Nos últimos meses, não foram poucos os anúncios de restaurantes, bares e tantos outros negócios de diferentes setores, que fecharam as portas em decorrência da crise gerada pela pandemia do novo coronavírus – foram ao menos 12 mil só na capital, segundo último levantamento realizado pela Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel). Mas como diz a máxima: é também da crise que nascem oportunidades. E ela não existe sem motivos.
No meio de tantas notícias desalentadoras, é possível testemunhar empreendedores que desafiaram as estatísticas e apostaram nas suas ideias, algumas já em andamento antes mesmo da pandemia, e outras que nasceram em meio a ela. A melhor parte, não são poucos.
O caso do recém-inaugurado Lobozó – por enquanto apenas no delivery –, do chef Marcelo Correa Bastos, do Jiquitaia, em parceria com o sociólogo Carlos Alberto Dória, é um deles. O restaurante de cozinha caipira, “a cozinha do milho, do porco, da galinha”, que nasceu quando os dois estavam escrevendo o livro A Culinária Caipira da Paulistânia em 2018, estava próximo do fim das obras quando a pandemia chegou ao Brasil.
“Foi bastante frustrante, desanimador ver todo o esforço posto até ali represado pelas circunstâncias”, entrega Marcelo. “Mas se tem uma coisa que a pandemia me ensinou foi reforçar a ideia que é preciso ter paciência.”
Terminaram as obras com calma e começaram a pensar no que fazer. No fim de julho, lançaram o delivery com poucas pedidas – entre elas, o frango caipira assado e o cuscuz paulista, que já estavam previstos no cardápio –, aos sábados e domingos “para aquecer a cozinha, gerarmos uma renda mínima e pensarmos no rumo da casa”, conta. Agora, ele planeja abrir as portas do restaurante, instalado na Rua Medeiros de Albuquerque, Vila Madalena, ainda em setembro.
O delivery foi a forma que muitos encontraram para dar vazão a projetos durante este período. E tudo aponta que ele vai ficar, mesmo depois que tudo isso passar. Virou uma ferramenta para os chefs testarem suas ideias, antes de apostar num ponto físico.
“Já tinha toda a ideia do Make Hommus. Not War concebida há mais de um ano e planejava abrir a loja neste segundo semestre, mas com o início da pandemia, deixei ele de lado”, conta o chef Fred Caffarena, à frente do Firin Salonu, do Kebab Salonu e da nova marca, onde a pasta de grão-de-bico levantina é a protagonista. “Foi quando percebi que os pratos do Firin não viajavam bem e, na realidade, o Make Hommus faria todo sentido nessa conjuntura, as pessoas estão buscando comidas reconfortantes.”
Ele, então, tirou o projeto da gaveta e lançou, em maio, o delivery que sai da cozinha do Firin, que estava até então ociosa. São atualmente quatro opções de tigelas fixas, todas tendo como base o homus e incrementadas com coberturas variadas, como carne assada, quibe, legumes assados e couve-flor. Em três meses, viu o faturamento chegar a 50% do que o Firin ganhava em tempos normais. O ponto físico ainda virá, mas agora sem pressa. “Talvez no início do ano que vem.”
Mudança de planos
O Osso Smash House também nasceu nos aplicativos, mas se prepara para ganhar um ponto físico em setembro. “Na primeira semana batemos a meta que havíamos estipulado (foram mais de mil hambúrgueres no primeiro mês)”, conta Guilherme Mora, que toca, ao lado do irmão Gustavo, a hamburgueria fruto de uma parceria com o estrelado Renzo Garibaldi, açougueiro e chef peruano do restaurante Osso, em Lima.
A lanchonete digital, lançada em maio, é especializada em smash burguer, aquele bem fininho, produzido com carnes dry aged maturadas no restaurante Cór, do grupo. Se não fosse a pandemia, o Osso teria passaporte lusitano.
“Estava com o business plan pronto e o ponto escolhido para abrir a Smash House em Coimbra, aí veio a pandemia e tive voltar ao Brasil, teoricamente para ficar 15 dias. Parado por aqui, e com as cozinhas do grupo fechadas, vi uma oportunidade”, conta Mora. A hamburgueria inaugura na Rua dos Pinheiros no próximo dia 1º.
Na contramão, o Locale Caffé já estava pronto para abrir suas portas no Itaim Bibi quando viu a quarentena bater à porta. “Decidimos segurar a estreia e repensar o projeto”, explica Gabriel Fullen, um dos sócios do grupo que também comanda o japonês Oguro, no mesmo bairro. A saída foi investir no delivery. “Apostamos nas apresentações, capricho nas entregas, e nos produtos que viajam bem, como a pizza e drinques, para conseguir já transmitir um pouco da experiência do Locale na casa das pessoas.”
O misto de café e bar de essência italiana, com pedidas como panini e uma vitrine de canolli feitos na hora, já está com o salão aberto na Rua Manuel Guedes, mas seu delivery, que nem estava nos planos originais, vai continuar. “Já estamos investindo em duas dark kitchens”, diz Fullen.
A história se repete com o Balcone. Se o charmoso sobrado com tijolos expostos seria a grande atração do restaurante italiano na região de Pinheiros, a solução foi inverter os planos e se lançar no delivery.
“Uma vez que todo o planejamento foi feito para abrir um salão e receber as pessoas, sentimos um grande baque. O delivery era uma ideia para o futuro, a pandemia exigiu uma inversão deste plano”, explica Gabriel José, sócio da nova casa que ainda não tem data para receber os clientes.
Estreia virtual
Recém-inaugurado no mundo digital, o Charco Café fez sua estreia nos aplicativos de entrega na última sexta-feira, 7. O irmão do restaurante dos Jardins já era um sonho antigo dos donos, o chef Tuca Mezzomo e a confeiteira Nathália Gonçalves, responsável pelas receitas que compõem o cardápio online, que mescla doces autorais e tradicionais, pães salgados e doces, como cheesecakes, brioches, babkas, além de manteigas e antepastos de pequena produção diária. A nova marca, possui loja própria no Rappi e também no IFood.
A experiência com o delivery do restaurante criado durante a quarentena motivou a dupla a colocar o projeto em pé. “Ganhamos traquejo e confiança com o modelo de entrega, e vimos que não havia porque esperar mais”, explica Nathália. “Por enquanto não temos planos do Charco Café virar uma loja física.”
A prova que a São Paulo gastronômica continua efervescente mesmo em tempos de crise, é que as novidades não param por aí. Quem abre os aplicativos de entrega ainda encontra novos nomes. Caso da pizzaria Bello Bello; da Doug’s, hamburgueria de ultra smash burger; e a Bunmí, produção artesanal dos sanduíches chineses, os buns, em diferentes recheios, do chef Rodrigo Valente. E nem devem parar.