Veterano da indústria do chocolate quer conquistar gôndolas do varejo


Marca Danke, de Ernesto Ary Neugebauer, mira supermercados e empórios de todo o País com produto premium feito a partir de cacau do Pará; ex-Harald, empresário quer desbancar domínio de suíços

Por Ana Paula Boni

Os chocolates belga e suíço são um grande calo na vida de Ernesto Ary Neugebauer. Os dois países europeus não são produtores de cacau, mas a fama construída com boas técnicas e equipamentos de ponta correu o mundo na carona de marcas como Callebaut e Lindt – e esses nomes viraram sinônimo de chocolate.

Daí que para mostrar que o Brasil pode fazer um chocolate à altura em escala, com equipamentos europeus e cacau fino de origem nacional, que custa em torno do dobro do valor do commodity, Neugebauer resolveu não se aposentar. Aos 62 anos e após uma vida dedicada à indústria do chocolate, ele começa uma empresa do zero e lança a marca Danke.

Sem lojas próprias, as barras devem começar a ganhar gôndolas de supermercados e empórios do País em meados de agosto, a começar pelo Empório Santa Maria, em São Paulo. Sua ideia é chegar não só ao consumidor iniciado em chocolates premium , que só compra de pequenas boutiques, mas também atingir o público médio brasileiro que nas gôndolas consome normalmente… Lindt.

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“Por que temos de falar tanto em chocolate belga ou suíço? Por que não fazemos no Brasil? Na época da Harald, eu não aguentava mais ouvir falar disso. Deixamos as portas da qualidade escancaradas (para os produtos importados)”, conta ele, que encerrou no último mês de junho sua participação formal na gestão da Harald. 

Fundada por seu pai em 1982, a Harald tornou-se a quarta maior empresa brasileira de chocolate (atrás de Lacta, Nestlé e Garoto), hoje com uma produção de 72 mil toneladas por ano e faturamento anual na faixa de R$ 750 milhões.

Após a morte do pai e do irmão, Neugebauer tocou a empresa até vender seu controle em 2015, para a japonesa Fuji Oil, num negócio estimado à época em R$ 640 milhões (por 83% do capital da empresa). Seguiu como presidente até 2018, depois como consultor até junho deste ano, quando enfrentou um mês de internação por covid-19 em São Paulo.

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Ernesto Ary Neugebauer se volta ao plantio de cacau para lançar a marca de chocolates Danke. Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Apesar da vida de industrial do produto commodity, Neugebauer iniciou uma maior aproximação com o cacau fino e a produção nas fazendas anos atrás. Em 2010, após contato com produtores da Bahia e do Pará, lançou a linha Unique, da Harald, que vinha com produtor e região identificados no rótulo. Um deles era o baiano João Tavares, da Fazenda Leolinda, único produtor brasileiro que já ganhou duas vezes prêmio no Salon du Chocolat de Paris. 

“Quando você domina os processos da fábrica de chocolate, você acha que é isso. Mas o segredo está nas mãos do agricultor. O cacau passa por três fermentações, o café e o vinho passam por uma.” A partir do conhecimento das regiões, Neugebauer colocou de pé a Danke. Ao longo dos últimos dois anos, comprou fazenda de cacau nos dois Estados, mas é no Pará que concentra o abastecimento da marca, com a ajuda de muitos pequenos produtores.

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Na região de Medicilândia, à beira da rodovia Transamazônica, ele montou a estrutura na qual diz ter investido cerca de R$ 40 milhões no último ano para lançar a marca. “Essa fábrica está há 15 anos na minha cabeça. Usamos biomassa na fazenda, gastamos menos energia e água, o nível de eficiência é brutal.” Outros cerca de R$ 25 milhões (tudo de capital próprio) foram investidos na fábrica em São Paulo, em Cajamar, visitada pelo Estadão PME.

Plano de negócios da Danke

De acordo com o plano de negócios de Neugebauer, a marca nasceu para faturar R$ 220 milhões por ano, com 1.500 toneladas de massa de cacau, o que deve ser alcançado em 36 meses. No primeiro ano, o faturamento deve ficar em R$ 20 milhões, projeção que pode ser mais tímida por conta da pandemia do coronavírus.

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Para alcançar mercado, o empreendedor investiu num time de cerca de 90 representantes comerciais, que já estão na rua levando as barras da Danke para prova em todo o País. Além das prateleiras de supermercados e empórios, a marca terá e-commerce próprio e programa para seu lançamento nas próximas semanas uma campanha digital em redes sociais e outras plataformas online.

Embalagens da Dankecom chocolate de teor 63% cacau, branco, ao leite (35%), 70%, ao leite com amêndoas, e 63% com laranja. Foto: Arte digital

O foco são as barras, em teores 70% cacau, 63%, ao leite (35%) e branco – e ainda há bombons recheados. Na receita do chocolate 70%, vão apenas cacau, açúcar e lecitina de soja (emulsificante usado na fabricação de chocolate) – sem adicionais da indústria e com um sabor suave que não tem nada do que se costuma chamar de ‘chocolate amargo’ (e deveria ser chamado de chocolate intenso).

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O sabor, frisa Neugebauer, é fruto também da escolha pelo terroir do Pará. “Mudei para o Pará porque lá está numa expansão violenta de produção. E o terroir, de um solo bem diferente do da Bahia, dá um chocolate mais suave para fazer chocolate 70%”, diz. “Nos últimos meses, falo muito mais de cacau do que chocolate.”

Para a Danke dar certo, o empresário desenvolve no Pará o trabalho de fermentação e torra, levando equipamentos e conhecimento aos produtores. Hoje, só consegue 15% do cacau superior que quer para a Danke, o que justifica também a projeção mais tímida de faturamento para o primeiro ano.

A embalagem estampa princípios que Neugebauer quer propagar com a marca: comércio justo com os produtores (de agricultura familiar, sem intermediários, e que ganham de 15% a 30% a mais que a média praticada no Pará) e lavouras livres de trabalho infantil (os produtores precisam mostrar comprovante de matrícula escolar dos filhos para poder vender o cacau à Danke).

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Dentro da embalagem de papel, o filme plástico que envolve a barra é compostável. “É mais do que biodegradável, você pode plantá-lo.”

Uma vida construída no chocolate

A história de vida de Ernesto Ary Neugebauer é entrelaçada com o chocolate. Seu bisavô alemão Franz Neugebauer chegou a Porto Alegre em 1888 e lá instalou a que é considerada a primeira fábrica de chocolates do Brasil, a Neugebauer, que existe até hoje.

“Quando eu tinha 16, 17 anos, meu pai me colocou para trabalhar no laboratório da Neugebauer. Era uma empresa que tinha muito conhecimento de processamento de cacau. Antigamente, todas as indústrias processavam o próprio cacau e com isso controlava a qualidade, o que foi se perdendo na década de 1980.”

Planta de fábrica da Danke em Cajamar, região noroeste da Grande São Paulo; após a moldagem, as barrinhas percorrem a esteira para serem embaladas. Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Ainda na Neugebauer, ele entrou numa fazenda de cacau na Bahia pela primeira vez aos 18 anos, no fim da década de 1970. Pouco depois, em 1982, seu pai, Ernesto Harald, fundou a Harald em Porto Alegre, que depois foi transferida para São Paulo.

“São anos e anos pensando o que estou fazendo hoje. Quero mostrar para o mercado que podemos fazer o melhor chocolate do mundo. Não é balela, eu vivo isso desde jovem.”

Hoje, além da Danke, o empresário detém o controle da Cacau Noir, marca carioca que até o começo pandemia tinha cerca de 20 lojas em São Paulo e no Rio de Janeiro. Neugebauer comprou anos atrás participação majoritária da marca voltadas a bombons, mas diz não participar da produção. Está mais preocupado com o cacau.

O trabalho de formiguinha para desenvolver os produtores do Pará está em andamento. Se a Bahia tem uma história de mais de 150 anos no cacau, o fruto começou a ser cultivado no Pará em meados da década de 1970.

Mas enquanto a Bahia perdeu força de produção desde a década de 1980 por causa da vassoura-de-bruxa (que ainda existe nos plantios), o Pará (que não tem registro da doença) cresce em progressão geométrica. O Brasil é o sexto maior produtor de cacau do mundo, e Bahia e Pará disputam a liderança da produção nacional nariz a nariz nos últimos anos.

De suas plantações, não muito mais do que 1% do fruto tem qualidade de cacau fino de aroma. Esse cacau superior é resultado de uma fermentação bem feita em três etapas, que leva em torno de 6 a 7 dias, depois seco em velocidade de maturação, para só então ser torrado e moído, entre outros tantos quesitos de medição de qualidade.

Ernesto Ary Neugebauer com maquinário na fábrica da Danke, etapa paulista de um processo que começa no Pará. Foto: Tiago Queiroz/Estadão

A Danke faz todas as etapas acima no Pará, com a torra controlada na nova fábrica, e traz o cacau em pasta para São Paulo. Aqui, numa parceria comercial com equipamentos da Harald, a pasta é triturada (até atingir a textura ou a granulometria que se quer no chocolate) e é misturada a outros ingredientes (como açúcar e leite), com receitas próprias da Danke.

Daí, as quatro formulações já previamente preparadas (70%, 63%, 35% ao leite e branco) chegam ao espaço da Danke para serem manipuladas em equipamentos novos, de fabricantes como a suíça Knobel.

Para finalizar aquele cacau bem tratado do começo, que depois foi misturado a poucos ingredientes, a temperadeira finaliza o processo, ao reorganizar os cristais do chocolate e lhe conferir textura aveludada e de fácil derretimento. Dessa máquina na Danke, o líquido sai para moldagem e embalagem.

Os chocolates belga e suíço são um grande calo na vida de Ernesto Ary Neugebauer. Os dois países europeus não são produtores de cacau, mas a fama construída com boas técnicas e equipamentos de ponta correu o mundo na carona de marcas como Callebaut e Lindt – e esses nomes viraram sinônimo de chocolate.

Daí que para mostrar que o Brasil pode fazer um chocolate à altura em escala, com equipamentos europeus e cacau fino de origem nacional, que custa em torno do dobro do valor do commodity, Neugebauer resolveu não se aposentar. Aos 62 anos e após uma vida dedicada à indústria do chocolate, ele começa uma empresa do zero e lança a marca Danke.

Sem lojas próprias, as barras devem começar a ganhar gôndolas de supermercados e empórios do País em meados de agosto, a começar pelo Empório Santa Maria, em São Paulo. Sua ideia é chegar não só ao consumidor iniciado em chocolates premium , que só compra de pequenas boutiques, mas também atingir o público médio brasileiro que nas gôndolas consome normalmente… Lindt.

“Por que temos de falar tanto em chocolate belga ou suíço? Por que não fazemos no Brasil? Na época da Harald, eu não aguentava mais ouvir falar disso. Deixamos as portas da qualidade escancaradas (para os produtos importados)”, conta ele, que encerrou no último mês de junho sua participação formal na gestão da Harald. 

Fundada por seu pai em 1982, a Harald tornou-se a quarta maior empresa brasileira de chocolate (atrás de Lacta, Nestlé e Garoto), hoje com uma produção de 72 mil toneladas por ano e faturamento anual na faixa de R$ 750 milhões.

Após a morte do pai e do irmão, Neugebauer tocou a empresa até vender seu controle em 2015, para a japonesa Fuji Oil, num negócio estimado à época em R$ 640 milhões (por 83% do capital da empresa). Seguiu como presidente até 2018, depois como consultor até junho deste ano, quando enfrentou um mês de internação por covid-19 em São Paulo.

Ernesto Ary Neugebauer se volta ao plantio de cacau para lançar a marca de chocolates Danke. Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Apesar da vida de industrial do produto commodity, Neugebauer iniciou uma maior aproximação com o cacau fino e a produção nas fazendas anos atrás. Em 2010, após contato com produtores da Bahia e do Pará, lançou a linha Unique, da Harald, que vinha com produtor e região identificados no rótulo. Um deles era o baiano João Tavares, da Fazenda Leolinda, único produtor brasileiro que já ganhou duas vezes prêmio no Salon du Chocolat de Paris. 

“Quando você domina os processos da fábrica de chocolate, você acha que é isso. Mas o segredo está nas mãos do agricultor. O cacau passa por três fermentações, o café e o vinho passam por uma.” A partir do conhecimento das regiões, Neugebauer colocou de pé a Danke. Ao longo dos últimos dois anos, comprou fazenda de cacau nos dois Estados, mas é no Pará que concentra o abastecimento da marca, com a ajuda de muitos pequenos produtores.

Na região de Medicilândia, à beira da rodovia Transamazônica, ele montou a estrutura na qual diz ter investido cerca de R$ 40 milhões no último ano para lançar a marca. “Essa fábrica está há 15 anos na minha cabeça. Usamos biomassa na fazenda, gastamos menos energia e água, o nível de eficiência é brutal.” Outros cerca de R$ 25 milhões (tudo de capital próprio) foram investidos na fábrica em São Paulo, em Cajamar, visitada pelo Estadão PME.

Plano de negócios da Danke

De acordo com o plano de negócios de Neugebauer, a marca nasceu para faturar R$ 220 milhões por ano, com 1.500 toneladas de massa de cacau, o que deve ser alcançado em 36 meses. No primeiro ano, o faturamento deve ficar em R$ 20 milhões, projeção que pode ser mais tímida por conta da pandemia do coronavírus.

Para alcançar mercado, o empreendedor investiu num time de cerca de 90 representantes comerciais, que já estão na rua levando as barras da Danke para prova em todo o País. Além das prateleiras de supermercados e empórios, a marca terá e-commerce próprio e programa para seu lançamento nas próximas semanas uma campanha digital em redes sociais e outras plataformas online.

Embalagens da Dankecom chocolate de teor 63% cacau, branco, ao leite (35%), 70%, ao leite com amêndoas, e 63% com laranja. Foto: Arte digital

O foco são as barras, em teores 70% cacau, 63%, ao leite (35%) e branco – e ainda há bombons recheados. Na receita do chocolate 70%, vão apenas cacau, açúcar e lecitina de soja (emulsificante usado na fabricação de chocolate) – sem adicionais da indústria e com um sabor suave que não tem nada do que se costuma chamar de ‘chocolate amargo’ (e deveria ser chamado de chocolate intenso).

O sabor, frisa Neugebauer, é fruto também da escolha pelo terroir do Pará. “Mudei para o Pará porque lá está numa expansão violenta de produção. E o terroir, de um solo bem diferente do da Bahia, dá um chocolate mais suave para fazer chocolate 70%”, diz. “Nos últimos meses, falo muito mais de cacau do que chocolate.”

Para a Danke dar certo, o empresário desenvolve no Pará o trabalho de fermentação e torra, levando equipamentos e conhecimento aos produtores. Hoje, só consegue 15% do cacau superior que quer para a Danke, o que justifica também a projeção mais tímida de faturamento para o primeiro ano.

A embalagem estampa princípios que Neugebauer quer propagar com a marca: comércio justo com os produtores (de agricultura familiar, sem intermediários, e que ganham de 15% a 30% a mais que a média praticada no Pará) e lavouras livres de trabalho infantil (os produtores precisam mostrar comprovante de matrícula escolar dos filhos para poder vender o cacau à Danke).

Dentro da embalagem de papel, o filme plástico que envolve a barra é compostável. “É mais do que biodegradável, você pode plantá-lo.”

Uma vida construída no chocolate

A história de vida de Ernesto Ary Neugebauer é entrelaçada com o chocolate. Seu bisavô alemão Franz Neugebauer chegou a Porto Alegre em 1888 e lá instalou a que é considerada a primeira fábrica de chocolates do Brasil, a Neugebauer, que existe até hoje.

“Quando eu tinha 16, 17 anos, meu pai me colocou para trabalhar no laboratório da Neugebauer. Era uma empresa que tinha muito conhecimento de processamento de cacau. Antigamente, todas as indústrias processavam o próprio cacau e com isso controlava a qualidade, o que foi se perdendo na década de 1980.”

Planta de fábrica da Danke em Cajamar, região noroeste da Grande São Paulo; após a moldagem, as barrinhas percorrem a esteira para serem embaladas. Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Ainda na Neugebauer, ele entrou numa fazenda de cacau na Bahia pela primeira vez aos 18 anos, no fim da década de 1970. Pouco depois, em 1982, seu pai, Ernesto Harald, fundou a Harald em Porto Alegre, que depois foi transferida para São Paulo.

“São anos e anos pensando o que estou fazendo hoje. Quero mostrar para o mercado que podemos fazer o melhor chocolate do mundo. Não é balela, eu vivo isso desde jovem.”

Hoje, além da Danke, o empresário detém o controle da Cacau Noir, marca carioca que até o começo pandemia tinha cerca de 20 lojas em São Paulo e no Rio de Janeiro. Neugebauer comprou anos atrás participação majoritária da marca voltadas a bombons, mas diz não participar da produção. Está mais preocupado com o cacau.

O trabalho de formiguinha para desenvolver os produtores do Pará está em andamento. Se a Bahia tem uma história de mais de 150 anos no cacau, o fruto começou a ser cultivado no Pará em meados da década de 1970.

Mas enquanto a Bahia perdeu força de produção desde a década de 1980 por causa da vassoura-de-bruxa (que ainda existe nos plantios), o Pará (que não tem registro da doença) cresce em progressão geométrica. O Brasil é o sexto maior produtor de cacau do mundo, e Bahia e Pará disputam a liderança da produção nacional nariz a nariz nos últimos anos.

De suas plantações, não muito mais do que 1% do fruto tem qualidade de cacau fino de aroma. Esse cacau superior é resultado de uma fermentação bem feita em três etapas, que leva em torno de 6 a 7 dias, depois seco em velocidade de maturação, para só então ser torrado e moído, entre outros tantos quesitos de medição de qualidade.

Ernesto Ary Neugebauer com maquinário na fábrica da Danke, etapa paulista de um processo que começa no Pará. Foto: Tiago Queiroz/Estadão

A Danke faz todas as etapas acima no Pará, com a torra controlada na nova fábrica, e traz o cacau em pasta para São Paulo. Aqui, numa parceria comercial com equipamentos da Harald, a pasta é triturada (até atingir a textura ou a granulometria que se quer no chocolate) e é misturada a outros ingredientes (como açúcar e leite), com receitas próprias da Danke.

Daí, as quatro formulações já previamente preparadas (70%, 63%, 35% ao leite e branco) chegam ao espaço da Danke para serem manipuladas em equipamentos novos, de fabricantes como a suíça Knobel.

Para finalizar aquele cacau bem tratado do começo, que depois foi misturado a poucos ingredientes, a temperadeira finaliza o processo, ao reorganizar os cristais do chocolate e lhe conferir textura aveludada e de fácil derretimento. Dessa máquina na Danke, o líquido sai para moldagem e embalagem.

Os chocolates belga e suíço são um grande calo na vida de Ernesto Ary Neugebauer. Os dois países europeus não são produtores de cacau, mas a fama construída com boas técnicas e equipamentos de ponta correu o mundo na carona de marcas como Callebaut e Lindt – e esses nomes viraram sinônimo de chocolate.

Daí que para mostrar que o Brasil pode fazer um chocolate à altura em escala, com equipamentos europeus e cacau fino de origem nacional, que custa em torno do dobro do valor do commodity, Neugebauer resolveu não se aposentar. Aos 62 anos e após uma vida dedicada à indústria do chocolate, ele começa uma empresa do zero e lança a marca Danke.

Sem lojas próprias, as barras devem começar a ganhar gôndolas de supermercados e empórios do País em meados de agosto, a começar pelo Empório Santa Maria, em São Paulo. Sua ideia é chegar não só ao consumidor iniciado em chocolates premium , que só compra de pequenas boutiques, mas também atingir o público médio brasileiro que nas gôndolas consome normalmente… Lindt.

“Por que temos de falar tanto em chocolate belga ou suíço? Por que não fazemos no Brasil? Na época da Harald, eu não aguentava mais ouvir falar disso. Deixamos as portas da qualidade escancaradas (para os produtos importados)”, conta ele, que encerrou no último mês de junho sua participação formal na gestão da Harald. 

Fundada por seu pai em 1982, a Harald tornou-se a quarta maior empresa brasileira de chocolate (atrás de Lacta, Nestlé e Garoto), hoje com uma produção de 72 mil toneladas por ano e faturamento anual na faixa de R$ 750 milhões.

Após a morte do pai e do irmão, Neugebauer tocou a empresa até vender seu controle em 2015, para a japonesa Fuji Oil, num negócio estimado à época em R$ 640 milhões (por 83% do capital da empresa). Seguiu como presidente até 2018, depois como consultor até junho deste ano, quando enfrentou um mês de internação por covid-19 em São Paulo.

Ernesto Ary Neugebauer se volta ao plantio de cacau para lançar a marca de chocolates Danke. Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Apesar da vida de industrial do produto commodity, Neugebauer iniciou uma maior aproximação com o cacau fino e a produção nas fazendas anos atrás. Em 2010, após contato com produtores da Bahia e do Pará, lançou a linha Unique, da Harald, que vinha com produtor e região identificados no rótulo. Um deles era o baiano João Tavares, da Fazenda Leolinda, único produtor brasileiro que já ganhou duas vezes prêmio no Salon du Chocolat de Paris. 

“Quando você domina os processos da fábrica de chocolate, você acha que é isso. Mas o segredo está nas mãos do agricultor. O cacau passa por três fermentações, o café e o vinho passam por uma.” A partir do conhecimento das regiões, Neugebauer colocou de pé a Danke. Ao longo dos últimos dois anos, comprou fazenda de cacau nos dois Estados, mas é no Pará que concentra o abastecimento da marca, com a ajuda de muitos pequenos produtores.

Na região de Medicilândia, à beira da rodovia Transamazônica, ele montou a estrutura na qual diz ter investido cerca de R$ 40 milhões no último ano para lançar a marca. “Essa fábrica está há 15 anos na minha cabeça. Usamos biomassa na fazenda, gastamos menos energia e água, o nível de eficiência é brutal.” Outros cerca de R$ 25 milhões (tudo de capital próprio) foram investidos na fábrica em São Paulo, em Cajamar, visitada pelo Estadão PME.

Plano de negócios da Danke

De acordo com o plano de negócios de Neugebauer, a marca nasceu para faturar R$ 220 milhões por ano, com 1.500 toneladas de massa de cacau, o que deve ser alcançado em 36 meses. No primeiro ano, o faturamento deve ficar em R$ 20 milhões, projeção que pode ser mais tímida por conta da pandemia do coronavírus.

Para alcançar mercado, o empreendedor investiu num time de cerca de 90 representantes comerciais, que já estão na rua levando as barras da Danke para prova em todo o País. Além das prateleiras de supermercados e empórios, a marca terá e-commerce próprio e programa para seu lançamento nas próximas semanas uma campanha digital em redes sociais e outras plataformas online.

Embalagens da Dankecom chocolate de teor 63% cacau, branco, ao leite (35%), 70%, ao leite com amêndoas, e 63% com laranja. Foto: Arte digital

O foco são as barras, em teores 70% cacau, 63%, ao leite (35%) e branco – e ainda há bombons recheados. Na receita do chocolate 70%, vão apenas cacau, açúcar e lecitina de soja (emulsificante usado na fabricação de chocolate) – sem adicionais da indústria e com um sabor suave que não tem nada do que se costuma chamar de ‘chocolate amargo’ (e deveria ser chamado de chocolate intenso).

O sabor, frisa Neugebauer, é fruto também da escolha pelo terroir do Pará. “Mudei para o Pará porque lá está numa expansão violenta de produção. E o terroir, de um solo bem diferente do da Bahia, dá um chocolate mais suave para fazer chocolate 70%”, diz. “Nos últimos meses, falo muito mais de cacau do que chocolate.”

Para a Danke dar certo, o empresário desenvolve no Pará o trabalho de fermentação e torra, levando equipamentos e conhecimento aos produtores. Hoje, só consegue 15% do cacau superior que quer para a Danke, o que justifica também a projeção mais tímida de faturamento para o primeiro ano.

A embalagem estampa princípios que Neugebauer quer propagar com a marca: comércio justo com os produtores (de agricultura familiar, sem intermediários, e que ganham de 15% a 30% a mais que a média praticada no Pará) e lavouras livres de trabalho infantil (os produtores precisam mostrar comprovante de matrícula escolar dos filhos para poder vender o cacau à Danke).

Dentro da embalagem de papel, o filme plástico que envolve a barra é compostável. “É mais do que biodegradável, você pode plantá-lo.”

Uma vida construída no chocolate

A história de vida de Ernesto Ary Neugebauer é entrelaçada com o chocolate. Seu bisavô alemão Franz Neugebauer chegou a Porto Alegre em 1888 e lá instalou a que é considerada a primeira fábrica de chocolates do Brasil, a Neugebauer, que existe até hoje.

“Quando eu tinha 16, 17 anos, meu pai me colocou para trabalhar no laboratório da Neugebauer. Era uma empresa que tinha muito conhecimento de processamento de cacau. Antigamente, todas as indústrias processavam o próprio cacau e com isso controlava a qualidade, o que foi se perdendo na década de 1980.”

Planta de fábrica da Danke em Cajamar, região noroeste da Grande São Paulo; após a moldagem, as barrinhas percorrem a esteira para serem embaladas. Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Ainda na Neugebauer, ele entrou numa fazenda de cacau na Bahia pela primeira vez aos 18 anos, no fim da década de 1970. Pouco depois, em 1982, seu pai, Ernesto Harald, fundou a Harald em Porto Alegre, que depois foi transferida para São Paulo.

“São anos e anos pensando o que estou fazendo hoje. Quero mostrar para o mercado que podemos fazer o melhor chocolate do mundo. Não é balela, eu vivo isso desde jovem.”

Hoje, além da Danke, o empresário detém o controle da Cacau Noir, marca carioca que até o começo pandemia tinha cerca de 20 lojas em São Paulo e no Rio de Janeiro. Neugebauer comprou anos atrás participação majoritária da marca voltadas a bombons, mas diz não participar da produção. Está mais preocupado com o cacau.

O trabalho de formiguinha para desenvolver os produtores do Pará está em andamento. Se a Bahia tem uma história de mais de 150 anos no cacau, o fruto começou a ser cultivado no Pará em meados da década de 1970.

Mas enquanto a Bahia perdeu força de produção desde a década de 1980 por causa da vassoura-de-bruxa (que ainda existe nos plantios), o Pará (que não tem registro da doença) cresce em progressão geométrica. O Brasil é o sexto maior produtor de cacau do mundo, e Bahia e Pará disputam a liderança da produção nacional nariz a nariz nos últimos anos.

De suas plantações, não muito mais do que 1% do fruto tem qualidade de cacau fino de aroma. Esse cacau superior é resultado de uma fermentação bem feita em três etapas, que leva em torno de 6 a 7 dias, depois seco em velocidade de maturação, para só então ser torrado e moído, entre outros tantos quesitos de medição de qualidade.

Ernesto Ary Neugebauer com maquinário na fábrica da Danke, etapa paulista de um processo que começa no Pará. Foto: Tiago Queiroz/Estadão

A Danke faz todas as etapas acima no Pará, com a torra controlada na nova fábrica, e traz o cacau em pasta para São Paulo. Aqui, numa parceria comercial com equipamentos da Harald, a pasta é triturada (até atingir a textura ou a granulometria que se quer no chocolate) e é misturada a outros ingredientes (como açúcar e leite), com receitas próprias da Danke.

Daí, as quatro formulações já previamente preparadas (70%, 63%, 35% ao leite e branco) chegam ao espaço da Danke para serem manipuladas em equipamentos novos, de fabricantes como a suíça Knobel.

Para finalizar aquele cacau bem tratado do começo, que depois foi misturado a poucos ingredientes, a temperadeira finaliza o processo, ao reorganizar os cristais do chocolate e lhe conferir textura aveludada e de fácil derretimento. Dessa máquina na Danke, o líquido sai para moldagem e embalagem.

Os chocolates belga e suíço são um grande calo na vida de Ernesto Ary Neugebauer. Os dois países europeus não são produtores de cacau, mas a fama construída com boas técnicas e equipamentos de ponta correu o mundo na carona de marcas como Callebaut e Lindt – e esses nomes viraram sinônimo de chocolate.

Daí que para mostrar que o Brasil pode fazer um chocolate à altura em escala, com equipamentos europeus e cacau fino de origem nacional, que custa em torno do dobro do valor do commodity, Neugebauer resolveu não se aposentar. Aos 62 anos e após uma vida dedicada à indústria do chocolate, ele começa uma empresa do zero e lança a marca Danke.

Sem lojas próprias, as barras devem começar a ganhar gôndolas de supermercados e empórios do País em meados de agosto, a começar pelo Empório Santa Maria, em São Paulo. Sua ideia é chegar não só ao consumidor iniciado em chocolates premium , que só compra de pequenas boutiques, mas também atingir o público médio brasileiro que nas gôndolas consome normalmente… Lindt.

“Por que temos de falar tanto em chocolate belga ou suíço? Por que não fazemos no Brasil? Na época da Harald, eu não aguentava mais ouvir falar disso. Deixamos as portas da qualidade escancaradas (para os produtos importados)”, conta ele, que encerrou no último mês de junho sua participação formal na gestão da Harald. 

Fundada por seu pai em 1982, a Harald tornou-se a quarta maior empresa brasileira de chocolate (atrás de Lacta, Nestlé e Garoto), hoje com uma produção de 72 mil toneladas por ano e faturamento anual na faixa de R$ 750 milhões.

Após a morte do pai e do irmão, Neugebauer tocou a empresa até vender seu controle em 2015, para a japonesa Fuji Oil, num negócio estimado à época em R$ 640 milhões (por 83% do capital da empresa). Seguiu como presidente até 2018, depois como consultor até junho deste ano, quando enfrentou um mês de internação por covid-19 em São Paulo.

Ernesto Ary Neugebauer se volta ao plantio de cacau para lançar a marca de chocolates Danke. Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Apesar da vida de industrial do produto commodity, Neugebauer iniciou uma maior aproximação com o cacau fino e a produção nas fazendas anos atrás. Em 2010, após contato com produtores da Bahia e do Pará, lançou a linha Unique, da Harald, que vinha com produtor e região identificados no rótulo. Um deles era o baiano João Tavares, da Fazenda Leolinda, único produtor brasileiro que já ganhou duas vezes prêmio no Salon du Chocolat de Paris. 

“Quando você domina os processos da fábrica de chocolate, você acha que é isso. Mas o segredo está nas mãos do agricultor. O cacau passa por três fermentações, o café e o vinho passam por uma.” A partir do conhecimento das regiões, Neugebauer colocou de pé a Danke. Ao longo dos últimos dois anos, comprou fazenda de cacau nos dois Estados, mas é no Pará que concentra o abastecimento da marca, com a ajuda de muitos pequenos produtores.

Na região de Medicilândia, à beira da rodovia Transamazônica, ele montou a estrutura na qual diz ter investido cerca de R$ 40 milhões no último ano para lançar a marca. “Essa fábrica está há 15 anos na minha cabeça. Usamos biomassa na fazenda, gastamos menos energia e água, o nível de eficiência é brutal.” Outros cerca de R$ 25 milhões (tudo de capital próprio) foram investidos na fábrica em São Paulo, em Cajamar, visitada pelo Estadão PME.

Plano de negócios da Danke

De acordo com o plano de negócios de Neugebauer, a marca nasceu para faturar R$ 220 milhões por ano, com 1.500 toneladas de massa de cacau, o que deve ser alcançado em 36 meses. No primeiro ano, o faturamento deve ficar em R$ 20 milhões, projeção que pode ser mais tímida por conta da pandemia do coronavírus.

Para alcançar mercado, o empreendedor investiu num time de cerca de 90 representantes comerciais, que já estão na rua levando as barras da Danke para prova em todo o País. Além das prateleiras de supermercados e empórios, a marca terá e-commerce próprio e programa para seu lançamento nas próximas semanas uma campanha digital em redes sociais e outras plataformas online.

Embalagens da Dankecom chocolate de teor 63% cacau, branco, ao leite (35%), 70%, ao leite com amêndoas, e 63% com laranja. Foto: Arte digital

O foco são as barras, em teores 70% cacau, 63%, ao leite (35%) e branco – e ainda há bombons recheados. Na receita do chocolate 70%, vão apenas cacau, açúcar e lecitina de soja (emulsificante usado na fabricação de chocolate) – sem adicionais da indústria e com um sabor suave que não tem nada do que se costuma chamar de ‘chocolate amargo’ (e deveria ser chamado de chocolate intenso).

O sabor, frisa Neugebauer, é fruto também da escolha pelo terroir do Pará. “Mudei para o Pará porque lá está numa expansão violenta de produção. E o terroir, de um solo bem diferente do da Bahia, dá um chocolate mais suave para fazer chocolate 70%”, diz. “Nos últimos meses, falo muito mais de cacau do que chocolate.”

Para a Danke dar certo, o empresário desenvolve no Pará o trabalho de fermentação e torra, levando equipamentos e conhecimento aos produtores. Hoje, só consegue 15% do cacau superior que quer para a Danke, o que justifica também a projeção mais tímida de faturamento para o primeiro ano.

A embalagem estampa princípios que Neugebauer quer propagar com a marca: comércio justo com os produtores (de agricultura familiar, sem intermediários, e que ganham de 15% a 30% a mais que a média praticada no Pará) e lavouras livres de trabalho infantil (os produtores precisam mostrar comprovante de matrícula escolar dos filhos para poder vender o cacau à Danke).

Dentro da embalagem de papel, o filme plástico que envolve a barra é compostável. “É mais do que biodegradável, você pode plantá-lo.”

Uma vida construída no chocolate

A história de vida de Ernesto Ary Neugebauer é entrelaçada com o chocolate. Seu bisavô alemão Franz Neugebauer chegou a Porto Alegre em 1888 e lá instalou a que é considerada a primeira fábrica de chocolates do Brasil, a Neugebauer, que existe até hoje.

“Quando eu tinha 16, 17 anos, meu pai me colocou para trabalhar no laboratório da Neugebauer. Era uma empresa que tinha muito conhecimento de processamento de cacau. Antigamente, todas as indústrias processavam o próprio cacau e com isso controlava a qualidade, o que foi se perdendo na década de 1980.”

Planta de fábrica da Danke em Cajamar, região noroeste da Grande São Paulo; após a moldagem, as barrinhas percorrem a esteira para serem embaladas. Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Ainda na Neugebauer, ele entrou numa fazenda de cacau na Bahia pela primeira vez aos 18 anos, no fim da década de 1970. Pouco depois, em 1982, seu pai, Ernesto Harald, fundou a Harald em Porto Alegre, que depois foi transferida para São Paulo.

“São anos e anos pensando o que estou fazendo hoje. Quero mostrar para o mercado que podemos fazer o melhor chocolate do mundo. Não é balela, eu vivo isso desde jovem.”

Hoje, além da Danke, o empresário detém o controle da Cacau Noir, marca carioca que até o começo pandemia tinha cerca de 20 lojas em São Paulo e no Rio de Janeiro. Neugebauer comprou anos atrás participação majoritária da marca voltadas a bombons, mas diz não participar da produção. Está mais preocupado com o cacau.

O trabalho de formiguinha para desenvolver os produtores do Pará está em andamento. Se a Bahia tem uma história de mais de 150 anos no cacau, o fruto começou a ser cultivado no Pará em meados da década de 1970.

Mas enquanto a Bahia perdeu força de produção desde a década de 1980 por causa da vassoura-de-bruxa (que ainda existe nos plantios), o Pará (que não tem registro da doença) cresce em progressão geométrica. O Brasil é o sexto maior produtor de cacau do mundo, e Bahia e Pará disputam a liderança da produção nacional nariz a nariz nos últimos anos.

De suas plantações, não muito mais do que 1% do fruto tem qualidade de cacau fino de aroma. Esse cacau superior é resultado de uma fermentação bem feita em três etapas, que leva em torno de 6 a 7 dias, depois seco em velocidade de maturação, para só então ser torrado e moído, entre outros tantos quesitos de medição de qualidade.

Ernesto Ary Neugebauer com maquinário na fábrica da Danke, etapa paulista de um processo que começa no Pará. Foto: Tiago Queiroz/Estadão

A Danke faz todas as etapas acima no Pará, com a torra controlada na nova fábrica, e traz o cacau em pasta para São Paulo. Aqui, numa parceria comercial com equipamentos da Harald, a pasta é triturada (até atingir a textura ou a granulometria que se quer no chocolate) e é misturada a outros ingredientes (como açúcar e leite), com receitas próprias da Danke.

Daí, as quatro formulações já previamente preparadas (70%, 63%, 35% ao leite e branco) chegam ao espaço da Danke para serem manipuladas em equipamentos novos, de fabricantes como a suíça Knobel.

Para finalizar aquele cacau bem tratado do começo, que depois foi misturado a poucos ingredientes, a temperadeira finaliza o processo, ao reorganizar os cristais do chocolate e lhe conferir textura aveludada e de fácil derretimento. Dessa máquina na Danke, o líquido sai para moldagem e embalagem.

Os chocolates belga e suíço são um grande calo na vida de Ernesto Ary Neugebauer. Os dois países europeus não são produtores de cacau, mas a fama construída com boas técnicas e equipamentos de ponta correu o mundo na carona de marcas como Callebaut e Lindt – e esses nomes viraram sinônimo de chocolate.

Daí que para mostrar que o Brasil pode fazer um chocolate à altura em escala, com equipamentos europeus e cacau fino de origem nacional, que custa em torno do dobro do valor do commodity, Neugebauer resolveu não se aposentar. Aos 62 anos e após uma vida dedicada à indústria do chocolate, ele começa uma empresa do zero e lança a marca Danke.

Sem lojas próprias, as barras devem começar a ganhar gôndolas de supermercados e empórios do País em meados de agosto, a começar pelo Empório Santa Maria, em São Paulo. Sua ideia é chegar não só ao consumidor iniciado em chocolates premium , que só compra de pequenas boutiques, mas também atingir o público médio brasileiro que nas gôndolas consome normalmente… Lindt.

“Por que temos de falar tanto em chocolate belga ou suíço? Por que não fazemos no Brasil? Na época da Harald, eu não aguentava mais ouvir falar disso. Deixamos as portas da qualidade escancaradas (para os produtos importados)”, conta ele, que encerrou no último mês de junho sua participação formal na gestão da Harald. 

Fundada por seu pai em 1982, a Harald tornou-se a quarta maior empresa brasileira de chocolate (atrás de Lacta, Nestlé e Garoto), hoje com uma produção de 72 mil toneladas por ano e faturamento anual na faixa de R$ 750 milhões.

Após a morte do pai e do irmão, Neugebauer tocou a empresa até vender seu controle em 2015, para a japonesa Fuji Oil, num negócio estimado à época em R$ 640 milhões (por 83% do capital da empresa). Seguiu como presidente até 2018, depois como consultor até junho deste ano, quando enfrentou um mês de internação por covid-19 em São Paulo.

Ernesto Ary Neugebauer se volta ao plantio de cacau para lançar a marca de chocolates Danke. Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Apesar da vida de industrial do produto commodity, Neugebauer iniciou uma maior aproximação com o cacau fino e a produção nas fazendas anos atrás. Em 2010, após contato com produtores da Bahia e do Pará, lançou a linha Unique, da Harald, que vinha com produtor e região identificados no rótulo. Um deles era o baiano João Tavares, da Fazenda Leolinda, único produtor brasileiro que já ganhou duas vezes prêmio no Salon du Chocolat de Paris. 

“Quando você domina os processos da fábrica de chocolate, você acha que é isso. Mas o segredo está nas mãos do agricultor. O cacau passa por três fermentações, o café e o vinho passam por uma.” A partir do conhecimento das regiões, Neugebauer colocou de pé a Danke. Ao longo dos últimos dois anos, comprou fazenda de cacau nos dois Estados, mas é no Pará que concentra o abastecimento da marca, com a ajuda de muitos pequenos produtores.

Na região de Medicilândia, à beira da rodovia Transamazônica, ele montou a estrutura na qual diz ter investido cerca de R$ 40 milhões no último ano para lançar a marca. “Essa fábrica está há 15 anos na minha cabeça. Usamos biomassa na fazenda, gastamos menos energia e água, o nível de eficiência é brutal.” Outros cerca de R$ 25 milhões (tudo de capital próprio) foram investidos na fábrica em São Paulo, em Cajamar, visitada pelo Estadão PME.

Plano de negócios da Danke

De acordo com o plano de negócios de Neugebauer, a marca nasceu para faturar R$ 220 milhões por ano, com 1.500 toneladas de massa de cacau, o que deve ser alcançado em 36 meses. No primeiro ano, o faturamento deve ficar em R$ 20 milhões, projeção que pode ser mais tímida por conta da pandemia do coronavírus.

Para alcançar mercado, o empreendedor investiu num time de cerca de 90 representantes comerciais, que já estão na rua levando as barras da Danke para prova em todo o País. Além das prateleiras de supermercados e empórios, a marca terá e-commerce próprio e programa para seu lançamento nas próximas semanas uma campanha digital em redes sociais e outras plataformas online.

Embalagens da Dankecom chocolate de teor 63% cacau, branco, ao leite (35%), 70%, ao leite com amêndoas, e 63% com laranja. Foto: Arte digital

O foco são as barras, em teores 70% cacau, 63%, ao leite (35%) e branco – e ainda há bombons recheados. Na receita do chocolate 70%, vão apenas cacau, açúcar e lecitina de soja (emulsificante usado na fabricação de chocolate) – sem adicionais da indústria e com um sabor suave que não tem nada do que se costuma chamar de ‘chocolate amargo’ (e deveria ser chamado de chocolate intenso).

O sabor, frisa Neugebauer, é fruto também da escolha pelo terroir do Pará. “Mudei para o Pará porque lá está numa expansão violenta de produção. E o terroir, de um solo bem diferente do da Bahia, dá um chocolate mais suave para fazer chocolate 70%”, diz. “Nos últimos meses, falo muito mais de cacau do que chocolate.”

Para a Danke dar certo, o empresário desenvolve no Pará o trabalho de fermentação e torra, levando equipamentos e conhecimento aos produtores. Hoje, só consegue 15% do cacau superior que quer para a Danke, o que justifica também a projeção mais tímida de faturamento para o primeiro ano.

A embalagem estampa princípios que Neugebauer quer propagar com a marca: comércio justo com os produtores (de agricultura familiar, sem intermediários, e que ganham de 15% a 30% a mais que a média praticada no Pará) e lavouras livres de trabalho infantil (os produtores precisam mostrar comprovante de matrícula escolar dos filhos para poder vender o cacau à Danke).

Dentro da embalagem de papel, o filme plástico que envolve a barra é compostável. “É mais do que biodegradável, você pode plantá-lo.”

Uma vida construída no chocolate

A história de vida de Ernesto Ary Neugebauer é entrelaçada com o chocolate. Seu bisavô alemão Franz Neugebauer chegou a Porto Alegre em 1888 e lá instalou a que é considerada a primeira fábrica de chocolates do Brasil, a Neugebauer, que existe até hoje.

“Quando eu tinha 16, 17 anos, meu pai me colocou para trabalhar no laboratório da Neugebauer. Era uma empresa que tinha muito conhecimento de processamento de cacau. Antigamente, todas as indústrias processavam o próprio cacau e com isso controlava a qualidade, o que foi se perdendo na década de 1980.”

Planta de fábrica da Danke em Cajamar, região noroeste da Grande São Paulo; após a moldagem, as barrinhas percorrem a esteira para serem embaladas. Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Ainda na Neugebauer, ele entrou numa fazenda de cacau na Bahia pela primeira vez aos 18 anos, no fim da década de 1970. Pouco depois, em 1982, seu pai, Ernesto Harald, fundou a Harald em Porto Alegre, que depois foi transferida para São Paulo.

“São anos e anos pensando o que estou fazendo hoje. Quero mostrar para o mercado que podemos fazer o melhor chocolate do mundo. Não é balela, eu vivo isso desde jovem.”

Hoje, além da Danke, o empresário detém o controle da Cacau Noir, marca carioca que até o começo pandemia tinha cerca de 20 lojas em São Paulo e no Rio de Janeiro. Neugebauer comprou anos atrás participação majoritária da marca voltadas a bombons, mas diz não participar da produção. Está mais preocupado com o cacau.

O trabalho de formiguinha para desenvolver os produtores do Pará está em andamento. Se a Bahia tem uma história de mais de 150 anos no cacau, o fruto começou a ser cultivado no Pará em meados da década de 1970.

Mas enquanto a Bahia perdeu força de produção desde a década de 1980 por causa da vassoura-de-bruxa (que ainda existe nos plantios), o Pará (que não tem registro da doença) cresce em progressão geométrica. O Brasil é o sexto maior produtor de cacau do mundo, e Bahia e Pará disputam a liderança da produção nacional nariz a nariz nos últimos anos.

De suas plantações, não muito mais do que 1% do fruto tem qualidade de cacau fino de aroma. Esse cacau superior é resultado de uma fermentação bem feita em três etapas, que leva em torno de 6 a 7 dias, depois seco em velocidade de maturação, para só então ser torrado e moído, entre outros tantos quesitos de medição de qualidade.

Ernesto Ary Neugebauer com maquinário na fábrica da Danke, etapa paulista de um processo que começa no Pará. Foto: Tiago Queiroz/Estadão

A Danke faz todas as etapas acima no Pará, com a torra controlada na nova fábrica, e traz o cacau em pasta para São Paulo. Aqui, numa parceria comercial com equipamentos da Harald, a pasta é triturada (até atingir a textura ou a granulometria que se quer no chocolate) e é misturada a outros ingredientes (como açúcar e leite), com receitas próprias da Danke.

Daí, as quatro formulações já previamente preparadas (70%, 63%, 35% ao leite e branco) chegam ao espaço da Danke para serem manipuladas em equipamentos novos, de fabricantes como a suíça Knobel.

Para finalizar aquele cacau bem tratado do começo, que depois foi misturado a poucos ingredientes, a temperadeira finaliza o processo, ao reorganizar os cristais do chocolate e lhe conferir textura aveludada e de fácil derretimento. Dessa máquina na Danke, o líquido sai para moldagem e embalagem.

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