O jovem Igor Ribeiro Vasconcelos, 24, vendia empadas e café com a família em uma pequena barraca nas ruas de Goiânia. Dois anos depois, deixou de trabalhar como ambulante e usou o dinheiro de um empréstimo para montar um quiosque de rua. O Gatos de Rua Café funciona como um ‘fast food’ de cafés especiais, que oferece 60 combinações de sabores diferentes, e prevê faturar R$ 507 mil até o fim de 2024.
Filho de uma entusiasta na cozinha, Vasconcelos formou-se em gastronomia. Compartilhando da mesma paixão, a sua irmã Luana Ribeiro Costa, 31, fez um curso de barista em São Paulo. Quando voltou para Goiânia, em outubro de 2018, propôs o empreendimento. A família topou e, sem dinheiro para uma operação em loja, começou do jeito que podia.
Eles investiram R$ 1 mil para comprar os materiais necessários para montar a barraca e complementaram com o que já tinham em casa. “Manter a cafeteria, equipamentos era muito caro para nós. Esse período serviu para avaliar o negócio, planejar o atendimento”, diz Vasconcelos.
Eles tiveram que encerrar a atuação presencial na pandemia de coronavírus, em março de 2020. Continuaram vendendo os produtos por delivery.
Em outubro de 2021, Vasconcelos conseguiu condições especiais para um empréstimo de R$ 12 mil com um programa do governo estadual que visava incentivar a permanência e a criação de negócios após a pandemia. Com mais cerca de R$ 5 mil de capital próprio acumulado durante as vendas na rua, alugou um quiosque.
“Nesse novo lugar, começamos a implementar a identidade visual, que já estava pronta. Levamos o nosso público da barraquinha para o novo Gatos de Rua Café, que passou a lidar com cafés especiais”, conta.
O negócio faturou R$ 240 mil até o fim de 2023. No próximo mês, uma segunda unidade e a fábrica da marca devem ser inauguradas. A previsão até o fim do ano é de mais do que dobrar o faturamento. Os sócios são Vasconcelos e a irmã; a mãe ajuda com algumas necessidades da cozinha e cedeu a receita exclusiva da sua empada para a empresa.
Funcionários são treinados para atendimento ágil
O Gatos de Rua Café se denomina um “fast food de café em pit dog”. ‘Pit dog’ é como são chamados popularmente os quiosques de rua em Goiânia. “Usamos o nome para valorizar o nosso estado”, explica Vasconcelos.
Os sócios caracterizam o modelo como um ‘fast food’ pela agilidade nos atendimentos. O goiano garante que as bebidas são servidas em menos de dois minutos. Com os alimentos, três mesas são servidas em cerca de cinco minutos.
O negócio tem um manual próprio de atendimento, e os funcionários são treinados para servir com rapidez. “Tem uma quantidade certa de pessoas, gestos corporais, a maneira como pega as coisas, a distribuição dos materiais para a facilidade de acesso”, cita Vasconcelos.
De acordo com ele, as regras foram construídas com base na observação de redes de fast food famosas, como McDonald’s, Subway e Starbucks. “Além disso, estar na rua com um quiosque torna o acesso ainda mais rápido porque os clientes não precisam entrar no local”, pontua.
Para tornar o atendimento ainda mais eficiente, o empreendimento adotou, no fim de 2023, o Clube do Café. O programa de fidelidade permite que os clientes antecipem um crédito com a loja de R$ 50 ou R$ 100, sem prazo de validade. Esse valor é descontado à medida que a pessoa consome no local.
“Como a loja costuma lotar muito, isso dá a vantagem de a pessoa sair sem precisar passar pelo caixa para pagar. Ela só pega a bebida ou o alimento, consente com o registro do pagamento pelo clube e pode ir embora”, explica. O contole do valor é feito pelo WhatsApp. No futuro, os sócios pretendem lançar um aplicativo.
O benefício também oferece promoções e preços mais vantajosos para os cafés expressos e coados. A cada semana, dois produtos diferentes, uma bebida e um alimento exposto na vitrine, ficam com preços especiais. “Colocamos os cafés mais exóticos para as pessoas arriscarem, conhecerem novos sabores”, revela Vasconcelos.
Leia também
Marca leva cafés refinados com grãos especiais para a rua
Com receitas exclusivas feitas pela irmã Luana Costa, o negócio leva métodos de mixologia da Coreia do Sul, Itália e Estados Unidos para a rua. O cardápio de bebidas oferece mais de 60 opções de sabores, cerca de 30 quentes e 30 geladas, feitas à base de café e/ou leite. “Para cada versão quente, tem a gelada”, diz Vasconcelos.
“A nossa ideia é fazer o café especial ser mais acessível, não só no preço, mas para as pessoas conhecerem também. Como esse tipo de negócio costuma ficar em shoppings e ser caro, muita gente não conhece nem o café expresso”, observa.
Todos os cafés são produzidos com grãos especiais. “Não tem tradicional”, avisa. Feitos com prensa francesa ou Hario V60, os produtos usam desde grãos frutados a com toque de chocolate e são inspirados tanto em divertidas bebidas coreanas quanto no refinado café italiano.
É daí que vem o nome do Gatos de Rua, explica Vasconcelos: “Além de a minha família sempre ter gostado de gatos, nós quisemos esse nome porque começamos e continuamos na rua, mesmo que de maneira diferente agora. Quisemos nos associar à ideia do gato, que, mesmo quando está em situação de rua, mantém a elegância, a beleza.”
Segundo ele, novos clientes costumam ter medo de se arriscar nos sabores. As bebidas líderes de venda são as consideradas mais “clássicas”: todos os capuccinos e os métodos coados, na versão quente, e o latte (café expresso, leite e xarope de baunilha) e o caramelo macchiato, na versão gelada.
“Sempre tentamos incentivar que as pessoas peçam sabores diferentes, feitos em prensa francesa ou V60″, diz. O empreendedor recomenda uma versão de café expresso feito com água tônica, soda italiana ou xaropes de diversos sabores e adição do sumo de limão. “Todas as combinações foram testadas e aprovadas”, garante.
O negócio também oferece alimentos para acompanhar os cafés. Fixos na vitrine, há empadas e bolos. Outros produtos, como donuts, muffins e cupcakes, variam; as opções são atualizadas semanalmente.
Para o café da manhã, sanduíches em estilo panini ou misto quente são preparados no local. O pão é cortado manualmente em uma fatia grossa e recheado com diferentes sabores. O tradicional leva queijo, presunto, tomate e orégano; o vegetariano, mussarela, tomate cereja e molho pesto. Outras versões têm queijos diferentes e ovos.
As bebidas custam entre R$ 10 e R$ 23,90, sendo a maioria vendida a R$ 16,90. Já as comidas variam de R$ 5 (pão de queijo) a R$ 23,90. O preço médio dos alimentos gira em torno de R$ 9 e R$ 15.
A loja oferece delivery no iFood, mas cerca de 90% dos pedidos são feitos presencialmente. O quiosque conta com mesas e uma bancada e recebe mais de 50 pessoas por dia, de todos os gêneros e idades.
Clientes não dizem o que querem, mas como estão
Segundo Vasconcelos, o maior diferencial da Gatos de Rua Café é “entender o que a pessoa precisa” a partir do estudo de público feito desde que a marca funcionava na barraquinha de rua. “Tem cliente que já não fala o que quer, mas como está”, exemplifica. Há bebidas e comidas que dão energia, outras que ajudam a acalmar, por exemplo. “Observamos se a pessoa está com pressa, confortável, bem ou mal”, indica.
Responsável pela conta do Instagram da marca, onde o marketing do negócio se concentra, o goiano explica algumas estratégias que usa para manter o engajamento forte, mesmo sem impulsionar os conteúdos.
“Busco manter a conta ativa porque quem não é visto não é lembrado, mas tento não aumentar demais a frequência de propagandas para não lotar mais do que a nossa capacidade de atendimento”, pontua. Além dos sócios e da mãe na cozinha, o quiosque conta com dois funcionários, um para a preparação das bebidas e outro para a das comidas. “Mas um sabe fazer o trabalho do outro”, diz.
O perfil na rede social busca atrair clientes com fotos dos produtos e vídeos curtos e bem-humorados. “Também adapto publicações para o clima da cidade: se estiver quente, posto as bebidas geladas; se tiver frio, mudo para as quentes”, afirma.
No próximo mês, uma segunda unidade e a fábrica do Gatos de Rua Café serão inauguradas também em Goiânia, no setor oeste da cidade. O empreendimento será instalado em uma galeria de dois andares: a loja no primeiro e a fábrica no segundo.
A ideia de Vasconcelos é franquear a marca após o lançamento de uma terceira unidade local. A expectativa é que isso aconteça até o início de 2025. “Com a fábrica central, faremos a distribuição dos produtos para não perder a qualidade. A receita dos cafés continuarão sendo os da minha irmã e as estruturas, de quiosque. E a minha mãe vai receber royalties sobre a receita de empada dela”, planeja.
Avaliação dos clientes
O Gatos de Rua Café tem nota média de 4,9 de 5 no Google. Das 103 avaliações, apenas quatro não deram a maior classificação ao negócio: três concederam quatro estrelas à loja e uma pessoa atribuiu a pior nota, uma estrela, com críticas à textura e à produção da empada e do suco de laranja no local.
A empresa está no site Reclame Aqui, mas ainda não há nenhuma reclamação registrada no perfil da marca.
Quiosque facilita contato com público, diz consultor
Para o consultor de negócios do Sebrae-SP Artur Shoiti, o contato direto com o público em quiosques possibilita uma abordagem mais fácil, sem que o cliente precise entrar na loja ou haja necessidade de ter vitrines elaboradas para atrair a atenção.
Os quiosques exigem poucos funcionários, muitas vezes apenas um. O que é uma vantagem pode ser também um desafio, diz o consultor. O dono precisará estar sempre preparado para lidar com a operação no caso de imprevistos, como a falta do funcionário.
O Sebrae considera que o mercado de alimentação “vive momentos de prosperidade e ascensão”. A entidade prevê um crescimento ainda maior nos próximos anos devido aos impactos positivos trazidos pelos aspectos socioeconômicos.
Entre as mudanças no estilo de vida, a entidade cita especialmente a necessidade de adequação “ao ritmo de vida agitado das pessoas”, que gera uma “busca por produtos que facilitem o dia a dia”.
Aumenta também a busca por alimentos de qualidade e de boa procedência, segundo ele.
“Quem diversifica seus produtos e serviços sai ganhando. As empresas de sucesso são as de quem busca inovar e se adaptar às mudanças de consumo para a expansão de negócio. A logística impõe que, se aumenta o público consumidor, cresce também a concorrência, e dessa forma sobressai o melhor produto e o atendimento mais especializado.”, afirma.
Entre as tendências do setor alimentício apontadas pelo Sebrae, estão “formas de escapar da rotina”. Ao escolher um local para se alimentar fora de casa, a entidade aponta que 82% dos consumidores buscam locais abertos e ventilados, com varandas, mesas ao ar livre e contato com a natureza.