A lembrança de um sabor de infância levou Eraldo Soglia, 42, a empreender. Vindo de uma criação simples no interior da Bahia, ele voltou às origens já adulto para desvendar a receita secreta da inesquecível cocada da sua tia. Assim nasceu a Doces Vó Nena, marca de doces caseiros que hoje conta com cinco lojas em São Paulo e 600 pontos de venda no Sudeste.
Soglia nasceu em Maracás, no centro-sul baiano. Aos nove anos, mudou-se para São Paulo. Vendeu chocolates diariamente em transportes públicos aos 14 anos. Aos 15, passou a trabalhar como office boy. No ano seguinte, a atuar como vendedor de uma empresa de eletrônicos.
Foi demitido pouco depois e emancipou-se para trabalhar com o transporte de eletrônicos como terceirizado da companhia. Comprou um carro com dinheiro emprestado e tornou-se taxista aos 25 anos. Oito anos se passaram até que ele finalmente tivesse o seu próprio negócio.
Nos dez anos anteriores ao início da Vó Nena, ele viveu com uma ideia fixa: “estar à frente de um projeto que acrescentasse de alguma forma às pessoas”, diz. Esse desejo tomou forma depois de ele notar variados doces caseiros em cima da bancada próxima ao caixa de um restaurante.
“Lembrei imediatamente da cocada que a minha tia fazia”, diz. “Era o produto perfeito, não encontrava nada parecido em São Paulo. Alimento é algo que toca muito no ser humano, tem uma forte relação com a emoção. Sabia que, se eu apostasse nisso, poderia alcançar muitas pessoas”, explica.
Com a ideia do negócio, Soglia voltou à sua cidade natal em busca da receita do doce. “Meus parentes avisaram: nem vá, que ela não ensina. A receita da tia Helena é o xodó dela”, conta. Nena, como é chamada, ficou conhecida em Maracás por causa dessa cocada, e não revelava a ninguém a receita.
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Para convencê-la, ele prometeu colocar o seu apelido na marca. “Mas ela me ensinou sem nem questionar, foi muito generosa.”
Mesmo assim, decidiu manter a homenagem. Como o nome Tia Nena já estava registrado, ele decidiu colocar Vó Nena. “Ela é avó, até bisa. São mais de 15 netos”, diz.
A tia Helena tem hoje 80 anos. Diagnosticada com alzheimer, permaneceu apenas com as lembranças mais antigas da sua vida antes do avanço mais grave da doença. Soglia conta que ela desenvolveu a receita da cocada aos 15 anos de idade. Sempre que lembrava da história, se emocionava.
Ela ouvia uma radionovela quando, durante o comercial, foi transmitida a receita do doce. Pega de surpresa, não conseguiu anotar o passo a passo. Então decidiu fazer do jeito que lembrava e foi aprimorando-a à medida que repetia o processo.
A Doces Vó Nena tem cinco lojas em formato de quiosque em estações de São Paulo. Os doces caseiros também são distribuídos em mais de 600 pontos de venda em cidades nos estados de São Paulo e Minas Gerais. O empresário não divulga o faturamento da marca.
Pegou dinheiro emprestado do banco
Eraldo Soglia passou três anos desenvolvendo o projeto da marca antes de lançar a Vó Nena. Ele diz que o que o deu forças para continuar foi o nascimento da filha Beatriz, no fim de 2014. “Quando fiquei sabendo que seria pai, pensei: ou monto o negócio agora ou nunca montarei, com as obrigações de um pai”, relembra.
Dividido em três fases (distribuição dos produtos, lançamento das lojas e franqueamento da marca), o plano está atualmente na segunda etapa.
“No início achei que seria tudo muito rápido, mas eu me enganei”, assume. O empreendedor investiu R$ 400 mil para lançar a marca em setembro de 2015, com dinheiro emprestado de vários bancos. “Depois de cinco meses, acabou tudo”, recorda-se.
Não sobrou nada para Soglia pagar os cinco funcionários que estavam com ele em março de 2016. Então ele fez uma promessa: “se vocês ficarem comigo, me ajudarem e venderem bem, farei de vocês meus sócios quando o projeto avançar.” Todos ficaram. No mesmo mês, os salários foram pagos e eles tornaram-se sócios do negócio.
Para pagar os bancos, o baiano decidiu começar vendendo o produto em atacado para centenas de restaurantes e padarias de São Paulo. “Se eu mesmo fosse vender, ia demorar muito. Vendia só para restaurantes e eles vendiam para o consumidor final.”.
Ele explica a estratégia: “Criei um caixa vivo. Eu vendia pouca quantia para os restaurantes, e eles já me pagavam tudo em dinheiro. Isso permitia que sempre tivesse dinheiro entrando na empresa e que eu não precisasse de muito capital de giro.”
Um ano e dois meses após o lançamento, a primeira fase avançou para a fase dois, com a chegada de Andreza Schneider, 40, sócia da marca. “Vendi uma parte da empresa para ela, foi o dinheiro que me ajudou a montar as lojas”, diz.
Soglia terminou de pagar as dívidas junto aos bancos em 2018. “Crescer pagando isso foi muito difícil, mas eu tinha muita vontade de fazer acontecer”, fala.
Pandemia fechou lojas e forçou mudança
Até a chegada da pandemia de coronavírus, a Vó Nena contava com 16 lojas na capital paulista, grande parte aberta com empréstimos junto a bancos. Com a crise, 11 fecharam. “Me vi sem recursos, com uma dívida enorme para pagar”, relembra.
Foi nesse momento que o empreendedor percebeu que não poderia mais crescer com dinheiro de fora da empresa. Hoje ele foca em juntar capital próprio para avançar para a terceira fase do plano.
“Cresci em favela, usando roupa doada. Quando vivi coisas diferentes e tive prazer nisso, passei a querer cada vez mais”, explica.
Para vender os chocolates, ele pegava dinheiro emprestado do irmão mais velho. Quando foi demitido da empresa de eletrônicos, usou toda a rescisão para dar entrada em uma Kombi. Depois, pegou dinheiro emprestado para comprar o táxi.
“Percebi que a empresa é um reflexo de quem eu sou, então me controlo muito hoje. Entendi que preciso de uma base financeira para andar com as minhas próprias pernas.”
Há 31 funcionários trabalhando na empresa. A fábrica dos doces fica no Ipiranga, na zona sul de São Paulo. As lojas, nas estações de metrô Moema, Sacomã, Vila Sônia, e Ana Rosa.
Cocada é carro-chefe, mas há outros doces
Sobre a receita da cocada, Soglia revela que ela teve que ser modificada por ser um processo industrial. “Mas a base é da tia Nena”, afirma. O produto tem 45 gramas e custa R$ 4,99.
A Vó Nena vende diversos tipos de doce caseiro além da cocada – carro-chefe da marca. Na lista dos produtos mais vendidos, aparecem em seguida palha italiana, goiabada e doce de leite de diversas texturas. O cardápio também conta com biju coberto com chocolate, bolos e bala de coco gelada.
Nas datas comemorativas, sempre há novidades. Na Páscoa, ovo trufado com cocada. No natal, panetone trufado. “Queremos que as pessoas pensem na Vó Nena quando quiserem presentear alguém”, afirma. A marca investiu desde o início em embalagens personalizadas.
Cerca de 70% dos produtos vendidos são de fabricação própria: as cocadas e palhas italianas. Os outros 30% vêm de fornecedores diferentes. A distribuição dos doces para os 600 parceiros é feita pela própria empresa.
No primeiro mês de funcionamento, a Vó Nena vendeu 300 cocadas. Hoje a marca comercializa mais de 4 mil produtos por dia. Os preços variam de R$ 3 a R$ 125. O ticket médio de consumo nas lojas é de R$ 25.
Nas redes sociais, os clientes são chamados de “netinhos”. A marca tem 24,6 mil seguidores no Instagram.
Empreendedor planeja expansão da marca em 2025
No segundo semestre de 2025, Soglia pretende começar a colocar em prática a terceira fase do seu plano, com lojas de rua. “Por enquanto, o meu modelo não é escalável”, afirma. Segundo ele, os quiosques nas estações de metrô dependem de muita burocracia. Depois, ele quer franquear a marca.
A ideia é que seja um formato de loja itinerante. “Penso em um formato em que a pessoa consiga levar uma grande quantidade de produtos em uma estrutura montável compacta para atender em variados locais”, explica.
Ele vai continuar concentrando o comércio em São Paulo. “Tem um mercado muito pujante que ainda posso explorar”, justifica. Com o negócio formatado na cidade, ele abrirá para outras localidades do Brasil.
Avaliação de consumidores
A Doces Vó Nena tem nota média de 4,7 de 5 no Google. Das 151 avaliações, quatro fornecem a classificação mais baixa (uma estrela). Dois justificaram o voto: um, pelo atendimento; o outro, pelo sabor da cocada. A marca responde a todas as críticas na plataforma.
Não há registros da empresa no site Reclame Aqui.
Consultor dá dicas para negócios do ramo alimentício
Consultor especialista em planejamento estratégico e marketing do Sebrae-SP, Cássio Ferraro destaca a importância de vender emoções, não apenas produtos. “Eu posso vender comida, mas o que eu realmente estou comprando é a sensação, a experiência. É isso que fideliza”, afirma.
A promoção da história e tradição por trás da marca é um tipo de estratégia que ele recomenda. “A boa propaganda não é só falar do que estamos vendendo, mas como fazemos essa propaganda. A imagem que usamos, a iluminação, a narrativa, tudo conta”, diz Ferraro.
“Se você não faz uma boa propaganda daquilo que você vende, não adianta.” Ele sugere que vídeos e imagens de alta qualidade sejam usados para destacar os produtos vendidos.
Ferraro cita a importância de adaptar-se às novas demandas e gostos dos consumidores. “Toda tendência mostra o que vai acontecer, e cabe a você entrar naquele bonde ou não. O que acontece quando você não entra? Literalmente, você fecha”, adverte.
Um bom planejamento financeiro e operacional é essencial para o franqueamento de qualquer marca no mercado. No setor alimentício, há alguns cuidados extras como a conformidade rígida com as regras sanitárias e a distribuição do produto para manter a qualidade em todas as lojas.