De olho na economia do futuro, que tem o objetivo de combinar alta produtividade e baixo impacto socioambiental, startups apostam na agrofloresta para transformar o agronegócio. Nesse sistema, áreas degradadas e de baixa produtividade podem ser recuperadas com o cultivo de árvores e plantas de culturas diferentes. Ou seja, o produtor usa uma mesma área para plantar árvores e produtos agrícolas, garantindo benefícios ecológicos e econômicos.
A premissa do modelo é imitar o comportamento e a lógica das florestas, mantendo o solo saudável e diversificando a produção do negócio. Além disso, os produtores podem agregar valor ao produto, ter acesso a capital verde e explorar novos mercados.
O sistema, que pode ajudar no cumprimento de metas ambientais, tem atraído empresas de diferentes setores. Em 2018, por exemplo, a varejista de moda Renner fez uma chamada pública para criar um programa focado em agrofloresta têxtil. A startup Farfarm foi uma das escolhidas para implementar os projetos, cujo objetivo era fixar o algodão orgânico como única commodity das propriedades ao lado da cooperativa de agricultura familiar na região de Canarana, em Mato Grosso. Ao todo, foram plantados 15 hectares de algodão por 11 produtores da região.
De acordo com Eduardo Ferlauto, Gerente Geral de Sustentabilidade da Lojas Renner, o pilar de produto é parte fundamental da estratégia de moda responsável da empresa. Em 2021, a organização encerrou o ano com 81,3% deitens de vestuário menos impactantes ao meio ambiente, um ponto porcentual acima do compromisso traçado, que era de 80%. Quando o assunto é o algodão, no mesmo período, 99,15% das peças foram desenvolvidas com matéria-prima certificada.
Criada em 2016, a Farfarm é especializada em cadeias produtivas responsáveis. Com parceiros como Renner e Vert, a empresa fornece uma série de serviços relacionados à agrofloresta, desde montar uma cadeia produtiva do zero até trabalhar posicionamento ESG (sigla em inglês para melhores práticas ambientes, sociais e de governança). O fundador da startup, Beto Bina, explica que um dos pilares mais importantes do negócio é relacionar sustentabilidade e justiça social, além de conectar comunidades e agricultores a grandes marcas compradoras.
“Nosso desafio é trabalhar a agricultura regenerativa em sua máxima e isso não envolve apenas analisar a melhoria do solo. Trabalhamos com educação, questões sociais e igualdade de gênero. Quando trabalhamos o ambiental associado a essas questões, a agricultura regenerativa chega ao ápice do seu potencial”, diz Bina.
A startup trabalha em um modelo de negócios baseado na prestação de serviços, o que faz com que o risco e os custos fixos sejam baixos. Em vez de atuar como um atravessador nesse sistema, a ideia é capacitar e dar autonomia para as cooperativas em sua relação com as empresas.
A Pretaterra, consultoria especializada em design agroflorestal, foi uma das parceiras do projeto com a Renner. A empresa fez o diagnóstico da área, partindo da análise de dados da região, e criou um sistema integrado com linhas florestais. Ele inclui árvores frutíferas, feijão, espécies madeireiras e o próprio algodão. A principal vantagem é trabalhar a agrofloresta com replicabilidade e elasticidade, diz a gerente global da consutoria, Mariana Saka.
“Em todos os nossos projetos a gente trabalha com a ideia de matriz de diversificação. Ela confere a esse sistema o que a gente chama de elasticidade. Isso faz com que esse agricultor consiga optar ao longo do tempo se ele quer diversificar mais ou menos o sistema. O conceito de replicabilidade aqui também é importante, porque os agricultores vizinhos também podem aplicar o sistema a partir das suas próprias necessidades”, explica.
Café Amazônico
No município de Apuí, no Amazonas, o café agroflorestal produzido no maior projeto de assentamento rural do País, o Rio Juma, também tem sido destaque.Na década de 1980, diversos brasileiros foram atraídos para a região com a promessa de terras gratuitas para produção agrícola. Muitos produtores eram familiarizados com o cultivo do café e levaram as mesmas técnicas de plantio para o Norte do País.
Com dificuldade para produzir na região,agricultores abandonaram os cafezais e a pecuária extensiva começou a tomar conta. O Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (Idesam) iniciou então um acompanhamento com agricultores e, ao analisar a região junto com os produtores rurais, os técnicos perceberam que as áreas de café abandonadas começaram a receber sombra de árvores nativas e como resultado apresentavam uma produção maior e com mais qualidade.
Os produtores começaram a receber assistência técnica oferecida pelo Instituto. O produtor entrava no projeto, fazia a implementação dos Sistemas Agroflorestais (SAFs) e começava a produzir, mas para quem ele iria vender esse café? E a que preço? É nesse contexto que surgiu a startup Amazônia Agroflorestal, incubada pelo Idesam e hoje um negócio de impacto criado para garantir que 100% do café produzido seja comprado a um preço justo, a partir do projeto Café Apuí Agroflorestal.
Sarah Sampaio, diretora executiva da Amazônia Agroflorestal, explica que a empresa conta com o apoio técnico do Idesam na logística de produção, certificação orgânica, assistência técnica e na captação de parcerias. Hoje, 100% do café produzido pelos agricultores é comprado e vendido no País todo, além de ser exportado para uma empresa europeia.
“A gente sempre trabalhou com esse objetivo de ajudar os produtores e regenerar a floresta. Queremos oferecer para eles uma alternativa sustentável que gera uma renda maior do que outras produções”, conta.
O projeto de transição dos antigos cafezais para agrofloresta começou com a participação de 30 famílias, mas o objetivo é alcançar 300 famílias até 2026. Em abril, a empresa Amazônia Agroflorestal recebeu R$11 milhões em investimentos para expandir o projeto. Mirova Natural Capital e Axcell formalizaram a parceria com a Amazônia Agroflorestal, com cooperação do Idesam, que garantiu a captação como um empréstimo e a devolução do pagamento será feita com créditos de carbono por desmatamento evitado.
Agropecuária pode ser sustentável e regenerativa
A pecuária é comumente associada a emissão de gases do efeito estufa – gás carbônico (CO2) e o metano (CH4). Segundo o Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa, a atividade foi responsável por 73% das emissões totais entre 1990 e 2019.
Desde o início da empresa, em 2016, a Luxor Agro trabalha gerenciando fazendas e criando soluções para a agricultura regenerativa em larga escala. Atualmente, são três unidades de negócio, em 25 mil hectares de extensão: a Lótus, uma lavoura pecuária agroflorestal no Mato Grosso, a Flora, uma fazenda focada na produção e comercialização de café regenerativo na Serra da Mantiqueira e o Projeto Pasto Vivo, iniciativa voltada à pecuária regenerativa em integração com castanhas e árvores.
“A ideia é que em qualquer projeto a gente foque em três verticais para essa construção: restauração da paisagem, sistemas integrados e manejos regenerativos de produção. É isso que nos permite combinar soluções regenerativas com impacto positivo e resultados financeiros”, explica o presidente da Luxor Agro, Daniel Baêta.
O Projeto Pasto Vivo está em seu terceiro ano de funcionamento e está em fase final de desenvolvimento de infraestrutura com a construção de casas, estradas e viveiros, além da contratação de lideranças para o projeto. Dos 700 hectares de área útil da fazenda, até o momento o sistema agroflorestal foi implementado em 50 hectares da propriedade com a produção de castanhas de Baru, macaúba e aroeiras.
Segundo Daniel, o sistema pode ser altamente lucrativo e criar um sistema que dê mais dinheiro que o convencional é o único caminho para regenerar e fugir do modelo tradicional. “Na agrofloresta eu tenho uma maior resiliência às variações climáticas, por exemplo. Se tiver uma geada ou uma seca prolongada, eu vou perder menos dinheiro do que o produtor convencional. Além disso, existe o valor agregado que envolve toda essa história. Vale a pena.”