A caminho da ingovernabilidade, EUA servem de alerta ao Brasil


Experiência americana sugere que contestação de derrota em eleição presidencial deixaria sequelas permanentes na democracia brasileira

Por Oliver Stuenkel

À primeira vista, a estratégia de Trump de não reconhecer sua derrota em novembro de 2020 fracassou: mesmo instigando milhares de seguidores a invadirem o Congresso para inviabilizar a transição de poder em 6 de janeiro passado, a posse de Joe Biden aconteceu como prevista. Porém, com as eleições parlamentares, conhecidas como ‘midterms’, se aproximando, fica claro que a decisão de Trump fez parte de uma estratégia de longo prazo e já lhe rendeu benefícios concretos: quase 80% dos eleitores republicanos – uma parte considerável da população – acredita que Joe Biden não venceu de forma legítima. Esse dado é crucial para compreender por que Trump, diferentemente da vasta maioria dos ex-presidentes americanos que perderam a reeleição, conseguiu manter seu controle sobre o Partido Republicano e tem boas chances de vencer as primárias republicanas antes das eleições presidenciais de 2024.

Oliver Stuenkel: 'Experiência americana sugere que contestação de derrota em eleição presidencial deixaria sequelas permanentes na democracia brasileira' Foto: Evan Vucci/AP

A postura de Trump, inédita na história dos Estados Unidos, acelerou ainda mais a degeneração do sistema político norte-americano, marcado hoje por uma polarização tão destrutiva que ameaça tornar os EUA um país ingovernável. Diferentemente do que alguns otimistas pensavam depois do fracasso do ataque ao Congresso em Washington, o país não iniciou um processo de cura para superar suas discordâncias internas. Pelo contrário: como um vírus que ataca um corpo já fragilizado, a não-aceitação da derrota por Trump parece ter levado a uma inflamação generalizada que pode produzir uma crise constitucional nos próximos anos. Afinal, hoje parece pouco provável que um Congresso de maioria republicana ratificaria uma vitória do candidato democrata contra Trump em 2024. A provável decisão do Departamento de Justiça, a ser tomada em breve, de formalmente acusar Donald Trump de tentar anular os resultados das eleições deve aprofundar ainda mais a polarização que hoje inviabiliza qualquer debate sobre o futuro da nação.

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Para o cenário eleitoral brasileiro, a experiência americana traz duas lições profundamente preocupantes. Primeira: a capacidade de Trump de manter controle sobre a direita americana depois da derrota por meio da narrativa das eleições roubadas produz um incentivo enorme para o presidente Bolsonaro seguir o exemplo do ex-presidente americano, tendência que se agrava pelo fato de Trump não ter sofrido nenhum tipo de punição até agora. Segunda: o caso americano sugere que, mesmo se alegações infundadas de fraude eleitoral não inviabilizarem a transição de poder, as sequelas para a democracia brasileira seriam profundas e possivelmente permanentes, com milhões de brasileiros questionando a legitimidade do próximo governo. Apesar dos seus numerosos problemas, a democracia americana muitas vezes serviu como modelo para outros países. Hoje, serve cada vez mais como alerta sobre o que evitar.

À primeira vista, a estratégia de Trump de não reconhecer sua derrota em novembro de 2020 fracassou: mesmo instigando milhares de seguidores a invadirem o Congresso para inviabilizar a transição de poder em 6 de janeiro passado, a posse de Joe Biden aconteceu como prevista. Porém, com as eleições parlamentares, conhecidas como ‘midterms’, se aproximando, fica claro que a decisão de Trump fez parte de uma estratégia de longo prazo e já lhe rendeu benefícios concretos: quase 80% dos eleitores republicanos – uma parte considerável da população – acredita que Joe Biden não venceu de forma legítima. Esse dado é crucial para compreender por que Trump, diferentemente da vasta maioria dos ex-presidentes americanos que perderam a reeleição, conseguiu manter seu controle sobre o Partido Republicano e tem boas chances de vencer as primárias republicanas antes das eleições presidenciais de 2024.

Oliver Stuenkel: 'Experiência americana sugere que contestação de derrota em eleição presidencial deixaria sequelas permanentes na democracia brasileira' Foto: Evan Vucci/AP

A postura de Trump, inédita na história dos Estados Unidos, acelerou ainda mais a degeneração do sistema político norte-americano, marcado hoje por uma polarização tão destrutiva que ameaça tornar os EUA um país ingovernável. Diferentemente do que alguns otimistas pensavam depois do fracasso do ataque ao Congresso em Washington, o país não iniciou um processo de cura para superar suas discordâncias internas. Pelo contrário: como um vírus que ataca um corpo já fragilizado, a não-aceitação da derrota por Trump parece ter levado a uma inflamação generalizada que pode produzir uma crise constitucional nos próximos anos. Afinal, hoje parece pouco provável que um Congresso de maioria republicana ratificaria uma vitória do candidato democrata contra Trump em 2024. A provável decisão do Departamento de Justiça, a ser tomada em breve, de formalmente acusar Donald Trump de tentar anular os resultados das eleições deve aprofundar ainda mais a polarização que hoje inviabiliza qualquer debate sobre o futuro da nação.

Para o cenário eleitoral brasileiro, a experiência americana traz duas lições profundamente preocupantes. Primeira: a capacidade de Trump de manter controle sobre a direita americana depois da derrota por meio da narrativa das eleições roubadas produz um incentivo enorme para o presidente Bolsonaro seguir o exemplo do ex-presidente americano, tendência que se agrava pelo fato de Trump não ter sofrido nenhum tipo de punição até agora. Segunda: o caso americano sugere que, mesmo se alegações infundadas de fraude eleitoral não inviabilizarem a transição de poder, as sequelas para a democracia brasileira seriam profundas e possivelmente permanentes, com milhões de brasileiros questionando a legitimidade do próximo governo. Apesar dos seus numerosos problemas, a democracia americana muitas vezes serviu como modelo para outros países. Hoje, serve cada vez mais como alerta sobre o que evitar.

À primeira vista, a estratégia de Trump de não reconhecer sua derrota em novembro de 2020 fracassou: mesmo instigando milhares de seguidores a invadirem o Congresso para inviabilizar a transição de poder em 6 de janeiro passado, a posse de Joe Biden aconteceu como prevista. Porém, com as eleições parlamentares, conhecidas como ‘midterms’, se aproximando, fica claro que a decisão de Trump fez parte de uma estratégia de longo prazo e já lhe rendeu benefícios concretos: quase 80% dos eleitores republicanos – uma parte considerável da população – acredita que Joe Biden não venceu de forma legítima. Esse dado é crucial para compreender por que Trump, diferentemente da vasta maioria dos ex-presidentes americanos que perderam a reeleição, conseguiu manter seu controle sobre o Partido Republicano e tem boas chances de vencer as primárias republicanas antes das eleições presidenciais de 2024.

Oliver Stuenkel: 'Experiência americana sugere que contestação de derrota em eleição presidencial deixaria sequelas permanentes na democracia brasileira' Foto: Evan Vucci/AP

A postura de Trump, inédita na história dos Estados Unidos, acelerou ainda mais a degeneração do sistema político norte-americano, marcado hoje por uma polarização tão destrutiva que ameaça tornar os EUA um país ingovernável. Diferentemente do que alguns otimistas pensavam depois do fracasso do ataque ao Congresso em Washington, o país não iniciou um processo de cura para superar suas discordâncias internas. Pelo contrário: como um vírus que ataca um corpo já fragilizado, a não-aceitação da derrota por Trump parece ter levado a uma inflamação generalizada que pode produzir uma crise constitucional nos próximos anos. Afinal, hoje parece pouco provável que um Congresso de maioria republicana ratificaria uma vitória do candidato democrata contra Trump em 2024. A provável decisão do Departamento de Justiça, a ser tomada em breve, de formalmente acusar Donald Trump de tentar anular os resultados das eleições deve aprofundar ainda mais a polarização que hoje inviabiliza qualquer debate sobre o futuro da nação.

Para o cenário eleitoral brasileiro, a experiência americana traz duas lições profundamente preocupantes. Primeira: a capacidade de Trump de manter controle sobre a direita americana depois da derrota por meio da narrativa das eleições roubadas produz um incentivo enorme para o presidente Bolsonaro seguir o exemplo do ex-presidente americano, tendência que se agrava pelo fato de Trump não ter sofrido nenhum tipo de punição até agora. Segunda: o caso americano sugere que, mesmo se alegações infundadas de fraude eleitoral não inviabilizarem a transição de poder, as sequelas para a democracia brasileira seriam profundas e possivelmente permanentes, com milhões de brasileiros questionando a legitimidade do próximo governo. Apesar dos seus numerosos problemas, a democracia americana muitas vezes serviu como modelo para outros países. Hoje, serve cada vez mais como alerta sobre o que evitar.

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