria comer em casa. Assim poderíamos ficar à mesa até 1 da manhã sem usar máscaras”.

A hora do almoço já passara. O restaurante ainda estava vazio. Um casal se aproximou, pôs a cabeça para dentro, e fez uma reserva para dois dias depois. Entica começou a se mexer, limpando copos de vinho, dobrando guardanapos, preparando-se para o que poderia ser um serviço mais movimentado na hora do jantar.

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Um sinal de bip veio da cozinha. Era um aviso da Deliveroo, um serviço de entregas de refeições. Alguém havia encomendado entradas e dois raviolis.

Na cozinha, o chef, Ahmed Mezu, acendeu o fogão e começou a misturar os molhos. Ele abriu quatro caixas para entregas, e quando o prato ficou pronto, um rapaz de uns 20 anos com uma bicicleta segurando um cigarro foi pegar a encomenda.

A única comida que o Zia Rilla preparou para o almoço naquele dia foi consumada na casa de alguém.

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Nos dias anteriores à reabertura, Enrica e o marido ficaram fazendo cálculos tentando descobrir como um restaurante pequeno como o deles poderia sobreviver. Os turistas – 30% do seu negócio – se foram. Os italianos têm menos dinheiro para gastar. Talvez o Zia Rilla possa reduzir um pouco o seu cardápio, dependendo dos ingredientes que não estragarem depressa. Talvez pudessem expor bolos e doces de massa na vitrine, na tentativa de chamar a atenção dos transeuntes. Talvez devessem se concentrar mais nas massas, tornando-se mais uma loja do que um restaurante. Ou então poderiam fazer mais entregas.

Antes de ter a autorização para reabrir para os clientes, o Zia Rilla passou algumas semanas tentando exatamente isto. O restaurante ganhou 85 euros por dia, 700 a menos do que seria necessário para empatar custos e lucros.

O Zia Rilla obteve do governo um empréstimo de 25 mil euros destinados aos pequenos negócios negócios afetados pela epidemia. O aluguel foi descontado por dois meses. No entanto, “mal conseguimos sobreviver”, disse Ryan, cujo pai era americano. “Neste momento, preciso estar pronta para o que der e vier”, ela continuou. “Perder este local seria uma punhalada”.

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Quando o Zia Rilla abriu as portas em 2017, Enrica tinha 63 anos, e pela primeira vez na vida era dona de um restaurante. Ela passara a vida inteira cozinhando, mas não tinha treinamento profissional de chef. Nos dez anos anteriores, ela fora, como se definiu, “uma dona de casa”, um pouco entediada; o restaurante foi uma espécie de desafio pessoal. Ela decorou as paredes com utensilios de cozinha que sua mãe havia usado, e com travessas antigas. Ela encheu o cardápio com pasta fresca do norte da Itália. O ragu bolonhês, com muita carne, poucos tomates. Tortellini, verduras preparadas em uma panela de ferro fundido.

Na maioria das noites nos fins de semana, o restaurante ficava lotado e, gradativamente, ela foi confiando cada vez mais em Mezu, um migrante do Bangladesh que passara dez anos nas cozinhas italianas, e agora estava dirigindo o Zia Rilla quase por conta própria.

Mas Enrica, uns dias antes da reabertura, estava mais preocupada com as novas normas do que com a comida. Na tentativa de impedir uma recessão ainda mais profunda, o governo da Itália antecipou a data da reabertura para os restaurantes dando poucas indicações de como reabrir. O ar condicionado poderia ser ligado? Os garçons deveriam usar luvas? Pessoas que não fossem da família precisariam sentar ainda mais longe umas das outras? De restaurante em restaurante, todo mundo procurou adivinhar. E quando finalmente as normas saíram – dois dias antes da reabertura – isto não acabou com o caos.

O governo regional de Roma, pressionado por cientistas e donos de restaurantes, estabeleceu que deveria haver “pelo menos 1,5 metro entre os clientes, mas em todo caso não menos que um metro”. “Estas palavras agradam a todos, mas não fazem sentido”, disse Ryan.

Enrica colocou as mesas do restaurante a 1,2 metros uma da outra. Desse jeito, o restaurante poderia sobreviver, desde que as mesas ficassem cheias. Uma fita métrica ainda estava na estante quando o restaurante reabriu.

Então anoiteceu. Uma música soava em algum lugar. As luzes eram cor de laranja suave. Enrica, usando uma máscara, sentou a uma das mesas, depois saiu para pendurar algumas lanternas. Seu marido abriu uma garrafa de cerveja. Nicolò, o filho que também estava ali, tirou um termômetros esquisito de uma caixa, que eles usariam para os clientes.

Na rua, passou um entregador de bicicleta. Um casal caminhava segurando duas caixas de pizza. Havia poucas pessoas lá fora. Nos apartamentos as luzes se acenderam. 

Por volta de 8:30 da noite, entraram os dois primeiros clientes do dia. Enrica os conhecia: um pai com o filho adulto. “Ciao, Paolo,” ela disse, levantando-se, e aproximando-se deles. “Onde vão querer sentar?”.

Ryan também se aproximou, parando antes de chegar perto demais. “Vamos fazer de conta que nos abraçamos”, disse um dos clientes.

As pessoas foram se sentando, e Enrica trouxe copos de vinho e um cestinho com pão. Logo eles tiraram as máscaras, as bebidas estavam sobre a mesa, e Nicolò chegou com o aparelho de medir a temperatura. Ele o apontou para a cabeça de um cliente. A leitura era muito baixa. Nicolò reprogramou o aparelho e tentou novamente. Mesmo problema.

Tentou mais uma vez consertar o defeito. Na cozinha, Mezu preparava ribeye para o casal que acabaria sendo o único do restaurante naquela noite. No dia seguinte, eles receberam três reservas. E logo colocaram mais cadeiras e mesas ao ar livre – algo que parecia estar funcionando em outros restaurantes da rua. “Pouco a pouco, vai aumentar”, afirmou Enrica.

Então, lá pelas 9 da noite, o tablet da Deliveroo voltou a bipar. Em algum lugar de Roma, outro cliente queria comer um prato do Zia Rilla – ravióli com recheio de bacalhau. Mezu acendeu o fogão e abriu as laterais de mais uma caixa para entrega.

/Tradução Anna Capovilla 

ROMA – Na frente, uma lousa trazia escrito o cardápio do dia, e nos fundos, na cozinha, um chef de máscara e luvas acabava de fazer pappardelle e fettuccine. Era a hora do almoço. As portas duplas de Zia Rilla se abriram. O restaurante, reformado para a pandemia, iria servir almoço e jantar pela primeira vez em 72 dias.

As mesas eram bem distanciadas umas das outras, cada uma marcada com fita azul. A capacidade do local estava reduzida a menos da metade, para 12 lugares. Um caderno de espiral preto estava sobre uma mesa preta para registrar os nomes dos clientes, além de seu telefone, caso fosse preciso fazer contato.

“Estou ansiosa”, afirmou a proprietária, Enrica Sutrini, de 66 anos. Em um país que enfrenta toda espécie de riscos ao reabrir e tentar voltar ao normal, não estava claro se alguém passaria pela porta, ou se a Itália – tão definida pelo ruído e pela alegria à mesa – recuperaria um dos seus traços mais emblemáticos.

Stefano Ryan se prepara para a reabertura do Zia Rilla, restaurante da sua esposa em Roma Foto: Ginevra Sammartino

O setor de restaurantes informou que haverá fechamentos em grande escala. Em toda Roma, centenas de locais permaneceram fechados esta semana, embora o governo tenha abandonado a proibição imposta há dez semanas das refeições para clientes sentados. Enrica disse que estava reabrindo como teste: algumas semanas para saber se o seu restaurante seria viável, e se a nova Itália se parecerá com a antiga.

Este país nunca foi muito amigo de delivery ou refeições para levar, ou mesmo de aplicativos para encomendas de comida, pelo menos antes do vírus. E para os italianos, a reunião em volta da mesa nas refeições é muitas vezes mais importante do que a refeição em si. A maior parte das lembranças de comidas de Enrica diz respeito a algum tipo de reunião familiar: os pratos comuns de polenta que ela compartilhava com os familiares durante a infância. 

Os grandes jantares que ofereceu com o marido, e, mais recentemente, as noites no Zia Rilla, quando o local ficava lotado – com pessoas se demoravam até mais tarde, saindo apenas para fumar um cigarro e encerrando a noitada com um amargo digestivo. “Continuávamos preparando refeições até 11 horas da noite”, ela disse. “Era uma grande felicidade”.

Segundo o marido de Enrica, Stefano Ryan, as pessoas acharão um jeito de voltar a sair. “Nós somos animais sociais”, justificou.

Enrica não estava tão segura. Os restaurantes se esforçaram ao máximo para proteger a saúde dos clientes e de suas equipes. Mas isto significou colocar almofadas descartáveis nos lugares e assentos impessoais espaçados. Alguns estabelecimentos estão tomando a temperatura dos clientes e instalaram divisórias de acrílico entre as mesas.

A Itálianunca foi muitoamigadodelivery ou de refeições para levar Foto: Ginevra Sammartino

“Eu não sairia para comer nestas circunstâncias”, ela disse. “Eu sei, estou falando contra meu próprio interesse ao dizer isto. Mas preferiria comer em casa. Assim poderíamos ficar à mesa até 1 da manhã sem usar máscaras”.

A hora do almoço já passara. O restaurante ainda estava vazio. Um casal se aproximou, pôs a cabeça para dentro, e fez uma reserva para dois dias depois. Entica começou a se mexer, limpando copos de vinho, dobrando guardanapos, preparando-se para o que poderia ser um serviço mais movimentado na hora do jantar.

Um sinal de bip veio da cozinha. Era um aviso da Deliveroo, um serviço de entregas de refeições. Alguém havia encomendado entradas e dois raviolis.

Na cozinha, o chef, Ahmed Mezu, acendeu o fogão e começou a misturar os molhos. Ele abriu quatro caixas para entregas, e quando o prato ficou pronto, um rapaz de uns 20 anos com uma bicicleta segurando um cigarro foi pegar a encomenda.

A única comida que o Zia Rilla preparou para o almoço naquele dia foi consumada na casa de alguém.

Nos dias anteriores à reabertura, Enrica e o marido ficaram fazendo cálculos tentando descobrir como um restaurante pequeno como o deles poderia sobreviver. Os turistas – 30% do seu negócio – se foram. Os italianos têm menos dinheiro para gastar. Talvez o Zia Rilla possa reduzir um pouco o seu cardápio, dependendo dos ingredientes que não estragarem depressa. Talvez pudessem expor bolos e doces de massa na vitrine, na tentativa de chamar a atenção dos transeuntes. Talvez devessem se concentrar mais nas massas, tornando-se mais uma loja do que um restaurante. Ou então poderiam fazer mais entregas.

Antes de ter a autorização para reabrir para os clientes, o Zia Rilla passou algumas semanas tentando exatamente isto. O restaurante ganhou 85 euros por dia, 700 a menos do que seria necessário para empatar custos e lucros.

O Zia Rilla obteve do governo um empréstimo de 25 mil euros destinados aos pequenos negócios negócios afetados pela epidemia. O aluguel foi descontado por dois meses. No entanto, “mal conseguimos sobreviver”, disse Ryan, cujo pai era americano. “Neste momento, preciso estar pronta para o que der e vier”, ela continuou. “Perder este local seria uma punhalada”.

Quando o Zia Rilla abriu as portas em 2017, Enrica tinha 63 anos, e pela primeira vez na vida era dona de um restaurante. Ela passara a vida inteira cozinhando, mas não tinha treinamento profissional de chef. Nos dez anos anteriores, ela fora, como se definiu, “uma dona de casa”, um pouco entediada; o restaurante foi uma espécie de desafio pessoal. Ela decorou as paredes com utensilios de cozinha que sua mãe havia usado, e com travessas antigas. Ela encheu o cardápio com pasta fresca do norte da Itália. O ragu bolonhês, com muita carne, poucos tomates. Tortellini, verduras preparadas em uma panela de ferro fundido.

Na maioria das noites nos fins de semana, o restaurante ficava lotado e, gradativamente, ela foi confiando cada vez mais em Mezu, um migrante do Bangladesh que passara dez anos nas cozinhas italianas, e agora estava dirigindo o Zia Rilla quase por conta própria.

Mas Enrica, uns dias antes da reabertura, estava mais preocupada com as novas normas do que com a comida. Na tentativa de impedir uma recessão ainda mais profunda, o governo da Itália antecipou a data da reabertura para os restaurantes dando poucas indicações de como reabrir. O ar condicionado poderia ser ligado? Os garçons deveriam usar luvas? Pessoas que não fossem da família precisariam sentar ainda mais longe umas das outras? De restaurante em restaurante, todo mundo procurou adivinhar. E quando finalmente as normas saíram – dois dias antes da reabertura – isto não acabou com o caos.

O governo regional de Roma, pressionado por cientistas e donos de restaurantes, estabeleceu que deveria haver “pelo menos 1,5 metro entre os clientes, mas em todo caso não menos que um metro”. “Estas palavras agradam a todos, mas não fazem sentido”, disse Ryan.

Enrica colocou as mesas do restaurante a 1,2 metros uma da outra. Desse jeito, o restaurante poderia sobreviver, desde que as mesas ficassem cheias. Uma fita métrica ainda estava na estante quando o restaurante reabriu.

Então anoiteceu. Uma música soava em algum lugar. As luzes eram cor de laranja suave. Enrica, usando uma máscara, sentou a uma das mesas, depois saiu para pendurar algumas lanternas. Seu marido abriu uma garrafa de cerveja. Nicolò, o filho que também estava ali, tirou um termômetros esquisito de uma caixa, que eles usariam para os clientes.

Na rua, passou um entregador de bicicleta. Um casal caminhava segurando duas caixas de pizza. Havia poucas pessoas lá fora. Nos apartamentos as luzes se acenderam. 

Por volta de 8:30 da noite, entraram os dois primeiros clientes do dia. Enrica os conhecia: um pai com o filho adulto. “Ciao, Paolo,” ela disse, levantando-se, e aproximando-se deles. “Onde vão querer sentar?”.

Ryan também se aproximou, parando antes de chegar perto demais. “Vamos fazer de conta que nos abraçamos”, disse um dos clientes.

As pessoas foram se sentando, e Enrica trouxe copos de vinho e um cestinho com pão. Logo eles tiraram as máscaras, as bebidas estavam sobre a mesa, e Nicolò chegou com o aparelho de medir a temperatura. Ele o apontou para a cabeça de um cliente. A leitura era muito baixa. Nicolò reprogramou o aparelho e tentou novamente. Mesmo problema.

Tentou mais uma vez consertar o defeito. Na cozinha, Mezu preparava ribeye para o casal que acabaria sendo o único do restaurante naquela noite. No dia seguinte, eles receberam três reservas. E logo colocaram mais cadeiras e mesas ao ar livre – algo que parecia estar funcionando em outros restaurantes da rua. “Pouco a pouco, vai aumentar”, afirmou Enrica.

Então, lá pelas 9 da noite, o tablet da Deliveroo voltou a bipar. Em algum lugar de Roma, outro cliente queria comer um prato do Zia Rilla – ravióli com recheio de bacalhau. Mezu acendeu o fogão e abriu as laterais de mais uma caixa para entrega.

/Tradução Anna Capovilla 

ROMA – Na frente, uma lousa trazia escrito o cardápio do dia, e nos fundos, na cozinha, um chef de máscara e luvas acabava de fazer pappardelle e fettuccine. Era a hora do almoço. As portas duplas de Zia Rilla se abriram. O restaurante, reformado para a pandemia, iria servir almoço e jantar pela primeira vez em 72 dias.

As mesas eram bem distanciadas umas das outras, cada uma marcada com fita azul. A capacidade do local estava reduzida a menos da metade, para 12 lugares. Um caderno de espiral preto estava sobre uma mesa preta para registrar os nomes dos clientes, além de seu telefone, caso fosse preciso fazer contato.

“Estou ansiosa”, afirmou a proprietária, Enrica Sutrini, de 66 anos. Em um país que enfrenta toda espécie de riscos ao reabrir e tentar voltar ao normal, não estava claro se alguém passaria pela porta, ou se a Itália – tão definida pelo ruído e pela alegria à mesa – recuperaria um dos seus traços mais emblemáticos.

Stefano Ryan se prepara para a reabertura do Zia Rilla, restaurante da sua esposa em Roma Foto: Ginevra Sammartino

O setor de restaurantes informou que haverá fechamentos em grande escala. Em toda Roma, centenas de locais permaneceram fechados esta semana, embora o governo tenha abandonado a proibição imposta há dez semanas das refeições para clientes sentados. Enrica disse que estava reabrindo como teste: algumas semanas para saber se o seu restaurante seria viável, e se a nova Itália se parecerá com a antiga.

Este país nunca foi muito amigo de delivery ou refeições para levar, ou mesmo de aplicativos para encomendas de comida, pelo menos antes do vírus. E para os italianos, a reunião em volta da mesa nas refeições é muitas vezes mais importante do que a refeição em si. A maior parte das lembranças de comidas de Enrica diz respeito a algum tipo de reunião familiar: os pratos comuns de polenta que ela compartilhava com os familiares durante a infância. 

Os grandes jantares que ofereceu com o marido, e, mais recentemente, as noites no Zia Rilla, quando o local ficava lotado – com pessoas se demoravam até mais tarde, saindo apenas para fumar um cigarro e encerrando a noitada com um amargo digestivo. “Continuávamos preparando refeições até 11 horas da noite”, ela disse. “Era uma grande felicidade”.

Segundo o marido de Enrica, Stefano Ryan, as pessoas acharão um jeito de voltar a sair. “Nós somos animais sociais”, justificou.

Enrica não estava tão segura. Os restaurantes se esforçaram ao máximo para proteger a saúde dos clientes e de suas equipes. Mas isto significou colocar almofadas descartáveis nos lugares e assentos impessoais espaçados. Alguns estabelecimentos estão tomando a temperatura dos clientes e instalaram divisórias de acrílico entre as mesas.

A Itálianunca foi muitoamigadodelivery ou de refeições para levar Foto: Ginevra Sammartino

“Eu não sairia para comer nestas circunstâncias”, ela disse. “Eu sei, estou falando contra meu próprio interesse ao dizer isto. Mas preferiria comer em casa. Assim poderíamos ficar à mesa até 1 da manhã sem usar máscaras”.

A hora do almoço já passara. O restaurante ainda estava vazio. Um casal se aproximou, pôs a cabeça para dentro, e fez uma reserva para dois dias depois. Entica começou a se mexer, limpando copos de vinho, dobrando guardanapos, preparando-se para o que poderia ser um serviço mais movimentado na hora do jantar.

Um sinal de bip veio da cozinha. Era um aviso da Deliveroo, um serviço de entregas de refeições. Alguém havia encomendado entradas e dois raviolis.

Na cozinha, o chef, Ahmed Mezu, acendeu o fogão e começou a misturar os molhos. Ele abriu quatro caixas para entregas, e quando o prato ficou pronto, um rapaz de uns 20 anos com uma bicicleta segurando um cigarro foi pegar a encomenda.

A única comida que o Zia Rilla preparou para o almoço naquele dia foi consumada na casa de alguém.

Nos dias anteriores à reabertura, Enrica e o marido ficaram fazendo cálculos tentando descobrir como um restaurante pequeno como o deles poderia sobreviver. Os turistas – 30% do seu negócio – se foram. Os italianos têm menos dinheiro para gastar. Talvez o Zia Rilla possa reduzir um pouco o seu cardápio, dependendo dos ingredientes que não estragarem depressa. Talvez pudessem expor bolos e doces de massa na vitrine, na tentativa de chamar a atenção dos transeuntes. Talvez devessem se concentrar mais nas massas, tornando-se mais uma loja do que um restaurante. Ou então poderiam fazer mais entregas.

Antes de ter a autorização para reabrir para os clientes, o Zia Rilla passou algumas semanas tentando exatamente isto. O restaurante ganhou 85 euros por dia, 700 a menos do que seria necessário para empatar custos e lucros.

O Zia Rilla obteve do governo um empréstimo de 25 mil euros destinados aos pequenos negócios negócios afetados pela epidemia. O aluguel foi descontado por dois meses. No entanto, “mal conseguimos sobreviver”, disse Ryan, cujo pai era americano. “Neste momento, preciso estar pronta para o que der e vier”, ela continuou. “Perder este local seria uma punhalada”.

Quando o Zia Rilla abriu as portas em 2017, Enrica tinha 63 anos, e pela primeira vez na vida era dona de um restaurante. Ela passara a vida inteira cozinhando, mas não tinha treinamento profissional de chef. Nos dez anos anteriores, ela fora, como se definiu, “uma dona de casa”, um pouco entediada; o restaurante foi uma espécie de desafio pessoal. Ela decorou as paredes com utensilios de cozinha que sua mãe havia usado, e com travessas antigas. Ela encheu o cardápio com pasta fresca do norte da Itália. O ragu bolonhês, com muita carne, poucos tomates. Tortellini, verduras preparadas em uma panela de ferro fundido.

Na maioria das noites nos fins de semana, o restaurante ficava lotado e, gradativamente, ela foi confiando cada vez mais em Mezu, um migrante do Bangladesh que passara dez anos nas cozinhas italianas, e agora estava dirigindo o Zia Rilla quase por conta própria.

Mas Enrica, uns dias antes da reabertura, estava mais preocupada com as novas normas do que com a comida. Na tentativa de impedir uma recessão ainda mais profunda, o governo da Itália antecipou a data da reabertura para os restaurantes dando poucas indicações de como reabrir. O ar condicionado poderia ser ligado? Os garçons deveriam usar luvas? Pessoas que não fossem da família precisariam sentar ainda mais longe umas das outras? De restaurante em restaurante, todo mundo procurou adivinhar. E quando finalmente as normas saíram – dois dias antes da reabertura – isto não acabou com o caos.

O governo regional de Roma, pressionado por cientistas e donos de restaurantes, estabeleceu que deveria haver “pelo menos 1,5 metro entre os clientes, mas em todo caso não menos que um metro”. “Estas palavras agradam a todos, mas não fazem sentido”, disse Ryan.

Enrica colocou as mesas do restaurante a 1,2 metros uma da outra. Desse jeito, o restaurante poderia sobreviver, desde que as mesas ficassem cheias. Uma fita métrica ainda estava na estante quando o restaurante reabriu.

Então anoiteceu. Uma música soava em algum lugar. As luzes eram cor de laranja suave. Enrica, usando uma máscara, sentou a uma das mesas, depois saiu para pendurar algumas lanternas. Seu marido abriu uma garrafa de cerveja. Nicolò, o filho que também estava ali, tirou um termômetros esquisito de uma caixa, que eles usariam para os clientes.

Na rua, passou um entregador de bicicleta. Um casal caminhava segurando duas caixas de pizza. Havia poucas pessoas lá fora. Nos apartamentos as luzes se acenderam. 

Por volta de 8:30 da noite, entraram os dois primeiros clientes do dia. Enrica os conhecia: um pai com o filho adulto. “Ciao, Paolo,” ela disse, levantando-se, e aproximando-se deles. “Onde vão querer sentar?”.

Ryan também se aproximou, parando antes de chegar perto demais. “Vamos fazer de conta que nos abraçamos”, disse um dos clientes.

As pessoas foram se sentando, e Enrica trouxe copos de vinho e um cestinho com pão. Logo eles tiraram as máscaras, as bebidas estavam sobre a mesa, e Nicolò chegou com o aparelho de medir a temperatura. Ele o apontou para a cabeça de um cliente. A leitura era muito baixa. Nicolò reprogramou o aparelho e tentou novamente. Mesmo problema.

Tentou mais uma vez consertar o defeito. Na cozinha, Mezu preparava ribeye para o casal que acabaria sendo o único do restaurante naquela noite. No dia seguinte, eles receberam três reservas. E logo colocaram mais cadeiras e mesas ao ar livre – algo que parecia estar funcionando em outros restaurantes da rua. “Pouco a pouco, vai aumentar”, afirmou Enrica.

Então, lá pelas 9 da noite, o tablet da Deliveroo voltou a bipar. Em algum lugar de Roma, outro cliente queria comer um prato do Zia Rilla – ravióli com recheio de bacalhau. Mezu acendeu o fogão e abriu as laterais de mais uma caixa para entrega.

/Tradução Anna Capovilla 

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