Na França dizemos que, nos queijos, furos são defeitos e olhaduras são virtudes. Os primeiros, o produtor não desejou na fabricação, enquanto as segundas, ele faz de tudo para acontecer. Mas na fronteira entre os dois conceitos temos muitas outras variações que podem causar dúvidas.
No extremo da virtude, temos queijos como o emmental suíço acima. É olhadura! Grandes, redondinhas, com aromas adocicados. É a população das bactérias propiônicas dando seu show no palco do queijo. Elas são caprichosas, levam de uma semana a 15 dias para aparecer, dependendo do tamanho do queijo, em temperaturas entre 18 e 22 ºC. Depois que o queijo estufa precisa levar para uma sala mais fria, entre 8 e 10 ºC, para ela adormecer e não explodir a casca.
No outro extremo, o queijo rendado. É furo! É a bactéria E coli se manifestando, soltando pum no queijo. Nas primeiras 24 horas ele incha, a massa ganha mil furinhos do tamanho da cabeça de um alfinete ou maior, são brilhantes, o cheiro é desagradável, a renda percorre toda a superfície do queijo.
Quando comecei a me interessar por queijo, em 2008 na Serra da Canastra, me contaram que o rendado é o preferido dos paulistas nos sacolões de periferia, comido esquentado na chapa quente... Justamente, o melhor jeito de não ter barriga inchada é torrar e derreter esse queijo (aliás, geralmente fresco, ele não derrete, esborracha).
Tem um terceiro tipo de cavidade que são as olhaduras mecânicas. Acontece quando dois grãos de massa não se soldam bem, na hora de enformar o queijo, e fica um espaço entre eles, que pode fermentar ou simplesmente abrir a massa em um formato irregular.
Essas olhaduras mecânicas são muito usadas em tecnologias de queijo azul, quando mexeduras suaves e tempos de repouso providenciam caverninhas que o mofo azul vai habitar. Essas olhaduras são super do bem e podem ser causadas em associação com bactérias que fermentam a massa, para potencializar o tamanho do espaço.
Queijos de leite cru podem dar também olhaduras irregulares, muitas vezes causadas por Leuconostoc, um microorganismo que dá um gosto super bom e aromas de creme fresco e manteiga ao queijo.
Leuconostocs aparecem muito em queijos de massa prensada não cozida, como os queijos minas artesanal, e também em queijos de cabra. De vez em quando vejo "experts" condenarem queijos com essas olhaduras irregulares, como se fosse E coli, não sabem o que estão perdendo. Elas dão gostos únicos e super complexos aos queijos, aquele sabor do terroir, só tem ali.
A dúvida é quando tudo isso se manifesta no mesmo queijo. Nesse caso, eu cheiro profundamente o queijo. Se o odor for bom é um excelente sinal. Como esse queijo abaixo que provei no concurso nacional de queijos de leite cru da França, que aconteceu dia 20 de outubro em Tours. Alguns jurados ficaram com medo da diversidade de aberturas na massa, causada pelo zoológico de microrganismos que ocupou esse leite, mas o cheiro era tão bom que ele acabou ganhando uma medalha... Queijo é vivo, não podemos esquecer.