O mundo do vinho é cheio de casas de marimbondo: no minuto em que você esbarra em uma, por acidente ou de propósito, começa um zumbido furioso que vai se transformando num uivo e força a gente a buscar refúgio num abrigo ou numa cerveja.
Entre os vespeiros mais estridentes destaca-se o dos vinhos naturais. São produtos que, embora mal ocupando uma tênue fatia do mercado, têm o dom de polarizar, e não só pela exclusão implícita contida na palavra "natural" - se o seu vinho é natural, o meu é o quê? Não natural? Artificial?
A simples tentativa de definir o termo já provoca áspera discussão daquelas que são mais comuns entre filósofos ou comentaristas esportivos. Generalizando, trata-se de cultivar uvas organicamente, ou próximo disso, e fazer vinhos com o mínimo de manipulação - com o vinicultor nada acrescentando, nada tirando, apenas "pajeando" o suco de uva até ele fermentar em vinho.
Falando assim, parece o tipo de idealismo que só mereceria incentivo. Mas na verdade, os vinhos naturais e seus adeptos têm sido criticados em jornais e revistas, em conferências e na internet.
Alguns colunistas advertem para a usurpação do "verde", a prática de fazer afirmações falsas ou exageradas sobre as virtudes da produção ecológica visando ao mercado. Outros se ressentem contra o que consideram uma "santificação" não apenas dos vinhos naturais, mas dos próprios adeptos desses vinhos. Pior ainda é a afirmação de que muitos vinhos vistos como naturais são sujos, impuros e inequivocamente ruins.
"Natural não significa perfeito", foi o título de um artigo no Washington Post do colunista Dave McIntyre. "A abordagem minimalista do movimento pelo vinho natural, se levada ao extremo, pode ser uma desculpa para se fazer maus vinhos", escreveu ele.
Para os fãs dos vinhos naturais, e eu sou um, as críticas podem ser profundamente frustrantes. A maioria das pessoas que produzem ou gostam desses vinhos o fazem simplesmente porque apreciam seu sabor, não por dogma. Quando bons, os naturais podem ser soberbos, ousados, vibrantes e frescos, graciosos e fáceis.
"Você gosta de queijo de leite cru, prefere pão com fermento natural a pão branco?", perguntou Lou Amdur, cujo bar de vinhos em Los Angeles, Lou on Vine, participou no mês passado de uma série de seminários e debates sobre vinhos naturais. "A discussão sobre esses vinhos é a mesma."
Espera-se muito dos vinhos naturais, em parte por causa da conotação de pureza do termo. E é injusto criticar o gênero porque nem todos os produtos atendem às expectativas. Vinho ruim é vinho ruim, seja ele qual for. McIntyre poderia, com a mesma facilidade, criticar marcas importantes por usarem sua popularidade e sucesso comercial para justificarem vinhos atrozes.
Tenho tomado vinhos do Loire e Beaujolais, onde o movimento natural começou, tão limpos e cristalinos quanto se possa desejar. Outros eram turvos e com cheiros estranhos, embora encantadores. E, sim, alguns eram desastres microbiológicos, refermentando na garrafa ou pior. Os erros foram poucos, porém, enquanto os bons exemplares estavam entre os mais belos vinhos que já provei.
"Geralmente são vinhos experimentais, e admiro as pessoas que arriscam seu ganha-pão para fazê-los", disse Amdur. "Esse pessoal não está fazendo muito dinheiro."
Entretanto, alguns produtores tentam embarcar na crescente tendência ambientalista dos consumidores rotulando seus vinhos de biodinâmicos e orgânicos. Em parte, isso imita o movimento dos alimentos orgânicos, no qual grandes empresas, para não perder terreno, tentaram cooptar a tendência, baixando padrões e usando seu poder de mercado.
"Há produtores que dizem estar plantando organicamente, mas isso é verdade apenas 85% das vezes", disse Scott Pactor, dono da Appellation, uma loja de vinhos em Manhattan que tem uma vasta coleção de orgânicos, biodinâmicos e sustentáveis. "A usurpação do verde gera cinismo."
Não me surpreendo quando encontro exageros entre os que dizem fazer vinhos naturais - ou outro tipo de vinho. Desde a antiguidade o comércio vinícola tem fraudes, adulterações e trapaças.
Embora o número de produtores de vinhos naturais e restaurantes que os exaltam seja pequeno, sua influência é desproporcional. Como acontece com músicos, artistas e escritores de vanguarda, o movimento espalha ideias que vão além dos interesses da vasta maioria de seus fãs. Tais ideias podem mudar o modo de as pessoas pensarem em viticultura e preparo de vinhos.
Alguns dos vinicultores podem adotar métodos primitivos, mas outros decididamente empregam a ciência em sua arte. O fato é que fazer vinho sem o auxílio de aditivos químicos ou outros atalhos tecnológicos exige precisão e rigor. Muito mais, talvez, que a vinicultura convencional. Acho essa paixão inspiradora.
Não faz muito a onda de alimentos orgânicos era considerada praia de excêntricos e fanáticos. Entretanto, contribuiu para melhorar a qualidade e o sabor da comida, e muitas das ideias defendidas pelos "excêntricos" triunfaram. O mesmo pode ocorrer com os vinhos.
*É CRÍTICO DE VINHOS DO NEW YORK TIMES
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