Vi a notícia no perfil do chef e surfista Dario Costa, de Santos, que comemorou a chegada das lulas mais deliciosas ao litoral da Região Sudeste, começando por São Paulo. Eu comemorei também, quando li: "Em novembro, já tivemos dias de água quente. É quase mágico, porque elas começam a aparecer na hora. É muito louco perceber, de dentro do mar, os sinais do que está por vir. Ficou na cara que a temporada delas seria boa. Agora, no final de dezembro, depois de entrar no mar hoje de manhã e sentir, mais uma vez, a água quente tudo faz sentido: cheguei em casa e tinha um monte de mensagens de amigos que vivem do mar dizendo que tá cheio de lula. Essa época do ano, mesmo com poucas ondas, é boa demais aqui na costa sudeste @madecozinha", escreveu o chef, destacando no fim o perfil do primeiro de seus seis restaurantes, incluindo o Bendita Noronha, lá mesmo no Parque Nacional Marinho e Santuário Ecológico.
Já faz alguns anos que eu festejo com alegria a chegada da temporada de lulas ao Rio, movimento que passei a observar caminhando no calçadão de Ipanema de manhã cedo, quando vários barquinhos, muitas vezes dezenas deles, se posicionam perto da Pedra do Arpoador, um dos melhores pontos de pesca de lula no Rio.
São pescadores artesanais, que saem da colônia Z-13, no Posto 6, em Copacabana, junto ao Forte, do outro lado da famosa ponta rochosa, que fica no fim da orla de Ipanema, de onde se tem a mais linda vista do pôr-do-sol - digna dos aplausos que recebe.
referenceLogo mandei mensagem para o Homero Cassiano, do Mitsubá, no Leblon, o mais atento restaurateur que conheço quando o assunto são as iguarias marinhas: está sempre por dentro do movimento dos pescadores.
- Você consegue até pegar lula o ano inteiro, mas ela rareia, e fica muito cara. Mas, hoje recebi lulas de Ubatuba. Hoje estou recebendo lulas de São Pedro da Aldeia. Estou em Arraial do cabo, e ontem à noite eu comi uma lula espetacular, pequena, mas espetacular, viva, viva, viva. O problema é que fora da temporada os caras pegam elas no arrasto, entendeu, e assim machucam a lula, perde o couro, e fica mole, não serve para sushi. O pico da pesca no Rio é janeiro e fevereiro, mas a temporada vai até abril, às vezes maio. Do mesmo modo, já recebemos lulas vivas em outubro. Usamos em sashimi e sushi. Também temos a ika-sautée, que são lulas apimentadas, salteadas com aspargos, shiitake e fetuccini negro, feito com a tinta - diz Homero, que também já me serviu essas preciosidades em forma de crocantes tempurás, desses que a gente se lembra na hora quando senta para escrever, mesmo que isso já tenha acontecido há quase dois anos.
Outro lugar de referência para mim nesse assunto é o Venga Chiringuito, o "quiosque" de praia do bar de tapas espanhol, que fica na Praia de Copacabana, pertinho da colônia de pescadores do Posto 6. Em 2025 vou pegar a minha quarta temporada de lulas na casa do restaurateur Fernando Kaplan, que se também serve os peixes do Posto 6 fresquíssimos em seu restaurante praiano, espalmados e assados na brasa.
Já comi, pelo menos, três versões diferentes de lulas cariocas no Venga. Em forma de paella, com direito a socarrat muito bem executado; assada na brasa, com aioli de limão e uma espécie de chimichurri; e novamente numa paella negra, "em su tinta", como se diz na Espanha.
Foi em maio, assim que voltei da Espanha, que fui apresentado para uma versão de lula "em su tinta" que me arrebatou - e que já repeti duas vezes. Eu acabara de voltar da Galícia, e o Marcos Alonso, de família galega, que acompanhou a viagem, me convidou para almoçar, para falarmos desta região espanhola, famosa pela qualidade de seus peixes e frutos do mar.
Levei uma lata de bonito del Norte, famosa conserva de peixe desta precisa costa, que abrimos à mesa e servimos de modo muito simples: cebola roxa em tiras fininhas, azeite e salsinha.
Ele me retribuiu trazendo um prato de lulas "em su tinta", de modo exemplarmente preparado, servidas com torradinhas temperadas com azeite de ervas e alho, para limpar o prato.
- Tem um caldo de galinha nesse molho, ou algo assim, né? Tá muito bom - eu disse.
- Tem, sim, é por aí mesmo. A gente extrai a tinta das lulas, que chegam íntegras, e muito frescas, na hora do preparo. É a melhor maneira, tirar no momento do preparo, mas eles precisam estar muito, mas muito frescas mesmo - respondeu o sócio do Fim de Tarde, endereço muito tradicional do Centro da Cidade, fundado por seu pai, de quem herdou a hospitalidade.
Almoçar ali é garantia de felicidade para mim, através de cavacas e sardinhas, de fideuás e tortillas, de camarões e 'pulpo a feria" - e até mesmo de um coelho que também marcou meu ano, assim como essas lulas. Certamente esse ano vou repetir a dose. Mais uma de uma vez, com toda a certeza. Com um bom Albariño, de preferência.
Outro lugar que serve lulinhas da Costa do Rio de Janeiro de modo que me deixa muito feliz é o Belisco, da chef Monique Gabiatti, em Botafogo.
Acho tão bom, mas delicioso, quando chego neste bar de vinhos especial e peço as "Lulinhas de Arraial" (do Cabo): são grelhadas em azeite de alho assado, e finalizadas com gremolata. Pães quentinhos acompanham, porque o molho, sozinho, já é uma delícia: tem que chuchar!
Perto dali, em seu Polvo Bar, ela também prepara as famosas "lulinhas de Arraial, temperadas à moda praiana, empanadas, acompanhadas de limão e maionese tártara", como apresenta o curto e certo menu beste boteco marinho.
(Em breve ela abre a Polvo Marisqueria, também pertinho dali, que terá cardápio um pouco mais robusto: certamente não faltarão as lulinhas de Arraial).
Dá até para beber essas lulas, literalmente, e não estou falando de caldinhos ou sopas. No Salí Bar de Mar, no Leblon, que tem consultoria do chef francófilo Ricardo Lapeyre, agora em São Paulo, à frente do Le Bulô Brasserie do Mar, no Itaim (recomendo muito), eles servem um drinque bem original. Seu nome? Bloody Salí (que vem de salicórnia). A receita é assim: vodca, mix de temperos, limão siciliano, suco de tomate, tinta de lula, azeitona e sal de páprica, e a guarnição são as perninhas grelhadas e azeitona verde. É defino no menu como "ácido, picante e cheio de umami", o que posso atestar e dar fé.
Por essas e outras, a temporada de lulas no Rio é uma delícia.
Desfrutem!