Sempre atento a todas as novidades que surgem nos ecossistemas internacionais de startups e em iniciativas inovadoras no Brasil, Marcelo Nakagawa é um nome de peso quando se fala em teoria e prática de empresas de tecnologia. Professor de inovação e empreendedorismo do Insper, o estudioso conversou com o Estadão PME para analisar o cenário das startups em meio à pandemia causada pelo novo coronavírus.
Para ele, demissões são esperadas nesse momento, já que o maior custo em startups são justamente as pessoas. Nakagawa ainda observa com cautela iniciativas de impacto social vindas pelas empresas e acredita que não há mais espaço para pequenos negócios 100% analógicos. “Os que ainda desconhecem, resistem ou teimam em não usar a tecnologia estão machucando seriamente seu fluxo de caixa”, diz. Confira a seguir a entrevista.
Diante da crise causada pelo coronavírus, como o sr. vê o ecossistema de startups e quais são suas maiores fragilidades?
As startups, em especial as scale-ups (com alto ritmo de crescimento) tentam seguir o que é conhecido como curva J no mercado de capital de risco. Ou seja, queimam muito caixa no início para alcançar um crescimento exponencial para depois gerar receitas e, em algum momento, lucro. Mas a curva J depende de seguidas e, cada vez maiores, injeções de capital. Por isso, um número considerável de startups e scale-ups trabalham com caixa disponível entre 3 e no máximo 12 meses. Com isso, correm para pular de captação em captação em rodadas de investimentos.
Com a crise, o cenário de crescimento se tornou inviável no curto prazo para algumas startups, como as que atuam com turismo ou serviços presenciais - academias de ginástica e aluguel de imóveis. A crise também afetou seriamente a carteira de vários fundos de investimentos que, perdidos, reduziram ou pararam a prospecção. Assim, várias startups tiveram que reduzir todas as saídas de caixa para tentar sobreviver alguns meses a mais com o caixa que ainda dispõem. Como os principais custos das startups, quase sempre, são pessoas, boa parte delas teve que reduzir drasticamente a mão de obra. A onda de demissão também afetará em uma escala maior as grandes corporações, mas nas startups o curto circuito é muito rápido. Apesar de um quadro muito triste, boa parte do ecossistema entende este movimento de redução de pessoas e também entende o marasmo da postura de vários investidores.
Por outro lado, há startups que estão crescendo e contratando como as dos segmentos de logística, saúde, serviços digitais e comércio eletrônico. As maiores fragilidades deste momento são a duração, a profundidade e a complexidade da crise. Apesar das inúmeras previsões, todos nós ainda estamos no escuro.
Entre quem está crescendo, há startups de telemedicina, terapia online e streaming. Como você analisa o cenário para essas empresas depois do isolamento social?
Diversas mudanças que estão ocorrendo agora de forma abrupta , com o uso de novas soluções tecnológicas, tendem a continuar. Telemedicina é um exemplo. Com a liberação, muitos prestadores desse tipo de serviço e pacientes farão grande pressão para que a telemedicina continue permitida pós-covid 19, pois há inúmeras vantagens, incluindo o uso de inteligência artificial, big data e machine learning.
Não apenas em função das situações restritivas atuais, mas os serviços de terapia online vinham crescendo e agora sua demanda cresce exponencialmente. É uma necessidade urgente para muitos e também a quebra de um preconceito importante. Por outro lado, há uma explosão no uso de soluções de teletrabalho, home office e gestão distribuída. Isso, com certeza, mudará o patamar de adoção pelas empresas.
Porém, há também muitas pessoas que não veem a hora de voltar para o escritório, sair para almoçar com os amigos e trabalhar em coworking para tomar café com algum novo conhecido do dia. Isso também tende a acontecer com soluções de educação à distância, webinars e comércio online. O patamar mudará com certeza, mas muitos terão preferência pela educação presencial, eventos ao vivo e passear nos shoppings. O "novo normal" será uma integração natural do virtual e do presencial nos padrões de consumo.
Qual é a lição no mundo dos negócios em tecnologia que poderemos tirar dessa pandemia?
Uma das lições é o papel e o valor de quem investiu em se tornar uma plataforma para novos negócios antes de a crise começar. As empresas em plataforma que Ming Zeng (o antigo estrategista-chefe do Alibaba) chama de smart businesses conseguem rapidamente mudar o modelo de negócio e integrar novas soluções muito rapidamente. Por essa agilidade, não apenas da corporação, mas do seu modelo de negócio, conseguem se adaptar e aproveitar as novíssimas oportunidades muito, mas muito antes do que seus concorrentes.
Não há crise para os principais smart businesses ao redor do mundo, como Amazon, Alibaba e Tencent. Novos smart businesses como a Okta, por exemplo, praticamente dobrou de valor saindo de US$ 9 bilhões no início de janeiro para quase US$ 18 bilhões agora. No Brasil, quem seguiu esta linha e tende a sair muito mais forte foi o Magazine Luiza. Por mais que suas lojas físicas estejam sofrendo com a crise, seu modelo de negócio de comércio eletrônico (Magalu) e plataforma marketplace estão crescendo aceleradamente. Essa é a lição positiva. A negativa é que muitas corporações tradicionais até tinham algum interesse em se tornar plataformas de negócios algum dia. O problema é que este dia foi ontem.
Grandes e pequenas empresas passaram a realizar algum trabalho de impacto social nesse período. Acredita que finalmente empreendedores vão passar a atrelar impacto social em seus negócios?
Apesar de muitas organizações estarem contribuindo para reduzir os impactos negativos na sociedade por meio de inovações de impacto social, quando voltarmos à normalidade as empresas terão tantos desafios para lidar (clima organizacional, racionalização de mão de obra, recuperação de vendas, negociação de dívidas ou processos movidos por terceiros) que a questão de terem mais consciência do seu papel na sociedade ficará em segundo plano.
As empresas, com raras exceções, não voltarão mais conscientes do seu papel de construção de uma sociedade melhor, infelizmente. Mas isto também vale para as pessoas. São poucas as que estão aproveitando este grande momento de reflexão para também saírem melhores desta crise, porque a preocupação agora é mais imediata, associada a empregos ou acesso a bens de primeira necessidade.
Em fevereiro, pedi sua opinião sobre quais seriam as tendências no empreendedorismo para 2020 e você citou o uso de mais tecnologia nos pequenos negócios. Nesse momento, alguns tiveram que migrar para o online no susto. Acredita que, finalmente, as PMEs vão se digitalizar no País?
Os empresários de negócios de menor porte estão sendo obrigados a conhecer e aprender a utilizar ferramentas digitais. A imensa maioria não conhecia ou não dava valor a ações simples como site, presença nas principais redes sociais utilizadas pelos seus clientes e atendimento via Whatsapp. Os que ainda desconhecem, resistem ou teimam em não usar a tecnologia estão machucando seriamente seu fluxo de caixa.
E muitos do que se viram obrigados a atender via alguma plataforma digital ainda não sabem como aproveitá-la. Atendem por WhatsApp, mas não utilizam as redes sociais para manterem-se periodicamente nos corações e nas mentes dos seus clientes. Ou descuidam-se de não responder a um comentário positivo ou negativo que seus clientes fazem no seu perfil no Google Maps.
Minha percepção é que muitos empresários de negócios de pequeno porte têm medo ou se sentem incapazes de aprender a lidar com estas novas ferramentas. É uma barreira mental. É uma pena, pois aquele cliente que ele conhecia não existe mais. Com a crise atual, haverá também uma mudança de patamar de negócios que aprenderão a ser mais digitais, a interagir via redes sociais, a terem soluções de comércio eletrônico e soluções de marketing digital, mesmo que seja para a doceria da esquina.
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