Empreendedorismo: ferramenta traz mapa das startups fundadas por negros


CEO da BlackRocks, Maitê Lourenço, diz que levantamento tem o objetivo de fortalecer a divulgação e o acesso a esses negócios

Por Jayanne Rodrigues
Atualização:
Foto: Flavia Taverna/Divulgação BlackRocks
Entrevista comMaitê LourençoPsicóloga e fundadora da BlackRocks Startups, hub de inovação que acelera negócios liderados por pessoas negras

Negócios tecnológicos liderados por pessoas negras não são novidade. Eles representam mais da metade dos empreendedores brasileiros - cerca de 51%, conforme dados da PretaHub. Por outro lado, o racismo estrutural inviabilizou durante séculos o destaque desses empreendimentos. Basta imaginar quantos chefes negros e negras você teve durante a carreira. A conta não fecha. Pensando em romper esse ciclo, foi lançado nesta terça-feira, 14, mapeamento que reúne startups fundadas por esses profissionais.

O levantamento, feito a partir de um estudo da BlackRocks, hub de inovação que promove acesso à população negra em ambientes tecnológicos, faz um recorte da região, estágio do negócio, segmento e situação da atividade.

“O BlackOut é uma solução inovadora, disruptiva, que mostra efetivamente o que as pessoas acham que não existe. Mas está ali posto, já nasceu antes e durante a pandemia, que é o empreendedorismo negro”, afirma a CEO da BlackRocks, Maitê Lourenço, em entrevista ao Estadão. Entre as 2.700 startups analisadas pelo mapeamento, 600 são lideradas por pessoas negras. Para Maitê, o momento é de potencializar o que está sendo viabilizado por essas empresas. Confira trechos da entrevista:

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Como enxerga o atual cenário do empreendedorismo negro tecnológico no Brasil?

O que eu ouço dos empreendedores é que chega uma hora que o teto de vidro bate e essas pessoas deixam de crescer dentro das corporações onde estão. Os jovens não se veem valorizados no mercado corporativo e procuram uma forma de inovar construindo o seu próprio negócio. É importante estabelecer que nem todo mundo está nesse eixo de sair de uma instituição grande. Na verdade, muitas vezes, profissionais negros nem conseguem ser contratado por mega instituições. A seleção (para vagas de empregos) é excludente. Espera-se, com frequência, (que o candidato tenha feito) uma faculdade de renome, que muitas vezes é particular, e tem poucas ações afirmativas. Como consequência, a população negra mal acessa esses espaços. Hoje, o percentual de pessoas gestoras negras é menor que 5% (Dados do IBGE de 2021). Esse número não cresce. Então, vemos o desafio do empreendedorismo trazendo essa discrepância. Isso já é um reflexo do racismo, é um reflexo da discriminação.

A sra. considera que houve um aumento de pessoas negras ocupando esses espaços se comparado ao período que antecede a pandemia?

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Antes não tínhamos um porcentual de quantas pessoas negras eram fundadoras de startups no Brasil. Agora, sabemos que 25% (Dados da BlackOut, pesquisa da BlackRocks, lançada em 2021) do ecossistema é de fundadores negros, que estão gerenciando startups de todas as fases. Esse número pode ser um pouco maior se pensarmos que a cada ano o desafio vai aumentando. Vale dizer que, quando se fala de tecnologia, estamos falando de processos que necessitam de risco, necessitam de crises, de problemas. Trata-se de um momento bastante promissor a esses problemas. Então, escancarou muitos desafios e a criatividade é necessária para se desenvolver essas ações. Não é que o ecossistema incentivou que existissem mais pessoas negras, mas sim a necessidade de criar soluções inovadoras faz com que esse grupo se vire e crie estruturas para desenvolver soluções inovadoras.

A pesquisa BlackOut revelou que Minas Gerais e Bahia lideram a segunda e a terceira posição, respectivamente, dos Estados com empreendedores negros a frente de startups. Sobre esse investimento fora do eixo Rio/São Paulo, o que tem sido feito para fortalecer?

O estudo traz uma visão nacional. São Paulo, pelo fato de concentrar um número grande de empresas, um número amplo de capital, atrai as startups. Algumas startups nascem em outras regiões e vêm se desenvolver em São Paulo. Mas a Bahia traz não só o DNA de inovação, que já existem nas universidades com iniciativas de fomento, mas também traz uma coisa curiosa que sempre foi levar o País em relação ao turismo, em relação à cultura, em relação ao desenvolvimento de criatividade regional. Olhar para a Bahia é olhar um pouco o movimento de desenvolvimento de inovação nesse sentido, que pode gerar uma importação desse tipo de inovação. Em Minas Gerais, pelo fato de ser uma região de minério, uma região de agricultura, ela promove também essa necessidade de inovação dentro dessas estruturas. Pensar na Vale, pensar em outras instituições que estão ali fomentando aquele território é também oferecer suporte para que tenha esses empreendedores inovadores olhando para problemas reais no Estado, que é maior que muitos países.

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E o que falta?

Falta infraestrutura para o desenvolvimento desses empreendedores que não são formados por Harvard, Stanford, universidades federais, universidade estaduais. Acho que olhar para esses empreendedores com o critério que elimine esse tipo de viés, que faz com que tenha uma exclusão sobre os seus produtos e os seus serviços. Também falta um pouco da visão de fomento do investimento anjo e investimento seed nessas regiões. Há bancos de desenvolvimento que são muito fortes, por sinal, dentro desses dois Estados. Os bancos de desenvolvimento levam esse processo até a última ponta, que aí é o nano empreendedor, microempreendedor. Faltam também políticas afirmativas. Por isso, é necessário pensar em ações tanto no privado quanto no público para incentivar esses empreendedores.

Hoje foi lançada a edição ‘Mapa das Startups’. Conta um pouco sobre esse projeto.

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O mapa analisou mais de 2.700 startups. Dessas, mais de 600 são lideradas por pessoas negras, tem pelo menos uma fundadora ou fundador negro, e vão estar disponíveis no nosso site com informações de busca. Por exemplo, pessoas que querem uma solução específica, têm como pesquisar por segmento, região, estágio desse negócio e se está ativo ou não. O legal é que a plataforma deixa informações ali de contato com o próprio negócio. A gente espera que investidores anjos e de venture capital busquem a ferramenta, outras aceleradoras também se disponibilizem a buscar ativamente os negócios. Porque fizemos um estudo anterior onde a indicação era a forma como a grande maioria dos stakeholders do ecossistema buscavam startups. Uma das justificativas era que não tinha como achar esses negócios. Estamos quebrando um pouco essa barreira e direcionando possibilidades para que as pessoas busquem esses negócios de uma forma mais efetiva, trazendo um direcionamento do segmento para muitas pessoas que buscam investir em negócios específicos e a busca é gratuita. Divulgamos site, LinkedIn, etc.

Equipe da BlackRocs da esquerda para a direita: Elisabeth Rocha, Head de Adm/Operações; Gabriel Araújo, Head de Investimentos; Paulo Freitas, Head de Tecnologia; Maitê Lourenço, CEO e fundadora; Matheus Lourenço, Assistente de Adm e Operações.  Foto: Flavia Taverna/Divulgação BlackRocks

O levantamento fez um recorte do modelo de trabalho dessas startups?

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Nós não fizemos esse questionamento, o foco é a existência delas. Posso afirmar que o home office já existe até antes da pandemia para essa população. Por que eu falo isso? A grande maioria dos negócios liderados por pessoas negras está dentro das suas próprias casas. Então, as funções, mesmo que inovadoras, são construídas dentro do home office. E aí, a contratação de pessoas faz com que ele tenha um espaço físico, mas depende muito do crescimento do negócio. O que percebemos é que as soluções começam muito pequenininhas, muitas vezes como Microempreendedor Individual (MEI), depois elas vão caminhando para outros estágios.

O que há de novo no mercado da inovação?

Poder mostrar que as pessoas negras estão liderando negócios inovadores e tecnológicos ao meu ver não é, obviamente, uma inovação. Porque o empreendedorismo nasce muito antes da abolição da escravatura no Brasil. Mas promover que as pessoas tenham acesso a um conteúdo que facilite o entendimento de que a população negra está inovando é uma solução inovadora. Por isso, o BlackOut é uma solução disruptiva. Então, a pandemia, de uma certa forma, potencializou que existissem soluções que criassem oportunidade de desenvolvimento efetivo, de negócios que possam romper com as necessidades que temos. Desde soluções de entrega, por exemplo, que foram muito buscadas durante o início da pandemia, de fintechs, de como arrecadar dinheiro, como transformar aquela possibilidade sem ter uma conta complexa, a porta giratória fechar na sua cara para você abrir uma conta de pessoa jurídica (PJ). Como também de automatização, ou da gestão do seu negócio, do desenvolvimento de um produto, de soluções que possam melhorar o seu dia a dia para alcançar alta performance como instituição, como empresa.

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Qual conselho você deixa para quem está tentando ingressar no mercado de startups?

Acessem as startups que já existem, vejam se há vagas, busquem trazer sua ideia para complementar uma companhia que você enxerga que pode ser interessante para ser parceiro(a). Porque nenhuma ideia é única, é sempre complementar. Muitas vezes você está olhando aquela startup, tem a possibilidade de se inspirar ou até mesmo ir buscar aquele negócio e se tornar um aliado, um sócio e fazer parte do time. É literalmente buscar em cima do propósito. As pessoas que estão se formando hoje estão buscando trabalhar com empresas que sintam que existe um propósito por trás. Nesse sentido, a diversidade racial é importante, a diversidade de gênero é importante. É olhar para esses negócios que estão no BlackOut como possibilidade efetiva de colocação. Com esse mapeamento, queremos ampliar o acesso das pessoas à informação de bons negócios.

Negócios tecnológicos liderados por pessoas negras não são novidade. Eles representam mais da metade dos empreendedores brasileiros - cerca de 51%, conforme dados da PretaHub. Por outro lado, o racismo estrutural inviabilizou durante séculos o destaque desses empreendimentos. Basta imaginar quantos chefes negros e negras você teve durante a carreira. A conta não fecha. Pensando em romper esse ciclo, foi lançado nesta terça-feira, 14, mapeamento que reúne startups fundadas por esses profissionais.

O levantamento, feito a partir de um estudo da BlackRocks, hub de inovação que promove acesso à população negra em ambientes tecnológicos, faz um recorte da região, estágio do negócio, segmento e situação da atividade.

“O BlackOut é uma solução inovadora, disruptiva, que mostra efetivamente o que as pessoas acham que não existe. Mas está ali posto, já nasceu antes e durante a pandemia, que é o empreendedorismo negro”, afirma a CEO da BlackRocks, Maitê Lourenço, em entrevista ao Estadão. Entre as 2.700 startups analisadas pelo mapeamento, 600 são lideradas por pessoas negras. Para Maitê, o momento é de potencializar o que está sendo viabilizado por essas empresas. Confira trechos da entrevista:

Como enxerga o atual cenário do empreendedorismo negro tecnológico no Brasil?

O que eu ouço dos empreendedores é que chega uma hora que o teto de vidro bate e essas pessoas deixam de crescer dentro das corporações onde estão. Os jovens não se veem valorizados no mercado corporativo e procuram uma forma de inovar construindo o seu próprio negócio. É importante estabelecer que nem todo mundo está nesse eixo de sair de uma instituição grande. Na verdade, muitas vezes, profissionais negros nem conseguem ser contratado por mega instituições. A seleção (para vagas de empregos) é excludente. Espera-se, com frequência, (que o candidato tenha feito) uma faculdade de renome, que muitas vezes é particular, e tem poucas ações afirmativas. Como consequência, a população negra mal acessa esses espaços. Hoje, o percentual de pessoas gestoras negras é menor que 5% (Dados do IBGE de 2021). Esse número não cresce. Então, vemos o desafio do empreendedorismo trazendo essa discrepância. Isso já é um reflexo do racismo, é um reflexo da discriminação.

A sra. considera que houve um aumento de pessoas negras ocupando esses espaços se comparado ao período que antecede a pandemia?

Antes não tínhamos um porcentual de quantas pessoas negras eram fundadoras de startups no Brasil. Agora, sabemos que 25% (Dados da BlackOut, pesquisa da BlackRocks, lançada em 2021) do ecossistema é de fundadores negros, que estão gerenciando startups de todas as fases. Esse número pode ser um pouco maior se pensarmos que a cada ano o desafio vai aumentando. Vale dizer que, quando se fala de tecnologia, estamos falando de processos que necessitam de risco, necessitam de crises, de problemas. Trata-se de um momento bastante promissor a esses problemas. Então, escancarou muitos desafios e a criatividade é necessária para se desenvolver essas ações. Não é que o ecossistema incentivou que existissem mais pessoas negras, mas sim a necessidade de criar soluções inovadoras faz com que esse grupo se vire e crie estruturas para desenvolver soluções inovadoras.

A pesquisa BlackOut revelou que Minas Gerais e Bahia lideram a segunda e a terceira posição, respectivamente, dos Estados com empreendedores negros a frente de startups. Sobre esse investimento fora do eixo Rio/São Paulo, o que tem sido feito para fortalecer?

O estudo traz uma visão nacional. São Paulo, pelo fato de concentrar um número grande de empresas, um número amplo de capital, atrai as startups. Algumas startups nascem em outras regiões e vêm se desenvolver em São Paulo. Mas a Bahia traz não só o DNA de inovação, que já existem nas universidades com iniciativas de fomento, mas também traz uma coisa curiosa que sempre foi levar o País em relação ao turismo, em relação à cultura, em relação ao desenvolvimento de criatividade regional. Olhar para a Bahia é olhar um pouco o movimento de desenvolvimento de inovação nesse sentido, que pode gerar uma importação desse tipo de inovação. Em Minas Gerais, pelo fato de ser uma região de minério, uma região de agricultura, ela promove também essa necessidade de inovação dentro dessas estruturas. Pensar na Vale, pensar em outras instituições que estão ali fomentando aquele território é também oferecer suporte para que tenha esses empreendedores inovadores olhando para problemas reais no Estado, que é maior que muitos países.

E o que falta?

Falta infraestrutura para o desenvolvimento desses empreendedores que não são formados por Harvard, Stanford, universidades federais, universidade estaduais. Acho que olhar para esses empreendedores com o critério que elimine esse tipo de viés, que faz com que tenha uma exclusão sobre os seus produtos e os seus serviços. Também falta um pouco da visão de fomento do investimento anjo e investimento seed nessas regiões. Há bancos de desenvolvimento que são muito fortes, por sinal, dentro desses dois Estados. Os bancos de desenvolvimento levam esse processo até a última ponta, que aí é o nano empreendedor, microempreendedor. Faltam também políticas afirmativas. Por isso, é necessário pensar em ações tanto no privado quanto no público para incentivar esses empreendedores.

Hoje foi lançada a edição ‘Mapa das Startups’. Conta um pouco sobre esse projeto.

O mapa analisou mais de 2.700 startups. Dessas, mais de 600 são lideradas por pessoas negras, tem pelo menos uma fundadora ou fundador negro, e vão estar disponíveis no nosso site com informações de busca. Por exemplo, pessoas que querem uma solução específica, têm como pesquisar por segmento, região, estágio desse negócio e se está ativo ou não. O legal é que a plataforma deixa informações ali de contato com o próprio negócio. A gente espera que investidores anjos e de venture capital busquem a ferramenta, outras aceleradoras também se disponibilizem a buscar ativamente os negócios. Porque fizemos um estudo anterior onde a indicação era a forma como a grande maioria dos stakeholders do ecossistema buscavam startups. Uma das justificativas era que não tinha como achar esses negócios. Estamos quebrando um pouco essa barreira e direcionando possibilidades para que as pessoas busquem esses negócios de uma forma mais efetiva, trazendo um direcionamento do segmento para muitas pessoas que buscam investir em negócios específicos e a busca é gratuita. Divulgamos site, LinkedIn, etc.

Equipe da BlackRocs da esquerda para a direita: Elisabeth Rocha, Head de Adm/Operações; Gabriel Araújo, Head de Investimentos; Paulo Freitas, Head de Tecnologia; Maitê Lourenço, CEO e fundadora; Matheus Lourenço, Assistente de Adm e Operações.  Foto: Flavia Taverna/Divulgação BlackRocks

O levantamento fez um recorte do modelo de trabalho dessas startups?

Nós não fizemos esse questionamento, o foco é a existência delas. Posso afirmar que o home office já existe até antes da pandemia para essa população. Por que eu falo isso? A grande maioria dos negócios liderados por pessoas negras está dentro das suas próprias casas. Então, as funções, mesmo que inovadoras, são construídas dentro do home office. E aí, a contratação de pessoas faz com que ele tenha um espaço físico, mas depende muito do crescimento do negócio. O que percebemos é que as soluções começam muito pequenininhas, muitas vezes como Microempreendedor Individual (MEI), depois elas vão caminhando para outros estágios.

O que há de novo no mercado da inovação?

Poder mostrar que as pessoas negras estão liderando negócios inovadores e tecnológicos ao meu ver não é, obviamente, uma inovação. Porque o empreendedorismo nasce muito antes da abolição da escravatura no Brasil. Mas promover que as pessoas tenham acesso a um conteúdo que facilite o entendimento de que a população negra está inovando é uma solução inovadora. Por isso, o BlackOut é uma solução disruptiva. Então, a pandemia, de uma certa forma, potencializou que existissem soluções que criassem oportunidade de desenvolvimento efetivo, de negócios que possam romper com as necessidades que temos. Desde soluções de entrega, por exemplo, que foram muito buscadas durante o início da pandemia, de fintechs, de como arrecadar dinheiro, como transformar aquela possibilidade sem ter uma conta complexa, a porta giratória fechar na sua cara para você abrir uma conta de pessoa jurídica (PJ). Como também de automatização, ou da gestão do seu negócio, do desenvolvimento de um produto, de soluções que possam melhorar o seu dia a dia para alcançar alta performance como instituição, como empresa.

Qual conselho você deixa para quem está tentando ingressar no mercado de startups?

Acessem as startups que já existem, vejam se há vagas, busquem trazer sua ideia para complementar uma companhia que você enxerga que pode ser interessante para ser parceiro(a). Porque nenhuma ideia é única, é sempre complementar. Muitas vezes você está olhando aquela startup, tem a possibilidade de se inspirar ou até mesmo ir buscar aquele negócio e se tornar um aliado, um sócio e fazer parte do time. É literalmente buscar em cima do propósito. As pessoas que estão se formando hoje estão buscando trabalhar com empresas que sintam que existe um propósito por trás. Nesse sentido, a diversidade racial é importante, a diversidade de gênero é importante. É olhar para esses negócios que estão no BlackOut como possibilidade efetiva de colocação. Com esse mapeamento, queremos ampliar o acesso das pessoas à informação de bons negócios.

Negócios tecnológicos liderados por pessoas negras não são novidade. Eles representam mais da metade dos empreendedores brasileiros - cerca de 51%, conforme dados da PretaHub. Por outro lado, o racismo estrutural inviabilizou durante séculos o destaque desses empreendimentos. Basta imaginar quantos chefes negros e negras você teve durante a carreira. A conta não fecha. Pensando em romper esse ciclo, foi lançado nesta terça-feira, 14, mapeamento que reúne startups fundadas por esses profissionais.

O levantamento, feito a partir de um estudo da BlackRocks, hub de inovação que promove acesso à população negra em ambientes tecnológicos, faz um recorte da região, estágio do negócio, segmento e situação da atividade.

“O BlackOut é uma solução inovadora, disruptiva, que mostra efetivamente o que as pessoas acham que não existe. Mas está ali posto, já nasceu antes e durante a pandemia, que é o empreendedorismo negro”, afirma a CEO da BlackRocks, Maitê Lourenço, em entrevista ao Estadão. Entre as 2.700 startups analisadas pelo mapeamento, 600 são lideradas por pessoas negras. Para Maitê, o momento é de potencializar o que está sendo viabilizado por essas empresas. Confira trechos da entrevista:

Como enxerga o atual cenário do empreendedorismo negro tecnológico no Brasil?

O que eu ouço dos empreendedores é que chega uma hora que o teto de vidro bate e essas pessoas deixam de crescer dentro das corporações onde estão. Os jovens não se veem valorizados no mercado corporativo e procuram uma forma de inovar construindo o seu próprio negócio. É importante estabelecer que nem todo mundo está nesse eixo de sair de uma instituição grande. Na verdade, muitas vezes, profissionais negros nem conseguem ser contratado por mega instituições. A seleção (para vagas de empregos) é excludente. Espera-se, com frequência, (que o candidato tenha feito) uma faculdade de renome, que muitas vezes é particular, e tem poucas ações afirmativas. Como consequência, a população negra mal acessa esses espaços. Hoje, o percentual de pessoas gestoras negras é menor que 5% (Dados do IBGE de 2021). Esse número não cresce. Então, vemos o desafio do empreendedorismo trazendo essa discrepância. Isso já é um reflexo do racismo, é um reflexo da discriminação.

A sra. considera que houve um aumento de pessoas negras ocupando esses espaços se comparado ao período que antecede a pandemia?

Antes não tínhamos um porcentual de quantas pessoas negras eram fundadoras de startups no Brasil. Agora, sabemos que 25% (Dados da BlackOut, pesquisa da BlackRocks, lançada em 2021) do ecossistema é de fundadores negros, que estão gerenciando startups de todas as fases. Esse número pode ser um pouco maior se pensarmos que a cada ano o desafio vai aumentando. Vale dizer que, quando se fala de tecnologia, estamos falando de processos que necessitam de risco, necessitam de crises, de problemas. Trata-se de um momento bastante promissor a esses problemas. Então, escancarou muitos desafios e a criatividade é necessária para se desenvolver essas ações. Não é que o ecossistema incentivou que existissem mais pessoas negras, mas sim a necessidade de criar soluções inovadoras faz com que esse grupo se vire e crie estruturas para desenvolver soluções inovadoras.

A pesquisa BlackOut revelou que Minas Gerais e Bahia lideram a segunda e a terceira posição, respectivamente, dos Estados com empreendedores negros a frente de startups. Sobre esse investimento fora do eixo Rio/São Paulo, o que tem sido feito para fortalecer?

O estudo traz uma visão nacional. São Paulo, pelo fato de concentrar um número grande de empresas, um número amplo de capital, atrai as startups. Algumas startups nascem em outras regiões e vêm se desenvolver em São Paulo. Mas a Bahia traz não só o DNA de inovação, que já existem nas universidades com iniciativas de fomento, mas também traz uma coisa curiosa que sempre foi levar o País em relação ao turismo, em relação à cultura, em relação ao desenvolvimento de criatividade regional. Olhar para a Bahia é olhar um pouco o movimento de desenvolvimento de inovação nesse sentido, que pode gerar uma importação desse tipo de inovação. Em Minas Gerais, pelo fato de ser uma região de minério, uma região de agricultura, ela promove também essa necessidade de inovação dentro dessas estruturas. Pensar na Vale, pensar em outras instituições que estão ali fomentando aquele território é também oferecer suporte para que tenha esses empreendedores inovadores olhando para problemas reais no Estado, que é maior que muitos países.

E o que falta?

Falta infraestrutura para o desenvolvimento desses empreendedores que não são formados por Harvard, Stanford, universidades federais, universidade estaduais. Acho que olhar para esses empreendedores com o critério que elimine esse tipo de viés, que faz com que tenha uma exclusão sobre os seus produtos e os seus serviços. Também falta um pouco da visão de fomento do investimento anjo e investimento seed nessas regiões. Há bancos de desenvolvimento que são muito fortes, por sinal, dentro desses dois Estados. Os bancos de desenvolvimento levam esse processo até a última ponta, que aí é o nano empreendedor, microempreendedor. Faltam também políticas afirmativas. Por isso, é necessário pensar em ações tanto no privado quanto no público para incentivar esses empreendedores.

Hoje foi lançada a edição ‘Mapa das Startups’. Conta um pouco sobre esse projeto.

O mapa analisou mais de 2.700 startups. Dessas, mais de 600 são lideradas por pessoas negras, tem pelo menos uma fundadora ou fundador negro, e vão estar disponíveis no nosso site com informações de busca. Por exemplo, pessoas que querem uma solução específica, têm como pesquisar por segmento, região, estágio desse negócio e se está ativo ou não. O legal é que a plataforma deixa informações ali de contato com o próprio negócio. A gente espera que investidores anjos e de venture capital busquem a ferramenta, outras aceleradoras também se disponibilizem a buscar ativamente os negócios. Porque fizemos um estudo anterior onde a indicação era a forma como a grande maioria dos stakeholders do ecossistema buscavam startups. Uma das justificativas era que não tinha como achar esses negócios. Estamos quebrando um pouco essa barreira e direcionando possibilidades para que as pessoas busquem esses negócios de uma forma mais efetiva, trazendo um direcionamento do segmento para muitas pessoas que buscam investir em negócios específicos e a busca é gratuita. Divulgamos site, LinkedIn, etc.

Equipe da BlackRocs da esquerda para a direita: Elisabeth Rocha, Head de Adm/Operações; Gabriel Araújo, Head de Investimentos; Paulo Freitas, Head de Tecnologia; Maitê Lourenço, CEO e fundadora; Matheus Lourenço, Assistente de Adm e Operações.  Foto: Flavia Taverna/Divulgação BlackRocks

O levantamento fez um recorte do modelo de trabalho dessas startups?

Nós não fizemos esse questionamento, o foco é a existência delas. Posso afirmar que o home office já existe até antes da pandemia para essa população. Por que eu falo isso? A grande maioria dos negócios liderados por pessoas negras está dentro das suas próprias casas. Então, as funções, mesmo que inovadoras, são construídas dentro do home office. E aí, a contratação de pessoas faz com que ele tenha um espaço físico, mas depende muito do crescimento do negócio. O que percebemos é que as soluções começam muito pequenininhas, muitas vezes como Microempreendedor Individual (MEI), depois elas vão caminhando para outros estágios.

O que há de novo no mercado da inovação?

Poder mostrar que as pessoas negras estão liderando negócios inovadores e tecnológicos ao meu ver não é, obviamente, uma inovação. Porque o empreendedorismo nasce muito antes da abolição da escravatura no Brasil. Mas promover que as pessoas tenham acesso a um conteúdo que facilite o entendimento de que a população negra está inovando é uma solução inovadora. Por isso, o BlackOut é uma solução disruptiva. Então, a pandemia, de uma certa forma, potencializou que existissem soluções que criassem oportunidade de desenvolvimento efetivo, de negócios que possam romper com as necessidades que temos. Desde soluções de entrega, por exemplo, que foram muito buscadas durante o início da pandemia, de fintechs, de como arrecadar dinheiro, como transformar aquela possibilidade sem ter uma conta complexa, a porta giratória fechar na sua cara para você abrir uma conta de pessoa jurídica (PJ). Como também de automatização, ou da gestão do seu negócio, do desenvolvimento de um produto, de soluções que possam melhorar o seu dia a dia para alcançar alta performance como instituição, como empresa.

Qual conselho você deixa para quem está tentando ingressar no mercado de startups?

Acessem as startups que já existem, vejam se há vagas, busquem trazer sua ideia para complementar uma companhia que você enxerga que pode ser interessante para ser parceiro(a). Porque nenhuma ideia é única, é sempre complementar. Muitas vezes você está olhando aquela startup, tem a possibilidade de se inspirar ou até mesmo ir buscar aquele negócio e se tornar um aliado, um sócio e fazer parte do time. É literalmente buscar em cima do propósito. As pessoas que estão se formando hoje estão buscando trabalhar com empresas que sintam que existe um propósito por trás. Nesse sentido, a diversidade racial é importante, a diversidade de gênero é importante. É olhar para esses negócios que estão no BlackOut como possibilidade efetiva de colocação. Com esse mapeamento, queremos ampliar o acesso das pessoas à informação de bons negócios.

Entrevista por Jayanne Rodrigues

Formada em jornalismo pela Universidade do Estado da Bahia, é repórter de Carreiras. Cobre futuro do trabalho, tendências no mundo corporativo, lideranças e outros assuntos que impactam diretamente a cultura de trabalho no Brasil. No Estadão, também atuou como plantonista da madrugada, cobriu judiciário e tem passagem pela home page do jornal.

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