Foi-se o tempo em que as papelarias sustentavam o faturamento só com a volta às aulas. Cada vez mais criativo e versátil na oferta de produtos e serviços, o setor é um dos que vêm surfando no crescimento do e-commerce no Brasil e celebra alta nas vendas online mesmo com as aulas presenciais restritas.
Dados da Neotrust mostram que entre o primeiro trimestre de 2020 e o mesmo período de 2021, a alta foi de 31% nas vendas em lojas online de papelaria. Em quantidade, as porcentagens representam 664 mil compras em 2020 e 867,6 mil neste ano.
Apesar de o valor total gasto ter caído de R$ 118,1 milhões no primeiro trimestre de 2020 para R$ 110,7 milhões em 2021, o resultado ainda é visto como positivo. “Houve uma redução no ticket médio, o que levou a uma queda de 6% no faturamento. Mas a gente vê que, mesmo com a volta do comércio em várias cidades, o hábito de fazer compras online está se mantendo e crescendo em muitas categorias”, diz Andrea Fernandes, CEO do Movimento Compre&Confie, responsável pelo estudo
Foi o que observou a empreendedora Lívia Vasconcellos, de 22 anos, que começou há quatro anos a partir de um hobby e, hoje com forte atuação nas redes sociais, fatura cerca de R$ 400 mil por mês.
“Estava acostumada a vender cerca de R$ 100 mil por mês. Agora, tiro esse mesmo valor por semana. 90% vem do online”, celebra Lívia, que em 2020 viu seu faturamento crescer 200%. A empresa, que era composta por quatro pessoas, contratou mais 10 funcionários durante a pandemia. “Hoje, consigo faturar o ano inteiro, não só na volta às aulas.”
Lívia começou produzindo conteúdo sobre estudos no Instagram (páginas conhecidas como studygram, leia mais abaixo) e, aos 18 anos, abriu uma pequena loja online com artigos importados. Vendeu todo o estoque em dez dias.
“Minha ideia era juntar dinheiro para viajar, mas notei que havia espaço e mercado. Então, eu e meu pai, que na época estava desempregado, decidimos abrir uma empresa”, lembra ela, que trocou o curso de Direito pelo empreendedorismo.
Com mais de 1.500 produtos no catálogo online, a Lojinha da Lívia ganhou neste ano um espaço físico de 1.000 metros quadrados em Vila Velha, no Espírito Santo, onde mora. A Lojinha também está presente em marketplaces; entre os produtos mais vendidos estão os blocos e fichas da sua marca própria, a Nalí.
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Além do faturamento da loja, Lívia ainda mantém uma empresa de cursos de gestão para quem quer abrir uma loja online. A ideia surgiu depois que ela começou a divulgar nas redes sociais os bastidores do empreendimento.
“As pessoas tinham curiosidade em saber os detalhes e vinham tirar dúvidas comigo. Quanto mais eu mostrava, mais vendia”, conta ela, que tem 134 mil inscritos no YouTube e instruiu 2 mil alunos só ano passado. Destes, cerca de 100 abriram uma papelaria própria. “Quando decidi ter uma loja virtual, ninguém me ensinou nada.”
Atendimento personalizado e redes sociais
“O online não tem fronteira. Uma loja pode vender em diversos marketplaces, como Amazon, Mercado Livre, Americanas etc. É uma interessante possibilidade para os pequenos negócios”, sugere Eder Max, consultor de negócios do Sebrae e especialista em marketing digital. Segundo ele, as redes sociais, principalmente o TikTok, atuam como ferramentas fundamentais para gerar tráfego e manter o relacionamento com o cliente.
Essa foi a estratégia de Julia Teixeira, de 23 anos, ao escolher a Shopee (plataforma de comércio eletrônico) para abrir sua loja em fevereiro deste ano, com seis produtos. Por diversão, ela criou um perfil no TikTok para mostrar os bastidores do negócio e falar sobre os produtos. Em pouco mais de quatro meses, a Juvix Store já conta com 100 itens no catálogo e mais de 300 mil seguidores na rede social.
“Recebo cerca de 60 pedidos por dia. 90% dos meus clientes vêm do TikTok”, afirma a jovem, que trabalha sozinha e credita o sucesso à relação mais intimista que criou junto ao seu público. “Eles adoram quando mostro em vídeo o que compraram. Sentem-se especiais.”
Essa proximidade entre quem está por trás do negócio e o cliente é o que tem gerado venda para muitos empreendedores. “A gente vê que as pessoas se identificam conosco. Tem muita papelaria online que vende os mesmos produtos, por isso é preciso buscar um diferencial”, afirma Maria Eduarda Novaes, de 18 anos, que lançou a Preta de Papel no final do ano passado.
Estudante de Ciências Sociais na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), ela tem como proposta fortalecer a representatividade negra e incentivar os estudos. A loja surgiu como uma fonte de renda extra, mas hoje o foco está em transformá-la em uma empresa maior, inclusive com produtos próprios.
“Falo muito sobre estudos e oportunidades, seja na embalagem, nos posts das redes sociais ou no conteúdo da loja. Tento levar acolhimento principalmente às pessoas pretas, para que elas se sintam bem e motivadas a estudar”, explica Maria Eduarda. “Vendemos papelaria, ideia e representatividade.”
Habilidades manuais em tempos digitais
Mais do que uma necessidade, a papelaria se tornou objeto de desejo. É possível encontrar uma infinidade de itens para os mais diversos nichos no mercado online. Criatividade e inovação não faltam entre os empreendedores, muitos deles jovens e que começaram o negócio a partir de páginas de estudo no Instagram (conhecidas como studygrams).
Na contramão do digital, a febre da papelaria perpetua-se na tendência do artesanal e da personalização, que cresceu na pandemia especialmente diante do desgaste frente à hiperconectividade. Há uma maior valorização dos processos lentos e delicados, o que abre espaço para o trabalho feito a mão, em alta no Twitter por meio das hashtags #feitocomamor e #criarcomasmãos.
As restrições impostas pela crise sanitária do novo coronavírus também motivaram as pessoas a buscarem novas atividades e hobbies para fazer em casa, preferencialmente longe das telas. “Há ainda aqueles que ficaram desempregados e passaram a ganhar dinheiro com as habilidades artesanais. Tudo isso trouxe um aumento do consumo de itens de papelaria”, ressalta Eder Max, do Sebrae.
O home office foi outro fator que contribuiu para aquecer as vendas, visto que muitos trabalhadores agora compram itens que antes eram fornecidos pelas empresas. “O trabalho remoto levou a um interesse maior por metodologias ágeis, como Scrum, Kanban e Canvas, principalmente por quem atua em equipes. O consumo de post-it, por exemplo, aumentou bastante”, destaca Eder.
A pesquisa da Neotrust reflete as tendências. As categorias mais vendidas no primeiro trimestre de 2021, e que representam 78% do faturamento do setor, foram: Escolar e Escritório (50,1%), Artesanato (14,4%) e Papéis, Pastas e Arquivos (13,9%). Análise mais aprofundada das subcategorias mostra, inclusive, aumento do consumo de canetas e cadernos entre 2019 e 2021.