Histórias e experiências sobre o café

Opinião|A verdadeira história da qualidade do café no Brasil


Você sabia que, anos atrás, bebia-se café de ótima qualidade no Brasil?

Por Ensei Neto

Existe um clássico mantra de que se bebe café de qualidade inferior no Brasil porque os melhores grãos são exportados. Tenha ciência de que este mantra é comum em praticamente todos os países produtores de café e que esta percepção é predominante na maior parte da população, que, em geral, consome quase que no modo automático, apenas para o preenchimento do vazio existencial no estômago.

Degustação profissional de café. Foto: Ensei Neto/Arquivo pessoal.

 

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Ainda nos anos 1960 e parte dos 1970, eram bebidos cafés de muito boa qualidade, encontrados nas "vendinhas" e "mercadinhos" da época. O modelo de supermercados e hipermercados que conhecemos hoje surgiram somente nos anos 1970. Haviam marcas, algumas vivas até hoje, que vendiam grãos que eram moídos na hora, fazendo o aroma se espalhar por todo o mercadinho. Ícones como Pilão, Jardim e o Seleto, este com um jingle que se tornou sinônimo de "o som do café da manhã", faziam parte deste ritual.

Em 1972, ocorreu o chamado primeiro choque do petróleo, controlado pelos países árabes produtores e que, em razão da Guerra do Irã, diminuíram a oferta, causando forte impacto econômico global. O Brasil, como reflexo disso e de uma série de fatores de política econômica da época sob a ditadura militar, depois de alguns anos de muita prosperidade experimentou um longo período de alta inflação até 1994, quando o engenhoso Plano Real a domou.

À esquerda: grãos defeituosos, resíduo de seleção. À direita: grãos de alta qualidade. Foto: Ensei Neto/Arquivo pessoal.
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A "Cesta Básica", criada no governo de Getúlio Vargas, é um indicador de preços compostos por itens que devem manter uma família padrão alimentada dignamente por um mês. O café sempre fez parte da cesta básica por ser um produto presente em praticamente todos os lares junto do arroz e do feijão. Com a "inflação galopante", que viria se tornar "hiperinflação", e suas inimagináveis para hoje variações de até 3% num mesmo dia (sim, os preços mudavam ao longo do dia todo dia!), o governo da época, como alternativa para evitar convulsões sociais, passou a praticar o "congelamento de preços", principalmente nos itens da cesta básica.

Desastre total para as empresas cujos produtos faziam parte da lista dos "congelados", pois os custos continuavam a crescer devido à inflação, enquanto os preços de venda não poderiam ser alterados, pois essa ação poderia ser enquadrada como "crime contra o consumidor". Esse descompasso abissal de preços (imagine só: custos de produção e despesas aumentando por efeito inflacionário, enquanto o preço de venda não poderia se alterar) fez com que os empresários decidissem por estratégias de sobrevivência, ou seja, substituindo as matérias primas originais por outras muito inferiores. Por essa piora do café cru que compunha os blends, outro procedimento foi alterado: a torra do café, que passou a ganhar contornos mais intensos e, consequentemente, queimado. Foi o início do café Extra Forte, cujo sabor carbonizado se sobrepunha aos outros defeitos de bebida, muitos da categoria Defeitos Capitais, o conhecido PVA - Preto (Podre), Verde (Imaturo) e Ardido (Acético ou Vinagre), que desqualificam a bebida.

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A qualidade do café no Brasil passou a declinar assustadoramente.

Em 1989, a ABIC - Associação Brasileira da Indústria do Café teve a iniciativa de começar a reverter essa situação, com a introdução do Selo de Pureza, que indica se um produto está isento de impurezas. Impureza é tudo que não é da semente do cafeeiro como paus, cascas e pedras.

Alguns dos selos do PQC da ABIC. Foto: ABIC/Divulgação.
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2.004 foi momento de outra iniciativa pela ABIC, desta vez com o objetivo de estabelecer padrões de qualidade por meio do PQC - Programa da Qualidade do Café, que instituiu a classificação do produto torrado em Tradicional, Superior e Gourmet. Ao mesmo tempo, foi publicado pelo MAPA - Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, o Normativo Nº 8, que definiu os critérios para a classificação da matéria prima ou café cru, além de estabelecer o que é fraude como a inclusão de impurezas e elementos estranhos como o milho. Ao mesmo tempo, o movimento dos Cafés de Especialidade, que no Brasil ficou conhecido como Café Especial, se expandiu criando ambiente para novamente haver a oferta de produtos de excelente qualidade. Os cafés de especialidade ou especiais são resultado de seleção, além de práticas que garantem um produto uniforme e com diversas notas sensoriais que podem ser agregadas nos processos de pós colheita.

Secagem de grãos de alta qualidade em terreiro. Foto: Ensei Neto/Arquivo Pessoal.
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Neste ano, 2023, a Norma 570 do MAPA passou a valer, regulando os cafés torrados e se tornando instrumento fundamental para punir produtos fraudados. Como cereja do bolo, a ABIC completou seu PQC com a inclusão da categoria Especial, que são cafés de alta qualidade, sem adstringência (aquela famosa "aspereza" na boca) e defeitos de bebida, como os defeitos capitais PVA.

É importante observar que para consertar um desvio como o que foi criado por questões de política econômica, populista e sem critérios razoáveis, que corresponde ao "quanto pior, melhor", a retomada para a qualidade exige muito empenho na educação do consumidor, na transparência das transações comerciais entre produtores e o mercado e, principalmente, oferecer produtos acessíveis para que o mercado prospere e não, apenas, cresça.

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O caminho da qualidade a ser percorrido é longo, porém as estradas estão abertas, a sinalização está se tornando mais clara e tem muita gente pronta para mostrar o que há de melhor nos Cafés do Brasil.

Três considerações finais:

Leia os rótulos. Saber a qual categoria o produto está classificado já é importante passo para consumir com consciência.

Experimente sempre. Evoluímos ao experimentar mais. Somos a soma do que vivenciamos.

Confie nos seus sentidos. Sempre. Só você sabe o que lhe agrada.

 

Existe um clássico mantra de que se bebe café de qualidade inferior no Brasil porque os melhores grãos são exportados. Tenha ciência de que este mantra é comum em praticamente todos os países produtores de café e que esta percepção é predominante na maior parte da população, que, em geral, consome quase que no modo automático, apenas para o preenchimento do vazio existencial no estômago.

Degustação profissional de café. Foto: Ensei Neto/Arquivo pessoal.

 

Ainda nos anos 1960 e parte dos 1970, eram bebidos cafés de muito boa qualidade, encontrados nas "vendinhas" e "mercadinhos" da época. O modelo de supermercados e hipermercados que conhecemos hoje surgiram somente nos anos 1970. Haviam marcas, algumas vivas até hoje, que vendiam grãos que eram moídos na hora, fazendo o aroma se espalhar por todo o mercadinho. Ícones como Pilão, Jardim e o Seleto, este com um jingle que se tornou sinônimo de "o som do café da manhã", faziam parte deste ritual.

Em 1972, ocorreu o chamado primeiro choque do petróleo, controlado pelos países árabes produtores e que, em razão da Guerra do Irã, diminuíram a oferta, causando forte impacto econômico global. O Brasil, como reflexo disso e de uma série de fatores de política econômica da época sob a ditadura militar, depois de alguns anos de muita prosperidade experimentou um longo período de alta inflação até 1994, quando o engenhoso Plano Real a domou.

À esquerda: grãos defeituosos, resíduo de seleção. À direita: grãos de alta qualidade. Foto: Ensei Neto/Arquivo pessoal.

 

A "Cesta Básica", criada no governo de Getúlio Vargas, é um indicador de preços compostos por itens que devem manter uma família padrão alimentada dignamente por um mês. O café sempre fez parte da cesta básica por ser um produto presente em praticamente todos os lares junto do arroz e do feijão. Com a "inflação galopante", que viria se tornar "hiperinflação", e suas inimagináveis para hoje variações de até 3% num mesmo dia (sim, os preços mudavam ao longo do dia todo dia!), o governo da época, como alternativa para evitar convulsões sociais, passou a praticar o "congelamento de preços", principalmente nos itens da cesta básica.

Desastre total para as empresas cujos produtos faziam parte da lista dos "congelados", pois os custos continuavam a crescer devido à inflação, enquanto os preços de venda não poderiam ser alterados, pois essa ação poderia ser enquadrada como "crime contra o consumidor". Esse descompasso abissal de preços (imagine só: custos de produção e despesas aumentando por efeito inflacionário, enquanto o preço de venda não poderia se alterar) fez com que os empresários decidissem por estratégias de sobrevivência, ou seja, substituindo as matérias primas originais por outras muito inferiores. Por essa piora do café cru que compunha os blends, outro procedimento foi alterado: a torra do café, que passou a ganhar contornos mais intensos e, consequentemente, queimado. Foi o início do café Extra Forte, cujo sabor carbonizado se sobrepunha aos outros defeitos de bebida, muitos da categoria Defeitos Capitais, o conhecido PVA - Preto (Podre), Verde (Imaturo) e Ardido (Acético ou Vinagre), que desqualificam a bebida.

A qualidade do café no Brasil passou a declinar assustadoramente.

Em 1989, a ABIC - Associação Brasileira da Indústria do Café teve a iniciativa de começar a reverter essa situação, com a introdução do Selo de Pureza, que indica se um produto está isento de impurezas. Impureza é tudo que não é da semente do cafeeiro como paus, cascas e pedras.

Alguns dos selos do PQC da ABIC. Foto: ABIC/Divulgação.

 

2.004 foi momento de outra iniciativa pela ABIC, desta vez com o objetivo de estabelecer padrões de qualidade por meio do PQC - Programa da Qualidade do Café, que instituiu a classificação do produto torrado em Tradicional, Superior e Gourmet. Ao mesmo tempo, foi publicado pelo MAPA - Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, o Normativo Nº 8, que definiu os critérios para a classificação da matéria prima ou café cru, além de estabelecer o que é fraude como a inclusão de impurezas e elementos estranhos como o milho. Ao mesmo tempo, o movimento dos Cafés de Especialidade, que no Brasil ficou conhecido como Café Especial, se expandiu criando ambiente para novamente haver a oferta de produtos de excelente qualidade. Os cafés de especialidade ou especiais são resultado de seleção, além de práticas que garantem um produto uniforme e com diversas notas sensoriais que podem ser agregadas nos processos de pós colheita.

Secagem de grãos de alta qualidade em terreiro. Foto: Ensei Neto/Arquivo Pessoal.

 

Neste ano, 2023, a Norma 570 do MAPA passou a valer, regulando os cafés torrados e se tornando instrumento fundamental para punir produtos fraudados. Como cereja do bolo, a ABIC completou seu PQC com a inclusão da categoria Especial, que são cafés de alta qualidade, sem adstringência (aquela famosa "aspereza" na boca) e defeitos de bebida, como os defeitos capitais PVA.

É importante observar que para consertar um desvio como o que foi criado por questões de política econômica, populista e sem critérios razoáveis, que corresponde ao "quanto pior, melhor", a retomada para a qualidade exige muito empenho na educação do consumidor, na transparência das transações comerciais entre produtores e o mercado e, principalmente, oferecer produtos acessíveis para que o mercado prospere e não, apenas, cresça.

O caminho da qualidade a ser percorrido é longo, porém as estradas estão abertas, a sinalização está se tornando mais clara e tem muita gente pronta para mostrar o que há de melhor nos Cafés do Brasil.

Três considerações finais:

Leia os rótulos. Saber a qual categoria o produto está classificado já é importante passo para consumir com consciência.

Experimente sempre. Evoluímos ao experimentar mais. Somos a soma do que vivenciamos.

Confie nos seus sentidos. Sempre. Só você sabe o que lhe agrada.

 

Existe um clássico mantra de que se bebe café de qualidade inferior no Brasil porque os melhores grãos são exportados. Tenha ciência de que este mantra é comum em praticamente todos os países produtores de café e que esta percepção é predominante na maior parte da população, que, em geral, consome quase que no modo automático, apenas para o preenchimento do vazio existencial no estômago.

Degustação profissional de café. Foto: Ensei Neto/Arquivo pessoal.

 

Ainda nos anos 1960 e parte dos 1970, eram bebidos cafés de muito boa qualidade, encontrados nas "vendinhas" e "mercadinhos" da época. O modelo de supermercados e hipermercados que conhecemos hoje surgiram somente nos anos 1970. Haviam marcas, algumas vivas até hoje, que vendiam grãos que eram moídos na hora, fazendo o aroma se espalhar por todo o mercadinho. Ícones como Pilão, Jardim e o Seleto, este com um jingle que se tornou sinônimo de "o som do café da manhã", faziam parte deste ritual.

Em 1972, ocorreu o chamado primeiro choque do petróleo, controlado pelos países árabes produtores e que, em razão da Guerra do Irã, diminuíram a oferta, causando forte impacto econômico global. O Brasil, como reflexo disso e de uma série de fatores de política econômica da época sob a ditadura militar, depois de alguns anos de muita prosperidade experimentou um longo período de alta inflação até 1994, quando o engenhoso Plano Real a domou.

À esquerda: grãos defeituosos, resíduo de seleção. À direita: grãos de alta qualidade. Foto: Ensei Neto/Arquivo pessoal.

 

A "Cesta Básica", criada no governo de Getúlio Vargas, é um indicador de preços compostos por itens que devem manter uma família padrão alimentada dignamente por um mês. O café sempre fez parte da cesta básica por ser um produto presente em praticamente todos os lares junto do arroz e do feijão. Com a "inflação galopante", que viria se tornar "hiperinflação", e suas inimagináveis para hoje variações de até 3% num mesmo dia (sim, os preços mudavam ao longo do dia todo dia!), o governo da época, como alternativa para evitar convulsões sociais, passou a praticar o "congelamento de preços", principalmente nos itens da cesta básica.

Desastre total para as empresas cujos produtos faziam parte da lista dos "congelados", pois os custos continuavam a crescer devido à inflação, enquanto os preços de venda não poderiam ser alterados, pois essa ação poderia ser enquadrada como "crime contra o consumidor". Esse descompasso abissal de preços (imagine só: custos de produção e despesas aumentando por efeito inflacionário, enquanto o preço de venda não poderia se alterar) fez com que os empresários decidissem por estratégias de sobrevivência, ou seja, substituindo as matérias primas originais por outras muito inferiores. Por essa piora do café cru que compunha os blends, outro procedimento foi alterado: a torra do café, que passou a ganhar contornos mais intensos e, consequentemente, queimado. Foi o início do café Extra Forte, cujo sabor carbonizado se sobrepunha aos outros defeitos de bebida, muitos da categoria Defeitos Capitais, o conhecido PVA - Preto (Podre), Verde (Imaturo) e Ardido (Acético ou Vinagre), que desqualificam a bebida.

A qualidade do café no Brasil passou a declinar assustadoramente.

Em 1989, a ABIC - Associação Brasileira da Indústria do Café teve a iniciativa de começar a reverter essa situação, com a introdução do Selo de Pureza, que indica se um produto está isento de impurezas. Impureza é tudo que não é da semente do cafeeiro como paus, cascas e pedras.

Alguns dos selos do PQC da ABIC. Foto: ABIC/Divulgação.

 

2.004 foi momento de outra iniciativa pela ABIC, desta vez com o objetivo de estabelecer padrões de qualidade por meio do PQC - Programa da Qualidade do Café, que instituiu a classificação do produto torrado em Tradicional, Superior e Gourmet. Ao mesmo tempo, foi publicado pelo MAPA - Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, o Normativo Nº 8, que definiu os critérios para a classificação da matéria prima ou café cru, além de estabelecer o que é fraude como a inclusão de impurezas e elementos estranhos como o milho. Ao mesmo tempo, o movimento dos Cafés de Especialidade, que no Brasil ficou conhecido como Café Especial, se expandiu criando ambiente para novamente haver a oferta de produtos de excelente qualidade. Os cafés de especialidade ou especiais são resultado de seleção, além de práticas que garantem um produto uniforme e com diversas notas sensoriais que podem ser agregadas nos processos de pós colheita.

Secagem de grãos de alta qualidade em terreiro. Foto: Ensei Neto/Arquivo Pessoal.

 

Neste ano, 2023, a Norma 570 do MAPA passou a valer, regulando os cafés torrados e se tornando instrumento fundamental para punir produtos fraudados. Como cereja do bolo, a ABIC completou seu PQC com a inclusão da categoria Especial, que são cafés de alta qualidade, sem adstringência (aquela famosa "aspereza" na boca) e defeitos de bebida, como os defeitos capitais PVA.

É importante observar que para consertar um desvio como o que foi criado por questões de política econômica, populista e sem critérios razoáveis, que corresponde ao "quanto pior, melhor", a retomada para a qualidade exige muito empenho na educação do consumidor, na transparência das transações comerciais entre produtores e o mercado e, principalmente, oferecer produtos acessíveis para que o mercado prospere e não, apenas, cresça.

O caminho da qualidade a ser percorrido é longo, porém as estradas estão abertas, a sinalização está se tornando mais clara e tem muita gente pronta para mostrar o que há de melhor nos Cafés do Brasil.

Três considerações finais:

Leia os rótulos. Saber a qual categoria o produto está classificado já é importante passo para consumir com consciência.

Experimente sempre. Evoluímos ao experimentar mais. Somos a soma do que vivenciamos.

Confie nos seus sentidos. Sempre. Só você sabe o que lhe agrada.

 

Existe um clássico mantra de que se bebe café de qualidade inferior no Brasil porque os melhores grãos são exportados. Tenha ciência de que este mantra é comum em praticamente todos os países produtores de café e que esta percepção é predominante na maior parte da população, que, em geral, consome quase que no modo automático, apenas para o preenchimento do vazio existencial no estômago.

Degustação profissional de café. Foto: Ensei Neto/Arquivo pessoal.

 

Ainda nos anos 1960 e parte dos 1970, eram bebidos cafés de muito boa qualidade, encontrados nas "vendinhas" e "mercadinhos" da época. O modelo de supermercados e hipermercados que conhecemos hoje surgiram somente nos anos 1970. Haviam marcas, algumas vivas até hoje, que vendiam grãos que eram moídos na hora, fazendo o aroma se espalhar por todo o mercadinho. Ícones como Pilão, Jardim e o Seleto, este com um jingle que se tornou sinônimo de "o som do café da manhã", faziam parte deste ritual.

Em 1972, ocorreu o chamado primeiro choque do petróleo, controlado pelos países árabes produtores e que, em razão da Guerra do Irã, diminuíram a oferta, causando forte impacto econômico global. O Brasil, como reflexo disso e de uma série de fatores de política econômica da época sob a ditadura militar, depois de alguns anos de muita prosperidade experimentou um longo período de alta inflação até 1994, quando o engenhoso Plano Real a domou.

À esquerda: grãos defeituosos, resíduo de seleção. À direita: grãos de alta qualidade. Foto: Ensei Neto/Arquivo pessoal.

 

A "Cesta Básica", criada no governo de Getúlio Vargas, é um indicador de preços compostos por itens que devem manter uma família padrão alimentada dignamente por um mês. O café sempre fez parte da cesta básica por ser um produto presente em praticamente todos os lares junto do arroz e do feijão. Com a "inflação galopante", que viria se tornar "hiperinflação", e suas inimagináveis para hoje variações de até 3% num mesmo dia (sim, os preços mudavam ao longo do dia todo dia!), o governo da época, como alternativa para evitar convulsões sociais, passou a praticar o "congelamento de preços", principalmente nos itens da cesta básica.

Desastre total para as empresas cujos produtos faziam parte da lista dos "congelados", pois os custos continuavam a crescer devido à inflação, enquanto os preços de venda não poderiam ser alterados, pois essa ação poderia ser enquadrada como "crime contra o consumidor". Esse descompasso abissal de preços (imagine só: custos de produção e despesas aumentando por efeito inflacionário, enquanto o preço de venda não poderia se alterar) fez com que os empresários decidissem por estratégias de sobrevivência, ou seja, substituindo as matérias primas originais por outras muito inferiores. Por essa piora do café cru que compunha os blends, outro procedimento foi alterado: a torra do café, que passou a ganhar contornos mais intensos e, consequentemente, queimado. Foi o início do café Extra Forte, cujo sabor carbonizado se sobrepunha aos outros defeitos de bebida, muitos da categoria Defeitos Capitais, o conhecido PVA - Preto (Podre), Verde (Imaturo) e Ardido (Acético ou Vinagre), que desqualificam a bebida.

A qualidade do café no Brasil passou a declinar assustadoramente.

Em 1989, a ABIC - Associação Brasileira da Indústria do Café teve a iniciativa de começar a reverter essa situação, com a introdução do Selo de Pureza, que indica se um produto está isento de impurezas. Impureza é tudo que não é da semente do cafeeiro como paus, cascas e pedras.

Alguns dos selos do PQC da ABIC. Foto: ABIC/Divulgação.

 

2.004 foi momento de outra iniciativa pela ABIC, desta vez com o objetivo de estabelecer padrões de qualidade por meio do PQC - Programa da Qualidade do Café, que instituiu a classificação do produto torrado em Tradicional, Superior e Gourmet. Ao mesmo tempo, foi publicado pelo MAPA - Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, o Normativo Nº 8, que definiu os critérios para a classificação da matéria prima ou café cru, além de estabelecer o que é fraude como a inclusão de impurezas e elementos estranhos como o milho. Ao mesmo tempo, o movimento dos Cafés de Especialidade, que no Brasil ficou conhecido como Café Especial, se expandiu criando ambiente para novamente haver a oferta de produtos de excelente qualidade. Os cafés de especialidade ou especiais são resultado de seleção, além de práticas que garantem um produto uniforme e com diversas notas sensoriais que podem ser agregadas nos processos de pós colheita.

Secagem de grãos de alta qualidade em terreiro. Foto: Ensei Neto/Arquivo Pessoal.

 

Neste ano, 2023, a Norma 570 do MAPA passou a valer, regulando os cafés torrados e se tornando instrumento fundamental para punir produtos fraudados. Como cereja do bolo, a ABIC completou seu PQC com a inclusão da categoria Especial, que são cafés de alta qualidade, sem adstringência (aquela famosa "aspereza" na boca) e defeitos de bebida, como os defeitos capitais PVA.

É importante observar que para consertar um desvio como o que foi criado por questões de política econômica, populista e sem critérios razoáveis, que corresponde ao "quanto pior, melhor", a retomada para a qualidade exige muito empenho na educação do consumidor, na transparência das transações comerciais entre produtores e o mercado e, principalmente, oferecer produtos acessíveis para que o mercado prospere e não, apenas, cresça.

O caminho da qualidade a ser percorrido é longo, porém as estradas estão abertas, a sinalização está se tornando mais clara e tem muita gente pronta para mostrar o que há de melhor nos Cafés do Brasil.

Três considerações finais:

Leia os rótulos. Saber a qual categoria o produto está classificado já é importante passo para consumir com consciência.

Experimente sempre. Evoluímos ao experimentar mais. Somos a soma do que vivenciamos.

Confie nos seus sentidos. Sempre. Só você sabe o que lhe agrada.

 

Existe um clássico mantra de que se bebe café de qualidade inferior no Brasil porque os melhores grãos são exportados. Tenha ciência de que este mantra é comum em praticamente todos os países produtores de café e que esta percepção é predominante na maior parte da população, que, em geral, consome quase que no modo automático, apenas para o preenchimento do vazio existencial no estômago.

Degustação profissional de café. Foto: Ensei Neto/Arquivo pessoal.

 

Ainda nos anos 1960 e parte dos 1970, eram bebidos cafés de muito boa qualidade, encontrados nas "vendinhas" e "mercadinhos" da época. O modelo de supermercados e hipermercados que conhecemos hoje surgiram somente nos anos 1970. Haviam marcas, algumas vivas até hoje, que vendiam grãos que eram moídos na hora, fazendo o aroma se espalhar por todo o mercadinho. Ícones como Pilão, Jardim e o Seleto, este com um jingle que se tornou sinônimo de "o som do café da manhã", faziam parte deste ritual.

Em 1972, ocorreu o chamado primeiro choque do petróleo, controlado pelos países árabes produtores e que, em razão da Guerra do Irã, diminuíram a oferta, causando forte impacto econômico global. O Brasil, como reflexo disso e de uma série de fatores de política econômica da época sob a ditadura militar, depois de alguns anos de muita prosperidade experimentou um longo período de alta inflação até 1994, quando o engenhoso Plano Real a domou.

À esquerda: grãos defeituosos, resíduo de seleção. À direita: grãos de alta qualidade. Foto: Ensei Neto/Arquivo pessoal.

 

A "Cesta Básica", criada no governo de Getúlio Vargas, é um indicador de preços compostos por itens que devem manter uma família padrão alimentada dignamente por um mês. O café sempre fez parte da cesta básica por ser um produto presente em praticamente todos os lares junto do arroz e do feijão. Com a "inflação galopante", que viria se tornar "hiperinflação", e suas inimagináveis para hoje variações de até 3% num mesmo dia (sim, os preços mudavam ao longo do dia todo dia!), o governo da época, como alternativa para evitar convulsões sociais, passou a praticar o "congelamento de preços", principalmente nos itens da cesta básica.

Desastre total para as empresas cujos produtos faziam parte da lista dos "congelados", pois os custos continuavam a crescer devido à inflação, enquanto os preços de venda não poderiam ser alterados, pois essa ação poderia ser enquadrada como "crime contra o consumidor". Esse descompasso abissal de preços (imagine só: custos de produção e despesas aumentando por efeito inflacionário, enquanto o preço de venda não poderia se alterar) fez com que os empresários decidissem por estratégias de sobrevivência, ou seja, substituindo as matérias primas originais por outras muito inferiores. Por essa piora do café cru que compunha os blends, outro procedimento foi alterado: a torra do café, que passou a ganhar contornos mais intensos e, consequentemente, queimado. Foi o início do café Extra Forte, cujo sabor carbonizado se sobrepunha aos outros defeitos de bebida, muitos da categoria Defeitos Capitais, o conhecido PVA - Preto (Podre), Verde (Imaturo) e Ardido (Acético ou Vinagre), que desqualificam a bebida.

A qualidade do café no Brasil passou a declinar assustadoramente.

Em 1989, a ABIC - Associação Brasileira da Indústria do Café teve a iniciativa de começar a reverter essa situação, com a introdução do Selo de Pureza, que indica se um produto está isento de impurezas. Impureza é tudo que não é da semente do cafeeiro como paus, cascas e pedras.

Alguns dos selos do PQC da ABIC. Foto: ABIC/Divulgação.

 

2.004 foi momento de outra iniciativa pela ABIC, desta vez com o objetivo de estabelecer padrões de qualidade por meio do PQC - Programa da Qualidade do Café, que instituiu a classificação do produto torrado em Tradicional, Superior e Gourmet. Ao mesmo tempo, foi publicado pelo MAPA - Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, o Normativo Nº 8, que definiu os critérios para a classificação da matéria prima ou café cru, além de estabelecer o que é fraude como a inclusão de impurezas e elementos estranhos como o milho. Ao mesmo tempo, o movimento dos Cafés de Especialidade, que no Brasil ficou conhecido como Café Especial, se expandiu criando ambiente para novamente haver a oferta de produtos de excelente qualidade. Os cafés de especialidade ou especiais são resultado de seleção, além de práticas que garantem um produto uniforme e com diversas notas sensoriais que podem ser agregadas nos processos de pós colheita.

Secagem de grãos de alta qualidade em terreiro. Foto: Ensei Neto/Arquivo Pessoal.

 

Neste ano, 2023, a Norma 570 do MAPA passou a valer, regulando os cafés torrados e se tornando instrumento fundamental para punir produtos fraudados. Como cereja do bolo, a ABIC completou seu PQC com a inclusão da categoria Especial, que são cafés de alta qualidade, sem adstringência (aquela famosa "aspereza" na boca) e defeitos de bebida, como os defeitos capitais PVA.

É importante observar que para consertar um desvio como o que foi criado por questões de política econômica, populista e sem critérios razoáveis, que corresponde ao "quanto pior, melhor", a retomada para a qualidade exige muito empenho na educação do consumidor, na transparência das transações comerciais entre produtores e o mercado e, principalmente, oferecer produtos acessíveis para que o mercado prospere e não, apenas, cresça.

O caminho da qualidade a ser percorrido é longo, porém as estradas estão abertas, a sinalização está se tornando mais clara e tem muita gente pronta para mostrar o que há de melhor nos Cafés do Brasil.

Três considerações finais:

Leia os rótulos. Saber a qual categoria o produto está classificado já é importante passo para consumir com consciência.

Experimente sempre. Evoluímos ao experimentar mais. Somos a soma do que vivenciamos.

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