Nem da Califórnia, nem da Puglia, vem da Croácia a nova namoradinha do Brasil, a Primitivo. Essa cepa de clima quente, que faz um vinho encorpado e de taninos redondos e sedosos nasceu Tribidrag. Na Puglia, o primeiro registro de que se tem conta é de 1799, quando foi descrita como primativus – que significa “a primeira a amadurecer”, uma de suas características mais marcantes.
Por aqui, veio pegar o trono que até bem recentemente foi da Malbec, um dos maiores cases de recall na hora em que o sommelier se materializa ao lado da mesa e que invariavelmente dá aquele branco sobre o que pedir. Diferentemente da casta francesa, no entanto, é mais vinho de consumidor – que pede e repete – do que de connoisseur – que tem certa má vontade com a variedade e torce o nariz para ela. (O que é explicável, de certa forma, porque com a fama da cepa chega de tudo no Brasil, dos achados aos que queremos que se percam).
O fascínio do brasileiro é explicado por um conjunto de predicados: faz um vinho fácil de beber e democrático, encorpada e com poucas arestas; e, acima de tudo, tem bom preço, mostrando-se uma alternativa europeia a chilenos baratinhos.
Para o mercado, o resultado desse “bem-querer” é a corrida de importadoras por novos rótulos. Em um mês, o Paladar reuniu uma dezena de amostras de lançamentos com a cepa. O importador que não tem um varietal de Primitivo está em busca de seu primeiro, e quem já tem quer mais.
“Era uma uva pouco explorada no Brasil, um País que gosta muito de varietais, mas que se restringe um pouco às castas francesas. O vinho encanta por ser encorpado, mas muito equilibrado, com taninos suaves. Agrada facilmente a muitos tipos de paladar”, diz André Chicau, da Adega Alentejana, especializada em vinhos portugueses, mas que expandiu seu portfólio de países com a inclusão de italianos da Colle Petrito, produtora do sul da Itália.
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Celso La Pastina, que comanda La Pastina e World Wine, talvez seja o maior importador da cepa no Brasil, com 15 rótulos. A simpatia por ela é explicada pela origem da família, que veio da Puglia, lugar que define como “horta da Itália”. Escolheu um varietal mais trabalhado, o Dal 1947 Primitivo de Manduria DOP (R$ 240) para ser o vinho de aniversário da La Pastina e tem três outros em sua linha própria da World Wine, a Terra Rossa, feita em parceria com a vinícola italiana Vinosia.
“A Primitivo caiu no gosto, tem o DNA do brasileiro. E uma das paixões locais é o churrasco. Se preparado só no sal, fica muito bom com a Primitivo”, defende. Ele destaca ainda o preço. “Seus vinhos top custam R$ 240, enquanto os de outras regiões vão a R$ 800.”
Os novos Primitivos
Como comprar, como beber
Reuni nove primitivos recém-chegados às prateleiras e convidei os sommeliers Marcos Martins, do Tête à Tête, e Renata Quirino, do Azulejo Pernambucano, para prová-los. Elegemos os cinco melhores, apresentados aqui. Pedi dicas de compra e serviço aos dois. O que eles recomendam é buscar safras recentes, pois o Primitivo não costuma ser um vinho de guarda. Lembram que é alcoólico por natureza, portanto, não se assuste com altos índices no rótulo ou se sentir um ardor no nariz. Não é defeito, mas característica. A dupla define as regiões mais conhecidas. Os de Salento e Manduria serão mais elegantes; os da Puglia, mais quentes, com extração maior. Por fim, divide os Primitivos em duas escolas: os tradicionais com muito corpo, fruta e álcool, que casam com a comida “da nonna”; e os mais modernos, elegantes e frescos, que vão bem com pratos mais leves.
A batalha judicial Primitivo x Zinfandel
A onda do Primitivo é tão grande no Brasil que as importadoras com portfólio forte em vinhos norte-americanos, caso da Winebrands, usam o apelo da versão italiana para vender a americana. O novo Motto Unabashed Zinfandel 2014 (R$ 98,10 na Winebrands) é um bom exemplo, um lançamento trazido para ser oferecido aos que procuram Primitivo. Mas o curioso é que as duas cepas (duas ou uma?) vivem em litígio.
Tudo começou nos anos 1970 quando desconfiou-se que o DNA era o mesmo. Produtores italianos passaram então a vender Primitivo nos EUA com o nome de Zinfandel, o que preocupou os americanos pois em sua visão poderia por o patrimônio centenário (e os esforços de marketing) da Zinfandel em risco no mercado. Entraram com um processo para proibir o uso do nome. Nos anos 1990, um estudo genético minucioso concluiu que as duas têm sim a mesma raiz. A partir daí, uma sucessão de recursos judiciais dos dois lados deixou a questão sem acordo até hoje.
Nos EUA, a Zinfandel se estabeleceu no fim do século 19 no norte da Califórnia, onde tornou-se uma queridinha dos viticultores pela alta produtividade. As melhores uvas cultivadas hoje vêm de vinhas velhas de Sierras ou no Dry Creek Valley.