A videira não deve ser tratada a pão de ló. Se o solo é pobre, ela se esforça mais, as raízes se aprofundam em busca de nutrientes e acabam alcançando mais riqueza mineral do que em nível superficial. Isso resulta em fruta mais interessante e concentrada.
A mesma lógica se aplica a outros fatores: a uva tende a ganhar personalidade quando cultivada em geografias ou climas inusuais, quando vem de planta muito velha ou selvagem ou quando é produzida com muita dificuldade física. Um bom exemplo é o Icewine canadense, feito a partir de uvas congeladas.
Neste limite quase impossível estão os vinhateiros-guerrilheiros, que produzem em condições extremas. Talvez você já tenha experimentado algum de seus vinhos sem notar (nem sempre são tão exóticos como o Icewine).
Provei seis deles num painel organizado por Guilherme Garcia, responsável técnico pelo conteúdo da Enocultura.
Da Viña Ventisquero havia um branco excepcional produzido no Atacama, o deserto mais seco do mundo, ao mesmo tempo frio pela proximidade com o Oceano Pacífico. Tem solos calcários e neblina pela manhã. Para aproveitar as uvas deste terroir, Felipe Tosso, o enólogo, resolveu intervir o mínimo, optou por colheita manual e o seu Tara Chardonnay (R$ 450 na Cantu) tem pisa a pé, com rendimento de 40% das uvas. É um vinho elegante, com certa cremosidade e salinidade muito perceptível. A linha Tara tem ainda um Pinot Noir e um Syrah.
De Santorini, na Grécia, uma vinha de mais de 400 anos, com baixo rendimento, solo pobre e clima mediterrâneo, faz o mineralíssimo Thalassitis 2016 (R$ 243,13 na Mistral). Há séculos essas vinhas são organizadas em cesta para vencer o vento local.
De Salta vêm o Colomé Lote Especial Altura Máxima Sauvignon Blanc 2017 (R$ 319 na Decanter), extremo pela altura dos vinhedos de mais de 3 mil metros, clima desértico, pluviosidade ínfima, noites frias e dias quentes (a variação pode chegar a 25°C) e radiação UV altíssima. Os mais de 350 dias de sol no ano acentuam cor, aromas e açúcares. O resultado é um vinho mineral, acidez alta, rico e interessante.
Entre os tintos, o naturalíssimo Villalobos Carignan 2016 (R$ 354 na Winerie) vem de um vinhedo completamente selvagem (assim como as leveduras usadas na produção), que não recebem qualquer tratamento há mais de 60 anos. A extração é baixíssima, o que resulta corpo médio (novidade para a Carignan), que guarda rusticidade nos aromas – há uma presença animal forte.
Da Basilicata, região italiana de solo vulcânico entre Puglia e Campânia, veio o Basilisco Aglianico Del Vulture Teodosio 2013 (R$ 153 na Belle Cave), de vinhas extremamente velhas e que repousa em cavernas do século 15 construídas por albaneses em fuga. O vinho é intenso e, com seus seis anos de vida, além da geleia mostrou notas balsâmicas e de couro.
Por fim, um Pinot Noir de Ahr (R$ 283 na Decanter), a região mais ao norte do mundo a cultivar a casta e que nos anos 1990 passou a fazer vinhos de alta gama, graças ao microclima mediterrâneo encontrado em um vale protegido por montanhas.
Outro extremo é o Vista da Mata da Guaspari (R$ 198 na loja da vinícola). Ou você acha que cultivar Cabernet Franc e Cabernet Sauvignon na região do café paulista, alterando o ciclo da vinha, não é uma forma de viticultura extrema?