Como se 2016 não tivesse fim, a chef Renata Vanzetto ampliou o Ema, abriu o MeGusta em São Paulo, ampliou o Marakuthai na Ilhabela, inaugurou o Lambisgoia também na ilha e se prepara para abrir as portas do Marakuthai Kumbukha, nos Jardins, na primeira quinzena de janeiro. Essa é a versão reformulada do seu Marakuthai da Alameda Itu, que fecha no começo do ano para reabrir na Alameda Lorena sob novo formato.
No ano em que o Marakuthai faz dez anos, Renata Vanzetto fez um exame da sua carreira em entrevista ao Paladar concedida no Ema, falou da sua evolução como cozinheira, contou quem são as outras mulheres da família que sustentam o grupo ao seu lado e sobre como foi encarar as críticas quando chegou a São Paulo, há sete anos.
“O Marakuthai era um hobby que virou um problema”, conta ela, quando lá atrás descobriu que a comida com toques asiáticos que executa no restaurante é o que sempre gostou de fazer em casa. “Mas como profissional não era a cozinha que eu queria fazer.” O surto a levou a estagiar no Noma, em 2011, na época em que o restaurante dinamarquês era o primeiro do mundo no ranking 50 Best.
- Confira entrevista da chef ao Paladar mais abaixo
De volta, abriu o Ema, que tem a cozinha que gosta de executar como profissional, e depois de tantas casas e mudanças, resolveu que era a hora de mexer no Marakuthai, ao lado de suas três sócias principais, todas da família: a mãe, Silvia, a tia Rejane e a prima Aline.
Após avaliar que os pratos mais vendidos no Marakuthai são os que vêm em cumbucas, como a salada lótus (frango agridoce, macarrão de arroz – o bifum – e legumes, no menu desde a abertura da matriz, na ilha), Renata decidiu focar no formato.
Daí o aposto Kumbukha – para combinar com as mais de 15 opções do menu. Saem as receitas em pratos, como atum ou polvo, e destacam-se velhas e novas cumbucas, algumas acompanhadas de arroz jasmine e farofa de banana. Uma das inéditas é a thai noodles, com tirinhas de filé em molho de shoyu, bifum, legumes, cogumelos, gengibre e amendoim (R$ 48).
O conceito atiçou Renata e ela decidiu criar também um balcão de noodles, para as receitas frias. Dali saem três combinações prontas: a salada lótus (R$ 27), o bangkok (camarão e bifum com legumes e frutas, R$ 35) e o samui (tiras de filé com bifum, R$ 33). Se for ao balcão, o cliente escolhe uma proteína e acrescenta os legumes e temperos que quiser.
O cardápio ainda elenca algumas entradas clássicas do Marakuthai, como os bolinhos cremosos de camarão em crosta de castanha-de-caju (R$ 28 a porção) e a guioza de vegetais com molho de shoyu e mel (R$ 25 a porção).
A casa, toda de branco e bem iluminada por meio da fachada de vidro, traz o mobiliário com influência tailandesa que é a marca do restaurante. Bancos ao longo do balcão do bar e mesas na calçada vão completar o clima, mais casual que o endereço da Itu. Este funciona até o dia 8, e o Kumbukha deve abrir no dia 13 – a filial do Itaim Bibi segue sem mudanças.
ENTREVISTA
"Aluguei o primeiro imóvel do Ema dois dias após voltar do Noma. Nem sabia o que ia fazer"
Depois de dez anos de Marakuthai na Ilhabela, e sete anos aqui em São Paulo, ele ficou datado? Por que mexer nele agora? A verdade é que eu me canso das coisas e quero renovar. Tanto é que o Marakuthai da ilha fez dez anos e fizemos uma puta reforma, mexemos em tudo. E o Marakuthai daqui, com aquela cara velha, eu não aguentava mais, nem minha mãe. Pensamos: “Vamos dar uma cara nova”. A casa lá é muito velha, pede muita manutenção, é na esquina com a Rebouças. Toda vez que tem manifestação na Paulista não tem uma alma. Já chegamos a zerar o caixa. O respiro do metrô é em frente...
Em dez anos de Marakuthai, como você vê sua evolução como cozinheira? Eu acho que ter vivido na Ilhabela 20 anos me ajudou muito. Ainda tenho muito dentro de mim essa essência caiçara. Quando abri o Marakuthai da ilha, com 18 anos, com uma cozinha que eu fazia para amigos, estourou, bombou, na ilha não tinha nada. Era um restaurante pé na areia, lindo.
Quando viemos para São Paulo, percebi que foi muito rápido, ousado, sem preparo. A gente não queria vir, mas um cara foi no Marakuthai da ilha, falou que tínhamos que subir a serra, botou pilha e minha mãe enlouqueceu.
Eu caí no meio de São Paulo, larguei uma vida caiçara de 20 anos, entrei aqui sem conhecer uma pessoa, sem conhecer uma rua, trabalhando de segunda a segunda, almoço e jantar. Lá eu trabalhava de quarta a sábado. De repente estávamos eu, minha irmã e minha mãe num apartamento de 45 metros quadrados.
Eu me perguntava: por que fiz isso? Daí em três dias de Marakuthai aberto, o Josimar Melo (crítico gastronômico da Folha de SP) foi lá. Caos total, eu na cozinha tremendo. Nem sabia quem era ele, nem sabia que existia crítico. Juro, não estou zoando. Em cinco dias, sai um texto dele acabando comigo. Acabando. “Imatura”, “subiu a serra e deixou não sei o que lá”… Fiquei acabada, querendo ligar e xingar ele. Eu tinha acabado de abrir!
Bem, minha vida ficou um inferno durante seis meses, depois conheci um menino, comecei a namorar, passou um tempo. Mas um belo dia eu surtei. “O que estou fazendo da minha vida?” Um dia não levantei da cama. Não sabia porque tinha a melhor vida do mundo e troquei pela pior vida do mundo. Fiquei uns dois meses fora, daí fui voltando aos poucos. Foi aí que fui para o Noma.
Isso há quanto tempo? Cinco anos. Essa depressão foi um conjunto de muito estresse e também de um questionamento: quem disse que eu queria estar fazendo essa cozinha? Eu sempre gostei dessa comida com toques asiáticos, fazia em casa, mas como profissional não era a cozinha que eu queria fazer. Eu gosto de fazer isso em casa. Eu e meu namorado só comemos noodles em casa, muito curry, comida apimentada. Eu tenho esse paladar asiático. O Marakuthai era um hobby que virou um problema.
Eu tinha um prato de camarões acebolados, uma coisa gigante, bem brega, cheio de banana, os clientes piravam e toda vez que eu servia ele eu falava: “Gente, isso não sou eu”. Queria morrer. Uma vez mudei o prato e um cliente foi na boqueta e me falou: “Você está louca? Quero meu prato de volta”. Eu comecei a chorar. Não queria fazer isso para o resto da minha vida. É aí que entra o Noma.
E também surge o Ema na sua volta? Eu fiquei louca pelo Noma. Quando voltei, já era. Pus o pé no Marakuthai e sentia arrepios. Aquilo era minha infância caiçara ilhabelense, mas existia uma nova Renata cozinheira. Queria mostrar outro tipo de comida. E aí surge o Ema, sem me pôr num quadrado de cozinha asiática, francesa ou italiana. Se um dia eu quiser pôr aqui um hambúrguer, teremos. Aqui tem tudo, fideuá, releitura de niçoise, tem menu-degustação, que eu amo servir.
Após sua volta do Noma, em quanto tempo você colocou o Ema de pé? Em seis meses estava aberto. Quando voltei do Noma, entrei no Marakuthai e surtei. Dois dias depois, estava descendo a Consolação e vi um placa de aluguel onde era o Ema velho. Liguei pro cara, ele estava perto, abriu para mim, eu perguntei o preço. Falei: “Moço, não sei o que vou fazer aqui, mas estou alugando agora. É meu”.
Liguei para minha mãe e para Rejane e falei: “Se vocês não quiserem abrir comigo, vou fazer um ateliê de pintura”. Naquela época estava pintando as emas - o Ema existe por causa dos quadros de ema. Elas me chamaram de louca. Meu pai veio da Ilhabela me encher o saco, disse que eu tinha pirado, que ia dar errado. Depois de aberto, no primeiro dia em que meu pai foi ao Ema, ele sentou no balcão, tinha fila de espera na calçada e eu tive que mandar ele levantar e dar lugar para um cliente.
E agora, o que vem depois? Todo mundo me pergunta se vai ter um próximo. Hoje, não tenho mais a inquietação de querer mostrar outra cozinha. O que eu quero mostrar está aqui, no Ema. Então, acho que agora dei uma sossegada, eu mudo o cardápio todo dia, faço o que quiser. Quando você sair, eu vou para o escritório mudar, porque recebemos uma carne nova, mexilhões.
E o Me Gusta nessa história? Nasceu como um barzinho despretensioso nailha, é bem jovem, tem música alta. Por isso, quando trouxe ele para cá, minha tia Rejane decidiu fechar lá porque não tem a cara dela. E criamos o Lambisgoia. Aqui está um sucesso, faz um mês que abrimos e são 200 pessoas por noite, fila de espera a noite inteira, mais que o Ema.
É um bar com cara de Pinheiros, despretensioso, em plenos Jardins. Exatamente isso. É acessível, tem comida barata, petiscos, muitos frutos do mar, uma pegada praia, os drinques estão animais. Lá na ilha, o Lambisgoia tem essa pegada praia também, areia no chão, tudo montado num barco. Em todas as casas a gente se liga muito na decoração.
Encontrei sua mãe na obra do Marakuthai Kumbukha. É ela que sempre toca as obras, cuida da decoração? Ela sempre foi decoradora, lá na ilhabela fazia casas, ela curte, é do que ela gosta, de criar. Ela é criativa. Quando a gente veio para São Paulo e ela teve que cuidar do Marakuthai, não era uma coisa que ela queria fazer, e hoje ela é o financeiro da casa. Às 9h ela está no escritório. Um negócio burocrático, chato, quadrado.
Eu sinto que ela, quando para e não tem mais o que criar, precisa de um projeto novo. Com essa mudança do Marakuthai para Kumbukha, eu falei: “Mãe, pelo amor de deus, acabei de abrir o Ema, o Me Gusta, o Lambisgoia. Vamos adiar um pouco. Estamos esgotadas”. Mas ela falou que ia mudar e pronto. A gente ficou louca, todo mundo brigou.
Você é a filha mais velha, 28 anos. Como é sua irmã, Luiza, de 24 anos. Inquieta como vocês? A minha irmã é outro tipo, ela acha que eu e a minha mãe somos loucas. Luiza hoje é o financeiro do Ema e do Me Gusta de dia, e é gerente do Ema à noite. Trabalha de dia e à noite o tempo inteiro. É mais uma que não tem vida, que entrou nessa loucura, só que é o meu braço direito em tudo. Faz todos os pagamentos, é gerente, faz reunião. À noite, Mamá (Mariana Bueno), uma amiga de infância da Ilhabela, eu trouxe para São Paulo para ser gerente do Me Gusta à noite. Elas são uma duplinha, de dia trabalham no escritório e à noite uma em cada casa.
Voltando a eu, minha mãe e Luiza, minha irmã é mais pé no chão, não é uma pessoa que quer projetos novos. Ao contrário, é supermedrosa, tem mil pânicos. Eu e minha mãe não temos medo de nada. Mas para mim isso, na verdade, não é coragem. A gente é realmente sem noção, não pensa em nada. Quando falei para minha irmã da mudança do Ema para cá (para o imóvel maior, em 2016), ela ficou perguntando: “Mas, Renata, e se, e se...”. Eu sou prática, fiz uma conta: quanto é o aluguel, quantos lugares vão rodar, quanto teremos de ticket médio. Bateu a conta? Bora!
Como Luiza caiu nessa história? Ela é formada em publicidade, mas comecei a precisar dela pessoalmente, para me ajudar com umas coisas que eu não dava conta. Dava uma grana por mês para ela me ajudar a resolver problemas: ligar para alguém, enviar um sedex, me lembrar de uma matéria. Já tem uns três anos isso. Daí quando vimos, já estava de outro jeito.
Mas Luiza é sócia de tudo como você? Ela não estava na abertura do Marakuthai na ilha, né? O Grupo Marakuthai são vários negócios, cada negócio uma sociedade diferente. O grupo fixo que está em todos os negócios sou eu, minha mãe, minha tia Rejane e minha prima Aline. Rejane fica na ilhabela, cuidando do Marakuthai de lá e do Lambisgoia. Aline é cozinheira, filha da minha tia Ana. Minha mãe tem 6 irmãos, sendo 5 mulheres, entre elas Rejane e Ana.
O único lugar em que nós quatro estamos sozinhas, sem outros sócios, é no Bufê Marakuthai, que faz eventos no litoral e em São Paulo. Daí tem Luiza, meu pai, Renê, e outros familiares com participações nas outras casas.
Aline, além de minha prima, é minha melhor amiga. Ela foi para o Noma comigo. Quando abrimos o Marakuthai da ilha, ela estava fora do Brasil. O negócio tomou um tamanho catastrófico. A gente recebia pedido de noiva querendo casar na ilha e não tinha bufê. Eu liguei para Aline e falei pelo amor de deus para voltar. Dois anos depois de termos aberto o Marakuthai, ela voltou e ficou responsável pelo bufê.
Tem dinheiro de fora nos negócios ou só de vocês da família? Só no novo Ema. Quando mudamos da casa menor para o endereço maior, ganhamos um sócio investidor, que não quer aparecer.
Voltando para a “doença” da inquietude das mulheres do grupo, como se comportam sua prima Aline e sua tia Rejane nessa história toda? Eu e minha mãe somos iguais no quesito impaciência, criativas, com insônia porque queremos criar para todas áreas. Uma vez uma amiga ia casar e eu a ouvi falar sobre um vestido com minha outra amiga que é estilista. Eu passei a noite inteira pensando e desenhando num vestido de noiva para ela. Minha mãe é igual, passa a noite em claro obcecada em resolver os problemas dos outros. É hiperatividade. Somos xerox uma da outra.
E o grupo Marakuthai têm a nossa alma, na concepção de tudo. Daí, a Rejane entra com uma função mais pé no chão, calma, não é hora. Ela pensa em logística, no operacional, em tudo o que eu e minha mãe não pensamos. A Aline não tem essa inquietude de abrir casas, não é a parte criativa, mas é uma parte essencial. Ela executa. Ela vai num casamento, entra às 14h e vai sair às 9h do dia seguinte. A gente brinca que ele é tipo Hitler, perfeccionista. Um lado que eu e minha mãe não temos.
Rejane e Aline são a balança para você e sua mãe? Dão um freio? Sim, dão um freio. Por exemplo, o Marakuthai Kumbukha ia abrir neste ano. Aline fez a cabeça da minha mãe para abrir no ano que vem, com mais calma. Em tudo isso, além de nós quatro, ainda tem as outras irmãs da minha mãe, Ana (mãe de Aline), Suzana, Thaís e Patrícia, que abriram um negócio há um ano para fornecer exclusivamente para a gente, o Marakuthai Festas. Uma empresa de aluguel de utensílios para os eventos que fazemos com o bufê. Nos jornais só sai Renata, Renata, Renata. E não é verdade. É Renata, Aline, Silvia, Rejane, Luiza…
Qual o negócio mais rentável? E você tira dinheiro de um lugar para botar no outro, ou são financeiramente independentes? O bufê, com certeza, é o mais rentável. E a única vez que fiz intercâmbio de dinheiro foi quando abri o Ema velho, com dinheiro do bufê.
Você dorme quantas horas por dia? Pouco. Hoje, por exemplo, meu olho está ardendo. Ontem fui dormir às 3h e pouco da manhã e acordei às 8h. Teve um dia em que eu estava numa mesa e tinha que aprovar com a gráfica o cardápio do Lambisgoia, o do Marakuthai novo da ilha, o do Me Gusta, o novo do bufê, uns cinco ao mesmo tempo. Foi muita coisa neste ano. Vamos ter um recesso agora no Réveillon e, depois de abrir o Marakuthai Kumbukha, quero descansar um pouco. Esse ano pegou, estou cansada. É a primeira vez em 10 anos que sinto isso. Primeira vez que só quero sentar no sofá para ver um filme com meu namorado (risos).
SERVIÇO
Marakuthai Kumbukha Al. Lorena, 1.295, Jardins Abre dia 13/1
Marakuthai Itaim Bibi R. Pais de Araújo, 77, Itaim Bibi Tel.: 3078-3246
Ema R. Bela Cintra, 1.551 (sobreloja), Consolação Tel. 98232-7677
Me Gusta R. Bela Cintra, 1.551 (térreo), Consolação
Mais informações no site do grupo