O Brasil vive um paradoxo. Estamos entre os 10 maiores mercados de TI do mundo, mas temos um déficit de profissionais qualificados para atender a demanda de 161,5 mil vagas de tecnologia, de acordo com a estimativa feita pelo The Network Skills in Latin America para 2019. Na prática, há vagas disponíveis em uma indústria que exige mão de obra altamente qualificada.
Quando pensamos em inclusão, vemos que o mercado de tecnologia nacional carece de cursos de programação e tecnologia digital realmente acessíveis, sobretudo para os jovens de baixa renda e grupos vulneráveis que vivem nas periferias das cidades.
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Hoje, os cursos existentes formam em torno de 45 mil profissionais do setor para uma demanda que deve ser 420 mil vagas em 2024, segundo a Associação Brasileira de Startups (ABStartups). Acrescentamos ao desafio a questão da diversidade. As vagas são ocupadas por homens brancos, heterossexuais, dos centros urbanos, pertencentes à classe média alta e formados nas principais universidades do país.
Para romper com esse círculo nada virtuoso - e preparar os profissionais que vão ocupar as melhores vagas tanto nos gigantes do setor quanto nas pequenas e médias empresas de base tecnológica que não param de surgir -, a Carambola oferece a grandes empresas um serviço de consultoria em tecnologia da informação, enquanto capacita jovens para atuar nesses postos de trabalho.
O negócio de impacto social criado por Juliana Glasser e Renato Prado capacita profissionais para o promissor mercado de tecnologia. Para isso, os empreendedores desenvolvem trilhas de projetos de programação alocadas em uma plataforma adaptativa de ensino. Os estudantes são divididos pelos seus hard skills e soft skills, agrupando em trios para uma capacitação de seis meses.
A empresa contratante tem, ao final do processo de treinamento, uma equipe com nível técnico alinhado às demandas internas; profissionais preparados que integram o time de funcionários da companhia. Nos diferentes pilotos, 180 pessoas foram capacitadas - todas pertencentes a alguma minoria. No processo de seleção, os conhecimentos básicos sobre tecnologia contam, mas o determinante para a inclusão no treinamento é a história de vida do futuro aluno. Sem dúvida, um recrutamento sob um olhar diferente.
A motivação para criar o negócio é genuína e veio da experiência de vida e do olhar atento de Juliana. Passando por dificuldades no início de sua trajetória, ela descobriu, por meio de um amigo, que o salário de programadores era muito melhor do que o seu, e que - nesse novo universo - havia boas oportunidades. Com essa premissa, decidiu estudar programação, mesmo enfrentando inúmeras dificuldades financeiras para concluir os estudos e se dedicar à nova profissão.
Com o tempo, tornou-se programadora em grandes empresas, criou a própria empresa - Infoprice, vendida para a B2W - e sentiu que poderia compartilhar o conhecimento com outros jovens e adultos. Hoje, com o sócio - empreendedor serial que já fundou seis empresas em diferentes setores -, Juliana atende dois públicos: grandes empresas que têm gargalos de profissionais para atingir a evolução tecnológica, e minorias que têm pouca representatividade no mercado nacional de TI.
São pessoas que colocam o ser humano no centro do negócio e ajudam a mudar a regra do jogo
A análise do impacto social aponta a geração de renda, por parte dos alunos, desde o início da capacitação. Esses jovens de baixa renda são contratados pela Carambola como desenvolvedores mesmo ainda não tendo o conhecimento técnico, ou seja, recebem um apoio financeiro para estudar. Após a capacitação, amplia-se expressivamente o potencial de retorno financeiro e de crescimento de carreira.
E cabe aqui um adendo bem importante. A Carambola não forma especialistas para ser mão de obra barata; forma profissionais capazes de competir - por vagas e salários - em igualdade de condições e alinhados ao que o mercado exige. Não é um projeto filantrópico. É um negócio de impacto social lucrativo e inovador.
Em outras palavras, é uma equação vantajosa para todos os lados envolvidos. Para o jovem profissional: educação, inclusão, emprego e perspectiva de uma carreira promissora. Para a grande empresa, a facilidade de realizar seus projetos de TI com qualidade e acesso a profissionais treinados para futura contratação. E para a startup: um modelo de negócio rentável e cheio de propósito.
Enquanto o mundo sofre a chamada "fadiga da empatia" (ou fadiga da compaixão) - classificada como um estado de exaustão psicológica como resposta à avalanche de notícias deprimentes que nos anestesiam e entorpecem - no Brasil, uma nova geração de empreendedores de impacto social está escrevendo uma nova história. São pessoas que colocam o ser humano no centro do negócio e ajudam a mudar a regra do jogo neste mundo de transição tecnológica que vivemos.
* Maure Pessanha é coempreendedora e diretora-executiva da Artemisia, organização pioneira no fomento e na disseminação de negócios de impacto social no Brasil.