O percurso de uma cervejaria artesanal para conquistar mercado no exterior parece árduo e longo quando se trata de micro e pequenos empreendedores. Mas a maturidade do público cervejeiro lá fora, a curiosidade com ingredientes brasileiros em receitas de alto padrão e uma pitada de dólar alto na pandemia, em torno de R$ 5,44, encurtam esse trajeto e aceleram a exportação.
Apesar de o número de cervejarias no Brasil crescer ano a ano (chegaram a 1.209 em 2019, segundo o Anuário da Cerveja 2020, do Ministério da Agricultura), não há dados compilados sobre exportação de cervejarias independentes. Mas negócios paulistas, como Trilha, Dádiva e Startup Brewing, são exemplos de que há demanda e espaço para crescer lá fora no mercado da cerveja.
Para Nadhine França, presidente executiva da Associação Brasileira de Cerveja Artesanal (Abracerva), cervejarias como essas têm potencial de aproveitar a onda apoiadas em modelos de negócio modernos e atualizados, além de experientes, com mais de três anos de estradano jovem mercado artesanal brasileiro. Assim, conseguem mandar receitas de alta qualidade e não pasteurizadas, em cadeia refrigerada para um consumidor especializado.
“As cervejas dessas marcas atingem um público específico lá fora, o beer geek. Além disso, frutas e madeiras brasileiras têm um mercado grande com alto valor agregado”, fala ela sobre as receitas que exploram o rico bioma brasileiro.
No caso da Trilha Cervejaria, apostar em receitas de alto teor alcoólico e com frutas como abacaxi e goiaba teve resultado. Após contatos na Europa por meio de festivais de cerveja, a empresa fez a primeira exportação em setembro de 2020, de um pallet (em torno de 2 mil garrafas) para a Holanda; no mês passado, foram 3 pallets para o mesmo importador.
“Fizemos cervejas especiais para esse lote, com café, frutas. Mandamos uma com banana e morango, cerveja que não tem nem estilo definido”, conta Daniel Bekeierman, sócio da Trilha ao lado de Beto Tempel.
Café, inclusive, integra novas receitas lançadas neste ano pela cervejaria, em parceria com café especial da UM Coffee. Aliás, essa união das duas marcas já rendeu 25 rótulos com café. Entre uma receita nova e outra, a Trilha já coleciona 247 cervejas diferentes em seu catálogo.
Agora, está montando fábrica nova na Barra Funda, em São Paulo, onde a capacidade mensal de produção passará de 7 mil litros para 35 mil litros. No ano passado, eles cresceram 45% em relação em 2019, e agora estão num patamar 60% superior a 2020.
Na fábrica, barris de madeira que já armazenaram bebidas como vinho e bourbon também vão dar mais margem para novas receitas, ao abrigar cervejas; madeiras brasileiras estão nos planos para 2022.
“Nos apaixonamos pela ideia de desenvolver produto, numa velocidade que a grande indústria não consegue e dialogando com o consumidor final”, conta Daniel. “Depois da primeira exportação, a gente começou a receber avaliações muito boas e contatos de Suécia, Holanda, Londres, até da China.”
Maior capacidade produtiva
No caso da Dádiva, que também exporta cervejas especiais em cadeia refrigerada, os números são um pouco mais superlativos que a Trilha. Cervejaria que carrega bagagem desde 2014 e tem capacidade para 50 mil litros por mês, as exportações começaram em 2018 e só cresceram.
No ano passado, foram três remessas para a Holanda, que somam cerca de 10 palets; neste ano, já foram enviados cerca de 8 palets e ainda deve vir mais até o fim do ano. A partir da Holanda, as cervejas vão para pontos de venda em países como Dinamarca, Suíça, Bélgica e Finlândia.
“A gente está começando a criar receitas seguindo o feedback deles lá fora. Eles pedem ingredientes brasileiros, frutas. Fizemos recentemente três sours com graviola, cajá-manga e cupuaçu”, conta Luiza Tolosa, sócia-fundadora da Dádiva.
Mas Luiza ressalta que, além de ingredientes nacionais, a criatividade e a qualidade brasileiras fazem com que o cliente lá fora queira cerveja nacional com lúpulo deles mesmos. “Nós importamos lúpulos desses países, executamos a receita no Brasil e depois exportamos a bebida de volta. O que nos mostra que uma cerveja boa depende da qualidade dos insumos, mas também das técnicas da receita.”
Segundo ela, que acaba de terminar o Exporta SP (Programa Paulista de Capacitação para Exportações), o relacionamento no exterior por meio de festivais e cervejas colaborativas com marcas estrangeiras tem sido importante para receber avaliações de consumidores e chamar a atenção de importadores.
Foi assim também com a Startup Brewing, que fez sua primeira exportação em outubro de 2020, em cadeia refrigerada, como resultado de avaliações que recebe de clientes em sites especializados na Europa.
A cervejaria, que produz 100 mil litros por mês, mandou duas remessas no fim do ano passado para a Holanda e, neste ano, já foram mais duas. O próximo pedido deve ser em maio e, com o verão europeu, a expectativa é seguir com envios mensais até o fim do ano.
A preferência do cliente, conta o sócio-fundador André Franken, tem sido por IPAs de teor alcoólico elevado e receitas com ingredientes nacionais. No último pedido, ele conta, o destaque ficou por conta da Coffmaru, uma cerveja Russian Imperial Stout com 12% de álcool e que leva café, cumaru e cupuaçu.
No caso de não pasteurizar as cervejas, o que faz com que elas sigam em cadeia refrigerada até o consumidor final, a escolha tem a ver com qualidade, diz. "Assim é feito também no Brasil. É um desafio das marcas que escolhem não pasteurizar as cervejas, fazendo com que estilos como a Juicy IPA tenham melhor performance sensorial."
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