As Forças Armadas vivem hoje a maior crise de sua história. É uma crise de legitimidade perante o sistema político, a sociedade e a ordem internacional. Houve outros momentos difíceis para a instituição, como no conturbado mandato de Floriano Peixoto ou no final da ditadura militar, mas em nenhum deles se teve tanto consenso sobre a imprescindível despolitização das Forças Armadas.
O cume dessa crise foi a Intentona do dia 8 de janeiro, quando se constatou que a ação dos militares tinha sido, no mínimo, conivente com golpistas que praticaram um ato terrorista sem paralelo na história democrática brasileira. Mas o processo não se iniciou naquele trágico evento. As origens estão na adesão de boa parte dos integrantes das três Forças ao bolsonarismo, deixando-se politizar em episódios como o desastroso combate à covid-19 e em eventos públicos de apoio ao presidente Bolsonaro, que prometeu benesses materiais e, sobretudo, um projeto de poder a integrantes ou à própria instituição militar.
Embora a cúpula militar tenha rechaçado a adesão ao plano de golpe preparado por Bolsonaro, uma parcela importante da instituição fez discursos ou agiu de modo golpista, como se estivéssemos ainda em 1964. Mas o mundo mudou. Os três Poderes e a Federação são mais fortes hoje e a maioria dos políticos defende firmemente a democracia. Setores sociais e econômicos importantes vão reagir a qualquer Intentona, como ficou claro nos últimos dias. E, mais do que isso, os países mais relevantes, especialmente os Estados Unidos, isolariam completamente o Brasil e vão pressionar por uma despolitização das Forças Armadas brasileiras.
Punir os militares que tiveram atuação golpista e organizar a volta integral aos quartéis, colocando a profissionalização e a excelência de seus quadros acima da política, são as duas únicas decisões que cabem ao comando das Forças Armadas. É isso que deveria ter sido feito desde a redemocratização, e foi adiado indefinidamente até Bolsonaro vender uma ilusão autoritária de poder. A hora e a vez da mudança é agora, pois evitá-la poderia levar a um questionamento maior de suas funções, inclusive de seu padrão de gastos.
Vale frisar que se submeter ao comando civil é algo mais do que obedecer ao presidente Lula. Os militares devem obediência à democracia e não podem colocar o Brasil em risco geopolítico e econômico. O papel permanente das Forças Armadas é muito importante para ser destruído por integrantes seduzidos pelo discurso de um “mau militar”, tal qual Bolsonaro foi definido exemplarmente por Geisel.
Doutor em Ciência Política pela USP, professor e pesquisador da FGV-Eaesp