Navegar no empreendedorismo pode ser assustador à primeira vista, principalmente quando existem barreiras de acesso a crédito e obstáculos para manter o negócio em alta. Mas a realidade está mudando. Conforme pesquisa do Sebrae, no Brasil 10,3 milhões de mulheres estavam à frente de negócios em 2022, o que representa mais de 34% do total de empreendedores do País. É com o mote de fortalecer e incentivar o sucesso de mulheres no setor que foi realizado nesta quinta-feira, dia 23, o evento Empreendedoras no Corre.
No encontro organizado pelo Estadão, com patrocínio do Grupo Boticário e Dorflex, mulheres inspiradoras marcaram presença no Instituto Tomie Ohtake para compartilhar suas experiências pessoais a partir do momento em que decidiram empreender. Algumas movidas por necessidade, outras para reinventar a carreira e encontrar propósito.
Seja qual for a razão que as levaram por este caminho, uma coisa é certa: todas transformaram uma boa ideia em um negócio de sucesso. No palco, elas dividiram os segredos e os desafios que enfrentaram e que, hoje, podem servir de exemplo para outras mulheres que almejam seguir no empreendedorismo.
As táticas para empreender do zero
Antes mesmo de pensar o ramo do negócio, é primordial germinar uma ideia. O desafio começa quando é preciso transformar o sonho em um CNPJ.
Para a empresária e ex-MasterChef Irina Cordeiro, essa transição exigiu jogo de cintura. Ao perceber que alguns regiões de São Paulo tinham pouco a oferecer quando procurava cuscuz nos cardápios, prato tradicional do Nordeste, enxergou uma oportunidade e usou a culinária como fonte de empreendedorismo.
Há um ano e meio, ela inaugurou o próprio restaurante, com investimento inicial de R$ 600 mil. “Entendi a necessidade e enxerguei esse oceano azul. (O cuscuz) é tido como comida de pobre. Pensei: ‘Vou montar em um bairro muito bom e vou fazer a comida que minha vó me ensinou’”, relatou durante o evento.
Watatakalu Yawalapiti é outra empreendedora que também aproveitou os ensinamentos herdados da família. Ela é cofundadora da ANMIGA (Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade) e coordenadora-geral do projeto ATIX-mulher no Xingu.
Pouco a pouco, começou a questionar por que a comunidade onde morava estava consumindo tantos produtos que vinham de fora do território. Mas o estalo para empreender veio de um conselho. “Meu pai falou: ‘Por que você não leva a sua roupa para elas (mulheres não indígenas)?’.”
Yawalapiti começou produzindo brincos de penas, depois expandiu fazendo arte com miçangas, grafismo em tecidos e criando peças originais. “Comecei a ganhar dinheiro e a despertar interesse em outras mulheres.”
A empreendedora busca unir ativismo ao negócio. Segundo ela, o mais importante é fomentar a economia sustentável para manter a floresta em pé. “Não adianta ser vegano ou vegetariano se consome algo que está matando nossa casa. É assim (com sustentabilidade) que trabalhamos o empreendedorismo dentro do território Xingu”, defendeu.
No caso de Flávia Durante, DJ e criadora do Bazar Pop Plus, feira de moda plus size, houve uma história pessoal por trás da vontade de empreender. Ela nunca encontrava algo que combinasse com a sua personalidade quando saía de casa para comprar roupas.
“Decote, roupa estampada, tudo feito para um corpo magro. Achava um absurdo ser excluída da moda do jeito que eu era”, relembrou. Foi quando observou com mais atenção o entorno e viu que muitas mulheres enfrentavam o mesmo problema.
O pontapé foi sutil. No início, revendia biquínis no trabalho. Mesmo acreditando no propósito do negócio, teve de lidar com a falta de investimento. Dos 11 anos do Bazar Pop Plus, só conseguiu patrocínio em cinco edições.
Assim como a maioria esmagadora de empreendedores, Flávia teve de recalcular a rota após a pandemia. O baque econômico não foi o único obstáculo. Ela percebeu que os clientes estavam adquirindo uma nova maneira de consumir.
“As pessoas perderam o medo de comprar online, e isso afetou o Pop Plus. Mas estamos nos adaptando a novas oportunidades e nichando cada vez mais”, disse.
E depois de dar o primeiro passo de um negócio, qual é a chave para manter o empreendimento em alta?
Negócio sem gestão não anda para frente
O segredo é entender o problema do mercado. Quem afirma é Emily Ewell, CEO e cofundadora da Pantys, marca de calcinhas absorventes laváveis e reutilizáveis. “Temos de crescer mais rápido que o próprio negócio”, afirmou a empresária ao mencionar que a pessoa empreendedora também precisa se enxergar como líder.
Na perspectiva de Emily, atualmente não basta apenas gerir o próprio negócio, também é preciso capacitar as equipes para que os funcionários consigam ter mais autonomia no dia a dia.
Lela Brandão, fundadora da marca de roupas com seu nome, vai além. Para ela, a jornada do empreendedorismo exige autoconhecimento para impor limites na vida pessoal e profissional. “Empreender toma tudo se você deixar, é igual a um furacão. Toma tempo e energia. Por isso, tem de ter limites em cada projeto”, alerta.
Assim como no caso de Flávia Durante, a ideia surgiu para Lela de uma necessidade pessoal. “Antes via nas roupas uma forma de competir comigo mesma. Já na marca uso o raciocínio de roupas que cabem nas pessoas.”
Identificar a dor do cliente e se entender como líder são estratégias importantes para a gestão de um negócio, mas não são suficientes. O dinheiro ocupa um peso considerável nessa balança.
“Empreender no Brasil é padecer no paraíso”, diz Regina Tchelly, fundadora da Favela Orgânica, iniciativa que nasceu em 2011 nas comunidades Babilônia e Chapéu Mangueira, no Rio, e tem como lema o combate à fome e ao desperdício.
A empresária, que sempre sonhou ser uma cozinheira famosa para mudar a relação que a população tem com os alimentos, hoje diz que a principal dificuldade “é não ter dinheiro”. Como solução, ela sugere que as mulheres aumentem a rede de apoio entre si e cultivem a autoconfiança para não se autossabotar durante os altos e baixos de um empreendimento.
As boas notícias? O empreendedorismo continua sendo uma alternativa para grupos minoritários da sociedade, e as empresas estão mais atentas ao quesito diversidade.
O empreendedorismo interseccional
“Penso em empreender para criar oportunidades para mim e para outras pessoas”, revelou Maria Gal, fundadora da Move Maria, produtora de audiovisual que promove o acesso de pessoas negras ao protagonismo da produção.
Gal nunca imaginou virar uma empresária. Somente após decidir enveredar no ramo, notou que poderia preencher algumas lacunas. “Queria e acreditava muito no que estava fazendo e sentia falta de ver mulheres como eu”, comentou durante o evento.
Foi exatamente por causa da falta de oportunidade que as pessoas maduras também encontraram uma maneira de trabalhar fora do ambiente corporativo. “O empreendedor maduro empreende por quê? Porque o mercado é preconceituoso e porque a pessoa madura não tem outra opção”, apontou Fran Winandy, sócia da Acalântis Services, consultoria de recursos humanos e diversidade etária.
Apesar do etarismo presente na sociedade, a especialista avalia que a longa experiência no mercado pode ser um fator positivo, pois a pessoa 50+ tem mais discernimento para entender o que pode dar certo ou não na hora de montar um negócio ou passar por uma crise.
Maitê Schneider, cofundadora da Integra Diversidade e da TransEmpregos, que visa integrar e inserir pessoas trans no mercado de trabalho, concorda que o empreendedorismo é uma saída de emergência para os grupos minoritários, mas reforça que a capacitação precisa ser repensada.
“Não é só capacitação formal, também existem as habilidades comunicativas. Não é só Power Point, é um processo de construção que está melhorando. Só vamos ter bons CNPJs quando formos bons CPFs”, disse.
Fabiana Freitas, vice-presidente de Assuntos Corporativos do Grupo Boticário, diz que entende como papel social investir na capacitação de mulheres empreendedoras. “A capacitação (envolve) educação financeira, não basta ter o conhecimento técnico, tem de ter confiança.”
Mesmo com os avanços, Maria Gal ressaltou que, para além da capacitação, o networking chega como meio imprescindível para manter a receita de um negócio. “Quem assina o cheque para poder apoiar o seu investimento? Geralmente, são pessoas brancas. Se não temos esses contatos, não basta mandar um e-mail, é o diferencial”, resume.