Aventuras lácteas entre o Brasil e a França

Opinião|Os inúmeros benefícios dos queijos de leite cru


Coma queijos de leite cru para ficar saudável e não sofrer das doenças contemporâneas como obesidade, doença de Crohn... e se delicie pois eles têm os sabores mais complexos

Por Débora Pereira
Atualização:

Olhando essa casca linda de queijo de leite cru, tenho que confessar, eu não sou eu. Sou um ecossistema. Tem mais bactérias vivendo em mim que o número de células do meu corpo. Quando a tal da microbiota, que é o conjunto dessas bactérias, não vai bem, o intestino não funciona, eu fico de mal humor, engordo... Quando elas estão felizes e diversificadas, tudo funciona melhor, meus olhos brilham, eu tenho ideias geniais, a pele melhora...

Queijo de leite cru caprinus do lago, brasileiro, que ficou em 7º lugar geral no Mundial de Tours  

continua após a publicidade

Passei dois dias no colóquio "Fromages au lait cru, du pré à l'assiette, l'indispensable approche globale" (tradução livre: queijos de leite cru, do pasto ao prato, a indispensável abordagem global") realizado na cidade francesa de Aurillac, um pólo de pesquisa do leite cru.

Foram mostrados vários resultados sobre os benefícios dos queijos de leite cru, que são sem dúvidas os mais complexos em termos de paladar, mas ainda têm outros benefícios para a saúde em um momento da humanidade que inúmeras doenças estão aparecendo, justamente porque os germes do nosso corpo estão ficando fracos e sem diversidade de tanta comida pasteurizada e ultra processada que comemos.

Enquanto isso no Brasil, um outro grupo de pesquisadores publicou um artigo irresponsável, "Quais os possíveis riscos microbiológicos do consumo de queijos artesanais feitos de leite cru?", ultra sanitarista e histérico, que está causando grande revolta nos produtores de queijo artesanal brasileiro. Com certeza são pessoas tristes e com intestino preso, que não cultivam as boas floras e comem só comida industrializada. Falam até de bioterrorismo.

continua após a publicidade

O que mais preocupa é que três agentes do IMA, André Duch, Rômulo Lage e Liliane Miranda, do Instituto Mineiro de Agropecuária, também assinam esse artigo, em um conflito ético com sua atividade (paga pelos nossos impostos), pois a sua função deveria ser ajudar os produtores, se realmente existir algum problema, e não assinar um manifesto macabro para acabar com a economia queijeira mineira. Eles deviam ser afastados imediatamente das suas funções juntos aos produtores, que preferem ver o diabo que encontra-los. Estes pesquisadores, ao invés da abordagem global defendida pelos franceses, praticam a pesquisa do próprio umbigo (que devem limpar todo dia com cotonete molhado no alcool). Eles fogem do conceito tão na moda agora, o da One Health, ou saúde global, para se esconderem na pesquisa parcial e tendenciosa das suas convicções sanitaristas. Não merecem nem nossa compaixão.

Para defender o leite cru, um outro grupo de pesquisadores apresentou, no Mundial do Queijo de Tours, os primeiros resultados de uma ampla pesquisa bibliográfica sobre seus benefícios. Um resumo foi publicado na revista Profession Fromager, onde eu trabalho na França, e replico abaixo na íntegra. Espero que os produtores de queijo de leite cru leiam tudinho para defenderem o seu sustento e a nossa microbiota!

Primeiros ensinamentos super positivos sobre queijos de leite cru

continua após a publicidade

Atualmente em elaboração, o trabalho confirma e destaca benefícios inesperados do consumo de laticínios para a saúde humana, em particular os queijos de leite cru

Sim, a nossa microbiota intestinal desempenha um papel fundamental na nossa saúde e os queijos ricos em microbiodiversidade são auxiliares importantes. Os produtos lácteos são certamente bastante gordurosos mas, não, esta característica não tem impacto no risco de desencadear doenças cardiovasculares ou de se tornar obeso. Sim, uma dieta precoce de produtos lácteos crus desempenha um papel protetor contra doenças atópicas...

Queijo francês saint-nectaire, de leite cru  
continua após a publicidade

Estas são algumas das primeiras lições do Livro Branco Benefícios e Riscos para o consumo de queijos saudáveis - Interesses da biodiversidade microbiana, atualmente em elaboração, que foram apresentados pela Fundação para a Biodiversidade Queijeira, conhecida como Fundação Leite Cru, no âmbito do Mondial du Fromage de Tours, no dia 12 de setembro.

No palco, Estelle Loukiadis, diretora de pesquisa da VetAgro Sup, a principal escola de medicina veterinária francesa, que supervisiona este trabalho ao lado de Cécile Laithier, do Instituto francês de Agrocupecuária, e Stéphane Miszczycha, microbiologista do laboratório de ecologia microbiana de Lyon, encarregado de redigir o trabalho.

continua após a publicidade
Leiteria urbana em Paris que só transforma leite cru  

Os dois cientistas revelaram assim os resultados dos três primeiros capítulos (microbiota, doenças alérgicas e atópicas, doenças neuro-cardiovasculares), especificando que os benefícios observados ocorreram no âmbito de uma alimentação equilibrada associada à atividade física regular.

continua após a publicidade

Bom para a microbiota, bom para a saúde

Este é um dos aspectos que mais defende os queijos ricos em microbiodiversidade: a sua capacidade de nutrir a nossa microbiota intestinal.

Há muito subestimado, o papel deste último parece agora central para garantir e fortalecer a nossa saúde. "Quando olhamos a base de dados referência mundial em biologia e medicina, Pubmed, o número de publicações científicas que estudam a microbiota explodiu na última década", comenta Stéphane Miszczycha.

O que eles dizem? "Que uma microbiota saudável está associada ao bem-estar geral", responde a investigadora. Todos nós temos, como indivíduos, aproximadamente 150 a 160 espécies diferentes de microrganismos que colonizam o nosso intestino, ou mais de um bilhão de micróbios. Essa microbiota é específica de cada indivíduo", explica. "Se estiver enfraquecido ou desequilibrado, está associado a problemas de imunidade, obesidade, doenças cardiovasculares, doenças neurológicas (especialmente Alzheimer), digestão..."

No que diz respeito aos queijos, "o seu consumo promove a abundância de bactérias lácticas e o aumento da diversidade da microbiota. Quanto maior for esta diversidade, melhor será o estado geral de saúde do indivíduo."

Para citar apenas alguns exemplos, "a redução da abundância da microbiota está associada ao ganho de peso. Ao contrário, ela promove a abundância de flora produtora de ácidos graxos de cadeia curta, flora envolvida na proteção contra patógenos. Os queijos são uma fonte de prebióticos e probióticos que podem ter efeitos benéficos na microbiota. Os diferentes constituintes do queijo desempenham vários papéis protetores contra o stress oxidativo, câncer, doenças cardiovasculares, doenças atópicas..."

Doenças alérgicas e eczemas: é melhor se expor

Dermatite atópica (eczema), rinite alérgica, asma...: "cada vez mais frequentes, por vezes com consequências muito graves, estas doenças afetam menos pessoas que foram expostas precocemente a uma grande diversidade microbiana no seu ambiente ou na sua dieta," resume Stéphane Miszczycha. Várias dezenas de pesquisas realizadas desde as décadas de 1990 e 2000 convergem nessa direção.

A mais famosa delas é o programa Pasture, que recrutou 1.000 mulheres grávidas entre 2002 e 2005 e acompanhou seus filhos desde o nascimento até os 16 anos, distinguindo entre aquelas que viviam em ambiente de fazenda e aquelas que não viviam, com consumo de leite cru e ou queijos de leite cru.

Queijo fourme de Montbrison DOP, de leite cru  

"As crianças que consumiram queijo aos 18 meses diminuíram o risco de desenvolver rinite e alergias alimentares. Além disso, a importância da diversidade dos queijos consumidos até os 18 meses reduz o risco de desenvolvimento de dermatite atópica e alergias alimentares", disse o microbiologista.

Os pesquisadores estão começando a identificar alguns dos fatores que podem explicar estes efeitos protetores.

"Por exemplo, a ingestão de leite cru permite uma formação particular da microbiota, com maior concentração de ácidos graxos ômega-3, uma forte produção de ácidos graxos de cadeia curta.

Tudo isso desempenha um papel antiinflamatório e impacta na maturidade do sistema imunológico. Os mecanismos são menos conhecidos nos queijos. Sabemos que eles contêm floras capazes de modular a resposta imunológica. As bactérias láticas e propiônicas presentes nos queijos possuem propriedades anti inflamatórias."

A investigadora cita ainda um estudo realizado em ratos com dermatite atópica: "certas cepas de lactococcus podem modificar a resposta imunitária e este efeito protetor da bactéria é reforçado se a estirpe estiver presente num queijo."

Doenças cardioneurovasculares, a boa gordura!

Este é o capítulo que, no momento, mais surpreende e desafia certas ideias pré-concebidas: "Na pior das hipóteses, o consumo de queijo não tem impacto no risco de contrair doenças cardioneurovasculares, na melhor das hipóteses, um efeito benéfico", resume Stéphane Miszczycha, especificando que "esses benefícios são observados paralelamente ao consumo de aproximadamente 40 g de queijo por dia."

Uma meta-análise (síntese de múltiplos estudos científicos), publicada muito recentemente, em junho de 2023, abrangendo cerca de 700 mil pacientes, corrobora a sua afirmação: "Os consumidores de queijo têm um risco 1,1 vezes menor de contrair uma doença cardiovascular, doença coronária ou sofrer um derrame. Para hipertensão, nenhum impacto é observado. E se falamos de mortalidade, eles também têm um risco 1,1 vezes menor de morrer de doenças cardiovasculares. Para doenças coronárias e derrames, o impacto é zero.»

"Altos efeitos protetores"

Quanto ao risco de obesidade, duas publicações de 2022 mostram que o consumo de queijo limita isso. "De acordo com um estudo realizado com quase 120 mil mulheres com idades entre 25 e 42 anos, o risco de obesidade pós-parto é 26% menor entre as consumidoras de queijo.

Queijo salers DOP, de leite cru, curado com ácaros  

Outro estudo que envolveu quase 180 mil crianças dos 8 aos 17 anos mostra que o risco de obesidade é 10% menor entre os consumidores de iogurte ou queijo e que o consumo de queijo é mesmo um indicador de uma vida mais saudável." A gordura do leite tem, portanto, "efeitos protetores observados". Um estudo de 2022 colocou leitões em uma dieta rica em gordura. Eles então desenvolveram sinais de pré-diabetes (resistência à insulina e níveis elevados de glicose no sangue).

"Por outro lado, quando os laticínios foram incluídos na dieta, a sensibilidade à insulina é melhor e os níveis de glicose no sangue diminuem", destaca o microbiologista. Várias hipóteses são levantadas: "o cálcio poderia facilitar a degradação dos ácidos graxos e impedir o seu armazenamento, havendo também um impacto positivo via microbiota.»

Uma síntese sólida e inédita

Foram utilizados cerca de 6.000 estudos publicados na literatura científica internacional, incluindo a área médica, 2500 publicações de ciência básica, todas de acordo com uma metodologia adaptada do método Prisma, que é referência no mundo científico: o Livro Branco é uma síntese imparcial de conhecimento sobre as relações entre o consumo de queijo e o nosso bem-estar físico, detalhando, quando conhecidos, os modos de ação de todos os seus componentes (nutrientes, minerais, microrganismos etc). O bem-estar mental e social também são discutidos. Este "longo e colossal trabalho identifica efeitos documentados, consensuais e recentes", disse Estelle Loukiadis. Quando os dados estão disponíveis, centra-se no impacto da sua riqueza microbiana, para avaliar o interesse específico dos queijos de leite cru."

Tudo foi acompanhado pelo comitê de especialistas intersetoriais e interdisciplinares formado na Fundação.

Entrevista com Estelle Loukiadis : « evidências consistentes »

O Livro Branco permite isolar os efeitos dos produtos lácteos feitos de leite cru?

EL: Essa é uma das dificuldades do trabalho bibliográfico: muitas vezes, as publicações mencionam o termo "queijo" sem detalhes sobre sua família tecnológica e menos ainda sobre um possível tratamento térmico. Quando os autores falam de um tipo específico de queijo ou do nome de um AOP, o Livro Branco especifica a informação.

Em qualquer caso, a literatura científica permite estabelecer evidências consistentes que mostram que a riqueza em quantidade ou diversidade de espécies nos queijos tem um impacto positivo na saúde.

A estratégia sanitária seguida por décadas reduz, ou mesmo elimina, a riqueza microbiana. Porém, o Livro Branco mostra que a dieta estéril enfraquece nossa microbiota...

EL: É uma mudança de paradigma que nunca imaginamos. Estamos no que chamamos de "fronteira da ciência", com estudos que convergem e que nos permitem, à medida que o conhecimento avança, ir mais longe. Estamos cada vez mais próximos do conceito de One Health, o da saúde global, que se baseia numa continuidade ambiente-animal-homem cada vez mais conhecido e objectificado, inclusive a nível microbiológico. Devemos proteger a microbiodiversidade em todos estes aspectos se quisermos permanecer saudáveis.

Qual o resultado prático do Livro Branco?

EL : O objetivo da revisão científica não é substituir médicos ou as autoridades de saúde, que dão orientações concretas a seus pacientes. Queremos fornecer, num único livro, elementos de riscos e benefícios para a saúde, documentados cientificamente datados de 2023, para que os consumidores possam aceder mais facilmente a este conhecimento e fazer escolhas informadas.

De um modo geral, os riscos são bastante conhecidos porque são geralmente acidentes, visíveis a curto prazo e bem mediatizados. Os benefícios são mais complexos porque são multifatoriais e resultam da exposição a longo prazo e, portanto, mais difíceis de compreender e objetivar.

Olhando essa casca linda de queijo de leite cru, tenho que confessar, eu não sou eu. Sou um ecossistema. Tem mais bactérias vivendo em mim que o número de células do meu corpo. Quando a tal da microbiota, que é o conjunto dessas bactérias, não vai bem, o intestino não funciona, eu fico de mal humor, engordo... Quando elas estão felizes e diversificadas, tudo funciona melhor, meus olhos brilham, eu tenho ideias geniais, a pele melhora...

Queijo de leite cru caprinus do lago, brasileiro, que ficou em 7º lugar geral no Mundial de Tours  

Passei dois dias no colóquio "Fromages au lait cru, du pré à l'assiette, l'indispensable approche globale" (tradução livre: queijos de leite cru, do pasto ao prato, a indispensável abordagem global") realizado na cidade francesa de Aurillac, um pólo de pesquisa do leite cru.

Foram mostrados vários resultados sobre os benefícios dos queijos de leite cru, que são sem dúvidas os mais complexos em termos de paladar, mas ainda têm outros benefícios para a saúde em um momento da humanidade que inúmeras doenças estão aparecendo, justamente porque os germes do nosso corpo estão ficando fracos e sem diversidade de tanta comida pasteurizada e ultra processada que comemos.

Enquanto isso no Brasil, um outro grupo de pesquisadores publicou um artigo irresponsável, "Quais os possíveis riscos microbiológicos do consumo de queijos artesanais feitos de leite cru?", ultra sanitarista e histérico, que está causando grande revolta nos produtores de queijo artesanal brasileiro. Com certeza são pessoas tristes e com intestino preso, que não cultivam as boas floras e comem só comida industrializada. Falam até de bioterrorismo.

O que mais preocupa é que três agentes do IMA, André Duch, Rômulo Lage e Liliane Miranda, do Instituto Mineiro de Agropecuária, também assinam esse artigo, em um conflito ético com sua atividade (paga pelos nossos impostos), pois a sua função deveria ser ajudar os produtores, se realmente existir algum problema, e não assinar um manifesto macabro para acabar com a economia queijeira mineira. Eles deviam ser afastados imediatamente das suas funções juntos aos produtores, que preferem ver o diabo que encontra-los. Estes pesquisadores, ao invés da abordagem global defendida pelos franceses, praticam a pesquisa do próprio umbigo (que devem limpar todo dia com cotonete molhado no alcool). Eles fogem do conceito tão na moda agora, o da One Health, ou saúde global, para se esconderem na pesquisa parcial e tendenciosa das suas convicções sanitaristas. Não merecem nem nossa compaixão.

Para defender o leite cru, um outro grupo de pesquisadores apresentou, no Mundial do Queijo de Tours, os primeiros resultados de uma ampla pesquisa bibliográfica sobre seus benefícios. Um resumo foi publicado na revista Profession Fromager, onde eu trabalho na França, e replico abaixo na íntegra. Espero que os produtores de queijo de leite cru leiam tudinho para defenderem o seu sustento e a nossa microbiota!

Primeiros ensinamentos super positivos sobre queijos de leite cru

Atualmente em elaboração, o trabalho confirma e destaca benefícios inesperados do consumo de laticínios para a saúde humana, em particular os queijos de leite cru

Sim, a nossa microbiota intestinal desempenha um papel fundamental na nossa saúde e os queijos ricos em microbiodiversidade são auxiliares importantes. Os produtos lácteos são certamente bastante gordurosos mas, não, esta característica não tem impacto no risco de desencadear doenças cardiovasculares ou de se tornar obeso. Sim, uma dieta precoce de produtos lácteos crus desempenha um papel protetor contra doenças atópicas...

Queijo francês saint-nectaire, de leite cru  

Estas são algumas das primeiras lições do Livro Branco Benefícios e Riscos para o consumo de queijos saudáveis - Interesses da biodiversidade microbiana, atualmente em elaboração, que foram apresentados pela Fundação para a Biodiversidade Queijeira, conhecida como Fundação Leite Cru, no âmbito do Mondial du Fromage de Tours, no dia 12 de setembro.

No palco, Estelle Loukiadis, diretora de pesquisa da VetAgro Sup, a principal escola de medicina veterinária francesa, que supervisiona este trabalho ao lado de Cécile Laithier, do Instituto francês de Agrocupecuária, e Stéphane Miszczycha, microbiologista do laboratório de ecologia microbiana de Lyon, encarregado de redigir o trabalho.

Leiteria urbana em Paris que só transforma leite cru  

Os dois cientistas revelaram assim os resultados dos três primeiros capítulos (microbiota, doenças alérgicas e atópicas, doenças neuro-cardiovasculares), especificando que os benefícios observados ocorreram no âmbito de uma alimentação equilibrada associada à atividade física regular.

Bom para a microbiota, bom para a saúde

Este é um dos aspectos que mais defende os queijos ricos em microbiodiversidade: a sua capacidade de nutrir a nossa microbiota intestinal.

Há muito subestimado, o papel deste último parece agora central para garantir e fortalecer a nossa saúde. "Quando olhamos a base de dados referência mundial em biologia e medicina, Pubmed, o número de publicações científicas que estudam a microbiota explodiu na última década", comenta Stéphane Miszczycha.

O que eles dizem? "Que uma microbiota saudável está associada ao bem-estar geral", responde a investigadora. Todos nós temos, como indivíduos, aproximadamente 150 a 160 espécies diferentes de microrganismos que colonizam o nosso intestino, ou mais de um bilhão de micróbios. Essa microbiota é específica de cada indivíduo", explica. "Se estiver enfraquecido ou desequilibrado, está associado a problemas de imunidade, obesidade, doenças cardiovasculares, doenças neurológicas (especialmente Alzheimer), digestão..."

No que diz respeito aos queijos, "o seu consumo promove a abundância de bactérias lácticas e o aumento da diversidade da microbiota. Quanto maior for esta diversidade, melhor será o estado geral de saúde do indivíduo."

Para citar apenas alguns exemplos, "a redução da abundância da microbiota está associada ao ganho de peso. Ao contrário, ela promove a abundância de flora produtora de ácidos graxos de cadeia curta, flora envolvida na proteção contra patógenos. Os queijos são uma fonte de prebióticos e probióticos que podem ter efeitos benéficos na microbiota. Os diferentes constituintes do queijo desempenham vários papéis protetores contra o stress oxidativo, câncer, doenças cardiovasculares, doenças atópicas..."

Doenças alérgicas e eczemas: é melhor se expor

Dermatite atópica (eczema), rinite alérgica, asma...: "cada vez mais frequentes, por vezes com consequências muito graves, estas doenças afetam menos pessoas que foram expostas precocemente a uma grande diversidade microbiana no seu ambiente ou na sua dieta," resume Stéphane Miszczycha. Várias dezenas de pesquisas realizadas desde as décadas de 1990 e 2000 convergem nessa direção.

A mais famosa delas é o programa Pasture, que recrutou 1.000 mulheres grávidas entre 2002 e 2005 e acompanhou seus filhos desde o nascimento até os 16 anos, distinguindo entre aquelas que viviam em ambiente de fazenda e aquelas que não viviam, com consumo de leite cru e ou queijos de leite cru.

Queijo fourme de Montbrison DOP, de leite cru  

"As crianças que consumiram queijo aos 18 meses diminuíram o risco de desenvolver rinite e alergias alimentares. Além disso, a importância da diversidade dos queijos consumidos até os 18 meses reduz o risco de desenvolvimento de dermatite atópica e alergias alimentares", disse o microbiologista.

Os pesquisadores estão começando a identificar alguns dos fatores que podem explicar estes efeitos protetores.

"Por exemplo, a ingestão de leite cru permite uma formação particular da microbiota, com maior concentração de ácidos graxos ômega-3, uma forte produção de ácidos graxos de cadeia curta.

Tudo isso desempenha um papel antiinflamatório e impacta na maturidade do sistema imunológico. Os mecanismos são menos conhecidos nos queijos. Sabemos que eles contêm floras capazes de modular a resposta imunológica. As bactérias láticas e propiônicas presentes nos queijos possuem propriedades anti inflamatórias."

A investigadora cita ainda um estudo realizado em ratos com dermatite atópica: "certas cepas de lactococcus podem modificar a resposta imunitária e este efeito protetor da bactéria é reforçado se a estirpe estiver presente num queijo."

Doenças cardioneurovasculares, a boa gordura!

Este é o capítulo que, no momento, mais surpreende e desafia certas ideias pré-concebidas: "Na pior das hipóteses, o consumo de queijo não tem impacto no risco de contrair doenças cardioneurovasculares, na melhor das hipóteses, um efeito benéfico", resume Stéphane Miszczycha, especificando que "esses benefícios são observados paralelamente ao consumo de aproximadamente 40 g de queijo por dia."

Uma meta-análise (síntese de múltiplos estudos científicos), publicada muito recentemente, em junho de 2023, abrangendo cerca de 700 mil pacientes, corrobora a sua afirmação: "Os consumidores de queijo têm um risco 1,1 vezes menor de contrair uma doença cardiovascular, doença coronária ou sofrer um derrame. Para hipertensão, nenhum impacto é observado. E se falamos de mortalidade, eles também têm um risco 1,1 vezes menor de morrer de doenças cardiovasculares. Para doenças coronárias e derrames, o impacto é zero.»

"Altos efeitos protetores"

Quanto ao risco de obesidade, duas publicações de 2022 mostram que o consumo de queijo limita isso. "De acordo com um estudo realizado com quase 120 mil mulheres com idades entre 25 e 42 anos, o risco de obesidade pós-parto é 26% menor entre as consumidoras de queijo.

Queijo salers DOP, de leite cru, curado com ácaros  

Outro estudo que envolveu quase 180 mil crianças dos 8 aos 17 anos mostra que o risco de obesidade é 10% menor entre os consumidores de iogurte ou queijo e que o consumo de queijo é mesmo um indicador de uma vida mais saudável." A gordura do leite tem, portanto, "efeitos protetores observados". Um estudo de 2022 colocou leitões em uma dieta rica em gordura. Eles então desenvolveram sinais de pré-diabetes (resistência à insulina e níveis elevados de glicose no sangue).

"Por outro lado, quando os laticínios foram incluídos na dieta, a sensibilidade à insulina é melhor e os níveis de glicose no sangue diminuem", destaca o microbiologista. Várias hipóteses são levantadas: "o cálcio poderia facilitar a degradação dos ácidos graxos e impedir o seu armazenamento, havendo também um impacto positivo via microbiota.»

Uma síntese sólida e inédita

Foram utilizados cerca de 6.000 estudos publicados na literatura científica internacional, incluindo a área médica, 2500 publicações de ciência básica, todas de acordo com uma metodologia adaptada do método Prisma, que é referência no mundo científico: o Livro Branco é uma síntese imparcial de conhecimento sobre as relações entre o consumo de queijo e o nosso bem-estar físico, detalhando, quando conhecidos, os modos de ação de todos os seus componentes (nutrientes, minerais, microrganismos etc). O bem-estar mental e social também são discutidos. Este "longo e colossal trabalho identifica efeitos documentados, consensuais e recentes", disse Estelle Loukiadis. Quando os dados estão disponíveis, centra-se no impacto da sua riqueza microbiana, para avaliar o interesse específico dos queijos de leite cru."

Tudo foi acompanhado pelo comitê de especialistas intersetoriais e interdisciplinares formado na Fundação.

Entrevista com Estelle Loukiadis : « evidências consistentes »

O Livro Branco permite isolar os efeitos dos produtos lácteos feitos de leite cru?

EL: Essa é uma das dificuldades do trabalho bibliográfico: muitas vezes, as publicações mencionam o termo "queijo" sem detalhes sobre sua família tecnológica e menos ainda sobre um possível tratamento térmico. Quando os autores falam de um tipo específico de queijo ou do nome de um AOP, o Livro Branco especifica a informação.

Em qualquer caso, a literatura científica permite estabelecer evidências consistentes que mostram que a riqueza em quantidade ou diversidade de espécies nos queijos tem um impacto positivo na saúde.

A estratégia sanitária seguida por décadas reduz, ou mesmo elimina, a riqueza microbiana. Porém, o Livro Branco mostra que a dieta estéril enfraquece nossa microbiota...

EL: É uma mudança de paradigma que nunca imaginamos. Estamos no que chamamos de "fronteira da ciência", com estudos que convergem e que nos permitem, à medida que o conhecimento avança, ir mais longe. Estamos cada vez mais próximos do conceito de One Health, o da saúde global, que se baseia numa continuidade ambiente-animal-homem cada vez mais conhecido e objectificado, inclusive a nível microbiológico. Devemos proteger a microbiodiversidade em todos estes aspectos se quisermos permanecer saudáveis.

Qual o resultado prático do Livro Branco?

EL : O objetivo da revisão científica não é substituir médicos ou as autoridades de saúde, que dão orientações concretas a seus pacientes. Queremos fornecer, num único livro, elementos de riscos e benefícios para a saúde, documentados cientificamente datados de 2023, para que os consumidores possam aceder mais facilmente a este conhecimento e fazer escolhas informadas.

De um modo geral, os riscos são bastante conhecidos porque são geralmente acidentes, visíveis a curto prazo e bem mediatizados. Os benefícios são mais complexos porque são multifatoriais e resultam da exposição a longo prazo e, portanto, mais difíceis de compreender e objetivar.

Olhando essa casca linda de queijo de leite cru, tenho que confessar, eu não sou eu. Sou um ecossistema. Tem mais bactérias vivendo em mim que o número de células do meu corpo. Quando a tal da microbiota, que é o conjunto dessas bactérias, não vai bem, o intestino não funciona, eu fico de mal humor, engordo... Quando elas estão felizes e diversificadas, tudo funciona melhor, meus olhos brilham, eu tenho ideias geniais, a pele melhora...

Queijo de leite cru caprinus do lago, brasileiro, que ficou em 7º lugar geral no Mundial de Tours  

Passei dois dias no colóquio "Fromages au lait cru, du pré à l'assiette, l'indispensable approche globale" (tradução livre: queijos de leite cru, do pasto ao prato, a indispensável abordagem global") realizado na cidade francesa de Aurillac, um pólo de pesquisa do leite cru.

Foram mostrados vários resultados sobre os benefícios dos queijos de leite cru, que são sem dúvidas os mais complexos em termos de paladar, mas ainda têm outros benefícios para a saúde em um momento da humanidade que inúmeras doenças estão aparecendo, justamente porque os germes do nosso corpo estão ficando fracos e sem diversidade de tanta comida pasteurizada e ultra processada que comemos.

Enquanto isso no Brasil, um outro grupo de pesquisadores publicou um artigo irresponsável, "Quais os possíveis riscos microbiológicos do consumo de queijos artesanais feitos de leite cru?", ultra sanitarista e histérico, que está causando grande revolta nos produtores de queijo artesanal brasileiro. Com certeza são pessoas tristes e com intestino preso, que não cultivam as boas floras e comem só comida industrializada. Falam até de bioterrorismo.

O que mais preocupa é que três agentes do IMA, André Duch, Rômulo Lage e Liliane Miranda, do Instituto Mineiro de Agropecuária, também assinam esse artigo, em um conflito ético com sua atividade (paga pelos nossos impostos), pois a sua função deveria ser ajudar os produtores, se realmente existir algum problema, e não assinar um manifesto macabro para acabar com a economia queijeira mineira. Eles deviam ser afastados imediatamente das suas funções juntos aos produtores, que preferem ver o diabo que encontra-los. Estes pesquisadores, ao invés da abordagem global defendida pelos franceses, praticam a pesquisa do próprio umbigo (que devem limpar todo dia com cotonete molhado no alcool). Eles fogem do conceito tão na moda agora, o da One Health, ou saúde global, para se esconderem na pesquisa parcial e tendenciosa das suas convicções sanitaristas. Não merecem nem nossa compaixão.

Para defender o leite cru, um outro grupo de pesquisadores apresentou, no Mundial do Queijo de Tours, os primeiros resultados de uma ampla pesquisa bibliográfica sobre seus benefícios. Um resumo foi publicado na revista Profession Fromager, onde eu trabalho na França, e replico abaixo na íntegra. Espero que os produtores de queijo de leite cru leiam tudinho para defenderem o seu sustento e a nossa microbiota!

Primeiros ensinamentos super positivos sobre queijos de leite cru

Atualmente em elaboração, o trabalho confirma e destaca benefícios inesperados do consumo de laticínios para a saúde humana, em particular os queijos de leite cru

Sim, a nossa microbiota intestinal desempenha um papel fundamental na nossa saúde e os queijos ricos em microbiodiversidade são auxiliares importantes. Os produtos lácteos são certamente bastante gordurosos mas, não, esta característica não tem impacto no risco de desencadear doenças cardiovasculares ou de se tornar obeso. Sim, uma dieta precoce de produtos lácteos crus desempenha um papel protetor contra doenças atópicas...

Queijo francês saint-nectaire, de leite cru  

Estas são algumas das primeiras lições do Livro Branco Benefícios e Riscos para o consumo de queijos saudáveis - Interesses da biodiversidade microbiana, atualmente em elaboração, que foram apresentados pela Fundação para a Biodiversidade Queijeira, conhecida como Fundação Leite Cru, no âmbito do Mondial du Fromage de Tours, no dia 12 de setembro.

No palco, Estelle Loukiadis, diretora de pesquisa da VetAgro Sup, a principal escola de medicina veterinária francesa, que supervisiona este trabalho ao lado de Cécile Laithier, do Instituto francês de Agrocupecuária, e Stéphane Miszczycha, microbiologista do laboratório de ecologia microbiana de Lyon, encarregado de redigir o trabalho.

Leiteria urbana em Paris que só transforma leite cru  

Os dois cientistas revelaram assim os resultados dos três primeiros capítulos (microbiota, doenças alérgicas e atópicas, doenças neuro-cardiovasculares), especificando que os benefícios observados ocorreram no âmbito de uma alimentação equilibrada associada à atividade física regular.

Bom para a microbiota, bom para a saúde

Este é um dos aspectos que mais defende os queijos ricos em microbiodiversidade: a sua capacidade de nutrir a nossa microbiota intestinal.

Há muito subestimado, o papel deste último parece agora central para garantir e fortalecer a nossa saúde. "Quando olhamos a base de dados referência mundial em biologia e medicina, Pubmed, o número de publicações científicas que estudam a microbiota explodiu na última década", comenta Stéphane Miszczycha.

O que eles dizem? "Que uma microbiota saudável está associada ao bem-estar geral", responde a investigadora. Todos nós temos, como indivíduos, aproximadamente 150 a 160 espécies diferentes de microrganismos que colonizam o nosso intestino, ou mais de um bilhão de micróbios. Essa microbiota é específica de cada indivíduo", explica. "Se estiver enfraquecido ou desequilibrado, está associado a problemas de imunidade, obesidade, doenças cardiovasculares, doenças neurológicas (especialmente Alzheimer), digestão..."

No que diz respeito aos queijos, "o seu consumo promove a abundância de bactérias lácticas e o aumento da diversidade da microbiota. Quanto maior for esta diversidade, melhor será o estado geral de saúde do indivíduo."

Para citar apenas alguns exemplos, "a redução da abundância da microbiota está associada ao ganho de peso. Ao contrário, ela promove a abundância de flora produtora de ácidos graxos de cadeia curta, flora envolvida na proteção contra patógenos. Os queijos são uma fonte de prebióticos e probióticos que podem ter efeitos benéficos na microbiota. Os diferentes constituintes do queijo desempenham vários papéis protetores contra o stress oxidativo, câncer, doenças cardiovasculares, doenças atópicas..."

Doenças alérgicas e eczemas: é melhor se expor

Dermatite atópica (eczema), rinite alérgica, asma...: "cada vez mais frequentes, por vezes com consequências muito graves, estas doenças afetam menos pessoas que foram expostas precocemente a uma grande diversidade microbiana no seu ambiente ou na sua dieta," resume Stéphane Miszczycha. Várias dezenas de pesquisas realizadas desde as décadas de 1990 e 2000 convergem nessa direção.

A mais famosa delas é o programa Pasture, que recrutou 1.000 mulheres grávidas entre 2002 e 2005 e acompanhou seus filhos desde o nascimento até os 16 anos, distinguindo entre aquelas que viviam em ambiente de fazenda e aquelas que não viviam, com consumo de leite cru e ou queijos de leite cru.

Queijo fourme de Montbrison DOP, de leite cru  

"As crianças que consumiram queijo aos 18 meses diminuíram o risco de desenvolver rinite e alergias alimentares. Além disso, a importância da diversidade dos queijos consumidos até os 18 meses reduz o risco de desenvolvimento de dermatite atópica e alergias alimentares", disse o microbiologista.

Os pesquisadores estão começando a identificar alguns dos fatores que podem explicar estes efeitos protetores.

"Por exemplo, a ingestão de leite cru permite uma formação particular da microbiota, com maior concentração de ácidos graxos ômega-3, uma forte produção de ácidos graxos de cadeia curta.

Tudo isso desempenha um papel antiinflamatório e impacta na maturidade do sistema imunológico. Os mecanismos são menos conhecidos nos queijos. Sabemos que eles contêm floras capazes de modular a resposta imunológica. As bactérias láticas e propiônicas presentes nos queijos possuem propriedades anti inflamatórias."

A investigadora cita ainda um estudo realizado em ratos com dermatite atópica: "certas cepas de lactococcus podem modificar a resposta imunitária e este efeito protetor da bactéria é reforçado se a estirpe estiver presente num queijo."

Doenças cardioneurovasculares, a boa gordura!

Este é o capítulo que, no momento, mais surpreende e desafia certas ideias pré-concebidas: "Na pior das hipóteses, o consumo de queijo não tem impacto no risco de contrair doenças cardioneurovasculares, na melhor das hipóteses, um efeito benéfico", resume Stéphane Miszczycha, especificando que "esses benefícios são observados paralelamente ao consumo de aproximadamente 40 g de queijo por dia."

Uma meta-análise (síntese de múltiplos estudos científicos), publicada muito recentemente, em junho de 2023, abrangendo cerca de 700 mil pacientes, corrobora a sua afirmação: "Os consumidores de queijo têm um risco 1,1 vezes menor de contrair uma doença cardiovascular, doença coronária ou sofrer um derrame. Para hipertensão, nenhum impacto é observado. E se falamos de mortalidade, eles também têm um risco 1,1 vezes menor de morrer de doenças cardiovasculares. Para doenças coronárias e derrames, o impacto é zero.»

"Altos efeitos protetores"

Quanto ao risco de obesidade, duas publicações de 2022 mostram que o consumo de queijo limita isso. "De acordo com um estudo realizado com quase 120 mil mulheres com idades entre 25 e 42 anos, o risco de obesidade pós-parto é 26% menor entre as consumidoras de queijo.

Queijo salers DOP, de leite cru, curado com ácaros  

Outro estudo que envolveu quase 180 mil crianças dos 8 aos 17 anos mostra que o risco de obesidade é 10% menor entre os consumidores de iogurte ou queijo e que o consumo de queijo é mesmo um indicador de uma vida mais saudável." A gordura do leite tem, portanto, "efeitos protetores observados". Um estudo de 2022 colocou leitões em uma dieta rica em gordura. Eles então desenvolveram sinais de pré-diabetes (resistência à insulina e níveis elevados de glicose no sangue).

"Por outro lado, quando os laticínios foram incluídos na dieta, a sensibilidade à insulina é melhor e os níveis de glicose no sangue diminuem", destaca o microbiologista. Várias hipóteses são levantadas: "o cálcio poderia facilitar a degradação dos ácidos graxos e impedir o seu armazenamento, havendo também um impacto positivo via microbiota.»

Uma síntese sólida e inédita

Foram utilizados cerca de 6.000 estudos publicados na literatura científica internacional, incluindo a área médica, 2500 publicações de ciência básica, todas de acordo com uma metodologia adaptada do método Prisma, que é referência no mundo científico: o Livro Branco é uma síntese imparcial de conhecimento sobre as relações entre o consumo de queijo e o nosso bem-estar físico, detalhando, quando conhecidos, os modos de ação de todos os seus componentes (nutrientes, minerais, microrganismos etc). O bem-estar mental e social também são discutidos. Este "longo e colossal trabalho identifica efeitos documentados, consensuais e recentes", disse Estelle Loukiadis. Quando os dados estão disponíveis, centra-se no impacto da sua riqueza microbiana, para avaliar o interesse específico dos queijos de leite cru."

Tudo foi acompanhado pelo comitê de especialistas intersetoriais e interdisciplinares formado na Fundação.

Entrevista com Estelle Loukiadis : « evidências consistentes »

O Livro Branco permite isolar os efeitos dos produtos lácteos feitos de leite cru?

EL: Essa é uma das dificuldades do trabalho bibliográfico: muitas vezes, as publicações mencionam o termo "queijo" sem detalhes sobre sua família tecnológica e menos ainda sobre um possível tratamento térmico. Quando os autores falam de um tipo específico de queijo ou do nome de um AOP, o Livro Branco especifica a informação.

Em qualquer caso, a literatura científica permite estabelecer evidências consistentes que mostram que a riqueza em quantidade ou diversidade de espécies nos queijos tem um impacto positivo na saúde.

A estratégia sanitária seguida por décadas reduz, ou mesmo elimina, a riqueza microbiana. Porém, o Livro Branco mostra que a dieta estéril enfraquece nossa microbiota...

EL: É uma mudança de paradigma que nunca imaginamos. Estamos no que chamamos de "fronteira da ciência", com estudos que convergem e que nos permitem, à medida que o conhecimento avança, ir mais longe. Estamos cada vez mais próximos do conceito de One Health, o da saúde global, que se baseia numa continuidade ambiente-animal-homem cada vez mais conhecido e objectificado, inclusive a nível microbiológico. Devemos proteger a microbiodiversidade em todos estes aspectos se quisermos permanecer saudáveis.

Qual o resultado prático do Livro Branco?

EL : O objetivo da revisão científica não é substituir médicos ou as autoridades de saúde, que dão orientações concretas a seus pacientes. Queremos fornecer, num único livro, elementos de riscos e benefícios para a saúde, documentados cientificamente datados de 2023, para que os consumidores possam aceder mais facilmente a este conhecimento e fazer escolhas informadas.

De um modo geral, os riscos são bastante conhecidos porque são geralmente acidentes, visíveis a curto prazo e bem mediatizados. Os benefícios são mais complexos porque são multifatoriais e resultam da exposição a longo prazo e, portanto, mais difíceis de compreender e objetivar.

Olhando essa casca linda de queijo de leite cru, tenho que confessar, eu não sou eu. Sou um ecossistema. Tem mais bactérias vivendo em mim que o número de células do meu corpo. Quando a tal da microbiota, que é o conjunto dessas bactérias, não vai bem, o intestino não funciona, eu fico de mal humor, engordo... Quando elas estão felizes e diversificadas, tudo funciona melhor, meus olhos brilham, eu tenho ideias geniais, a pele melhora...

Queijo de leite cru caprinus do lago, brasileiro, que ficou em 7º lugar geral no Mundial de Tours  

Passei dois dias no colóquio "Fromages au lait cru, du pré à l'assiette, l'indispensable approche globale" (tradução livre: queijos de leite cru, do pasto ao prato, a indispensável abordagem global") realizado na cidade francesa de Aurillac, um pólo de pesquisa do leite cru.

Foram mostrados vários resultados sobre os benefícios dos queijos de leite cru, que são sem dúvidas os mais complexos em termos de paladar, mas ainda têm outros benefícios para a saúde em um momento da humanidade que inúmeras doenças estão aparecendo, justamente porque os germes do nosso corpo estão ficando fracos e sem diversidade de tanta comida pasteurizada e ultra processada que comemos.

Enquanto isso no Brasil, um outro grupo de pesquisadores publicou um artigo irresponsável, "Quais os possíveis riscos microbiológicos do consumo de queijos artesanais feitos de leite cru?", ultra sanitarista e histérico, que está causando grande revolta nos produtores de queijo artesanal brasileiro. Com certeza são pessoas tristes e com intestino preso, que não cultivam as boas floras e comem só comida industrializada. Falam até de bioterrorismo.

O que mais preocupa é que três agentes do IMA, André Duch, Rômulo Lage e Liliane Miranda, do Instituto Mineiro de Agropecuária, também assinam esse artigo, em um conflito ético com sua atividade (paga pelos nossos impostos), pois a sua função deveria ser ajudar os produtores, se realmente existir algum problema, e não assinar um manifesto macabro para acabar com a economia queijeira mineira. Eles deviam ser afastados imediatamente das suas funções juntos aos produtores, que preferem ver o diabo que encontra-los. Estes pesquisadores, ao invés da abordagem global defendida pelos franceses, praticam a pesquisa do próprio umbigo (que devem limpar todo dia com cotonete molhado no alcool). Eles fogem do conceito tão na moda agora, o da One Health, ou saúde global, para se esconderem na pesquisa parcial e tendenciosa das suas convicções sanitaristas. Não merecem nem nossa compaixão.

Para defender o leite cru, um outro grupo de pesquisadores apresentou, no Mundial do Queijo de Tours, os primeiros resultados de uma ampla pesquisa bibliográfica sobre seus benefícios. Um resumo foi publicado na revista Profession Fromager, onde eu trabalho na França, e replico abaixo na íntegra. Espero que os produtores de queijo de leite cru leiam tudinho para defenderem o seu sustento e a nossa microbiota!

Primeiros ensinamentos super positivos sobre queijos de leite cru

Atualmente em elaboração, o trabalho confirma e destaca benefícios inesperados do consumo de laticínios para a saúde humana, em particular os queijos de leite cru

Sim, a nossa microbiota intestinal desempenha um papel fundamental na nossa saúde e os queijos ricos em microbiodiversidade são auxiliares importantes. Os produtos lácteos são certamente bastante gordurosos mas, não, esta característica não tem impacto no risco de desencadear doenças cardiovasculares ou de se tornar obeso. Sim, uma dieta precoce de produtos lácteos crus desempenha um papel protetor contra doenças atópicas...

Queijo francês saint-nectaire, de leite cru  

Estas são algumas das primeiras lições do Livro Branco Benefícios e Riscos para o consumo de queijos saudáveis - Interesses da biodiversidade microbiana, atualmente em elaboração, que foram apresentados pela Fundação para a Biodiversidade Queijeira, conhecida como Fundação Leite Cru, no âmbito do Mondial du Fromage de Tours, no dia 12 de setembro.

No palco, Estelle Loukiadis, diretora de pesquisa da VetAgro Sup, a principal escola de medicina veterinária francesa, que supervisiona este trabalho ao lado de Cécile Laithier, do Instituto francês de Agrocupecuária, e Stéphane Miszczycha, microbiologista do laboratório de ecologia microbiana de Lyon, encarregado de redigir o trabalho.

Leiteria urbana em Paris que só transforma leite cru  

Os dois cientistas revelaram assim os resultados dos três primeiros capítulos (microbiota, doenças alérgicas e atópicas, doenças neuro-cardiovasculares), especificando que os benefícios observados ocorreram no âmbito de uma alimentação equilibrada associada à atividade física regular.

Bom para a microbiota, bom para a saúde

Este é um dos aspectos que mais defende os queijos ricos em microbiodiversidade: a sua capacidade de nutrir a nossa microbiota intestinal.

Há muito subestimado, o papel deste último parece agora central para garantir e fortalecer a nossa saúde. "Quando olhamos a base de dados referência mundial em biologia e medicina, Pubmed, o número de publicações científicas que estudam a microbiota explodiu na última década", comenta Stéphane Miszczycha.

O que eles dizem? "Que uma microbiota saudável está associada ao bem-estar geral", responde a investigadora. Todos nós temos, como indivíduos, aproximadamente 150 a 160 espécies diferentes de microrganismos que colonizam o nosso intestino, ou mais de um bilhão de micróbios. Essa microbiota é específica de cada indivíduo", explica. "Se estiver enfraquecido ou desequilibrado, está associado a problemas de imunidade, obesidade, doenças cardiovasculares, doenças neurológicas (especialmente Alzheimer), digestão..."

No que diz respeito aos queijos, "o seu consumo promove a abundância de bactérias lácticas e o aumento da diversidade da microbiota. Quanto maior for esta diversidade, melhor será o estado geral de saúde do indivíduo."

Para citar apenas alguns exemplos, "a redução da abundância da microbiota está associada ao ganho de peso. Ao contrário, ela promove a abundância de flora produtora de ácidos graxos de cadeia curta, flora envolvida na proteção contra patógenos. Os queijos são uma fonte de prebióticos e probióticos que podem ter efeitos benéficos na microbiota. Os diferentes constituintes do queijo desempenham vários papéis protetores contra o stress oxidativo, câncer, doenças cardiovasculares, doenças atópicas..."

Doenças alérgicas e eczemas: é melhor se expor

Dermatite atópica (eczema), rinite alérgica, asma...: "cada vez mais frequentes, por vezes com consequências muito graves, estas doenças afetam menos pessoas que foram expostas precocemente a uma grande diversidade microbiana no seu ambiente ou na sua dieta," resume Stéphane Miszczycha. Várias dezenas de pesquisas realizadas desde as décadas de 1990 e 2000 convergem nessa direção.

A mais famosa delas é o programa Pasture, que recrutou 1.000 mulheres grávidas entre 2002 e 2005 e acompanhou seus filhos desde o nascimento até os 16 anos, distinguindo entre aquelas que viviam em ambiente de fazenda e aquelas que não viviam, com consumo de leite cru e ou queijos de leite cru.

Queijo fourme de Montbrison DOP, de leite cru  

"As crianças que consumiram queijo aos 18 meses diminuíram o risco de desenvolver rinite e alergias alimentares. Além disso, a importância da diversidade dos queijos consumidos até os 18 meses reduz o risco de desenvolvimento de dermatite atópica e alergias alimentares", disse o microbiologista.

Os pesquisadores estão começando a identificar alguns dos fatores que podem explicar estes efeitos protetores.

"Por exemplo, a ingestão de leite cru permite uma formação particular da microbiota, com maior concentração de ácidos graxos ômega-3, uma forte produção de ácidos graxos de cadeia curta.

Tudo isso desempenha um papel antiinflamatório e impacta na maturidade do sistema imunológico. Os mecanismos são menos conhecidos nos queijos. Sabemos que eles contêm floras capazes de modular a resposta imunológica. As bactérias láticas e propiônicas presentes nos queijos possuem propriedades anti inflamatórias."

A investigadora cita ainda um estudo realizado em ratos com dermatite atópica: "certas cepas de lactococcus podem modificar a resposta imunitária e este efeito protetor da bactéria é reforçado se a estirpe estiver presente num queijo."

Doenças cardioneurovasculares, a boa gordura!

Este é o capítulo que, no momento, mais surpreende e desafia certas ideias pré-concebidas: "Na pior das hipóteses, o consumo de queijo não tem impacto no risco de contrair doenças cardioneurovasculares, na melhor das hipóteses, um efeito benéfico", resume Stéphane Miszczycha, especificando que "esses benefícios são observados paralelamente ao consumo de aproximadamente 40 g de queijo por dia."

Uma meta-análise (síntese de múltiplos estudos científicos), publicada muito recentemente, em junho de 2023, abrangendo cerca de 700 mil pacientes, corrobora a sua afirmação: "Os consumidores de queijo têm um risco 1,1 vezes menor de contrair uma doença cardiovascular, doença coronária ou sofrer um derrame. Para hipertensão, nenhum impacto é observado. E se falamos de mortalidade, eles também têm um risco 1,1 vezes menor de morrer de doenças cardiovasculares. Para doenças coronárias e derrames, o impacto é zero.»

"Altos efeitos protetores"

Quanto ao risco de obesidade, duas publicações de 2022 mostram que o consumo de queijo limita isso. "De acordo com um estudo realizado com quase 120 mil mulheres com idades entre 25 e 42 anos, o risco de obesidade pós-parto é 26% menor entre as consumidoras de queijo.

Queijo salers DOP, de leite cru, curado com ácaros  

Outro estudo que envolveu quase 180 mil crianças dos 8 aos 17 anos mostra que o risco de obesidade é 10% menor entre os consumidores de iogurte ou queijo e que o consumo de queijo é mesmo um indicador de uma vida mais saudável." A gordura do leite tem, portanto, "efeitos protetores observados". Um estudo de 2022 colocou leitões em uma dieta rica em gordura. Eles então desenvolveram sinais de pré-diabetes (resistência à insulina e níveis elevados de glicose no sangue).

"Por outro lado, quando os laticínios foram incluídos na dieta, a sensibilidade à insulina é melhor e os níveis de glicose no sangue diminuem", destaca o microbiologista. Várias hipóteses são levantadas: "o cálcio poderia facilitar a degradação dos ácidos graxos e impedir o seu armazenamento, havendo também um impacto positivo via microbiota.»

Uma síntese sólida e inédita

Foram utilizados cerca de 6.000 estudos publicados na literatura científica internacional, incluindo a área médica, 2500 publicações de ciência básica, todas de acordo com uma metodologia adaptada do método Prisma, que é referência no mundo científico: o Livro Branco é uma síntese imparcial de conhecimento sobre as relações entre o consumo de queijo e o nosso bem-estar físico, detalhando, quando conhecidos, os modos de ação de todos os seus componentes (nutrientes, minerais, microrganismos etc). O bem-estar mental e social também são discutidos. Este "longo e colossal trabalho identifica efeitos documentados, consensuais e recentes", disse Estelle Loukiadis. Quando os dados estão disponíveis, centra-se no impacto da sua riqueza microbiana, para avaliar o interesse específico dos queijos de leite cru."

Tudo foi acompanhado pelo comitê de especialistas intersetoriais e interdisciplinares formado na Fundação.

Entrevista com Estelle Loukiadis : « evidências consistentes »

O Livro Branco permite isolar os efeitos dos produtos lácteos feitos de leite cru?

EL: Essa é uma das dificuldades do trabalho bibliográfico: muitas vezes, as publicações mencionam o termo "queijo" sem detalhes sobre sua família tecnológica e menos ainda sobre um possível tratamento térmico. Quando os autores falam de um tipo específico de queijo ou do nome de um AOP, o Livro Branco especifica a informação.

Em qualquer caso, a literatura científica permite estabelecer evidências consistentes que mostram que a riqueza em quantidade ou diversidade de espécies nos queijos tem um impacto positivo na saúde.

A estratégia sanitária seguida por décadas reduz, ou mesmo elimina, a riqueza microbiana. Porém, o Livro Branco mostra que a dieta estéril enfraquece nossa microbiota...

EL: É uma mudança de paradigma que nunca imaginamos. Estamos no que chamamos de "fronteira da ciência", com estudos que convergem e que nos permitem, à medida que o conhecimento avança, ir mais longe. Estamos cada vez mais próximos do conceito de One Health, o da saúde global, que se baseia numa continuidade ambiente-animal-homem cada vez mais conhecido e objectificado, inclusive a nível microbiológico. Devemos proteger a microbiodiversidade em todos estes aspectos se quisermos permanecer saudáveis.

Qual o resultado prático do Livro Branco?

EL : O objetivo da revisão científica não é substituir médicos ou as autoridades de saúde, que dão orientações concretas a seus pacientes. Queremos fornecer, num único livro, elementos de riscos e benefícios para a saúde, documentados cientificamente datados de 2023, para que os consumidores possam aceder mais facilmente a este conhecimento e fazer escolhas informadas.

De um modo geral, os riscos são bastante conhecidos porque são geralmente acidentes, visíveis a curto prazo e bem mediatizados. Os benefícios são mais complexos porque são multifatoriais e resultam da exposição a longo prazo e, portanto, mais difíceis de compreender e objetivar.

Tudo Sobre
Opinião por Débora Pereira

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.