BRASÍLIA — O recurso judicial do governo Lula com decisão favorável do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Cristiano Zanin, suspendendo trechos da lei que prorrogou a desoneração da folha dos municípios e de setores produtivos até 2027, agravou a relação, que já não era boa, do Executivo com o Congresso. Parlamentares ouvidos pelo Estadão esperam uma reação do próprio Legislativo à medida.
Deputados falam que a ação é “desmoralizante” para a Casa, uma “falta de deferência” do Executivo e gera tensões “na articulação futura”. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), prometeu recorrer ao STF. Nesta sexta-feira, 26, ele admitiu que a ação judicial da gestão petista pegou o Congresso de surpresa. Pacheco se reuniu com técnicos do Senado em sua residência oficial para tratar do assunto.
“(Essa reunião foi) justamente para que pudéssemos fazer uma análise tanto do ponto de vista técnico quanto do ponto de vista político em relação a esse assunto que, de fato, surpreendeu a todos, especialmente pelo momento que estamos vivendo de discussão e busca de alinhamento entre o governo federal e o Congresso Nacional”, disse o presidente do Senado.
Pacheco fez referência à recente tentativa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de distender a relação com o Congresso. O articulador oficial do governo, ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, tem tido sua atuação questionado no Legislativo. Esta semana, Lula teve contato direto com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), mas ainda não conversou com Pacheco.
Na quinta-feira, 25, Rodrigo Pacheco já reagira ao recurso do governo ao STF. Afirmou que o governo “erra ao judicializar a política e impor suas próprias razões, num aparente terceiro turno de discussão”, e disse que tomaria providências para manter a decisão do Legislativo.
“Também cuidarei das providências políticas que façam ser respeitada a opção do Parlamento pela manutenção de empregos e sobrevivência de pequenos e médios municípios”, disse Pacheco.
A desoneração da folha de pagamentos é um mecanismo de redução de encargos trabalhistas do empresariado. O objetivo da medida é estimular o crescimento econômico do País, buscando oferecer maior competitividade e contratações. São 17 setores incluídos.
O governo propôs uma reoneração gradual da folha de pagamento, em mais um movimento de contenção de danos para enxugar o gasto tributário no País, meta da Fazenda, que de quebra contribuiria para o atingimento das metas fiscais.
A desoneração dos setores acabaria em 2023, mas foi prorrogada pelo Legislativo. A lei que deputados e senadores aprovaram foi vetada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, os parlamentares derrubaram o veto, mas o governo tentou reverter essa decisão com uma medida provisória, que acabou virando projeto de lei.
“A gente entende que se (a matéria) passou pelo rito das Casas, o mais educado seria manter (a derrubada do veto). É uma falta de deferência que obviamente tensiona a relação, mas faz parte do jogo político. Cabe agora ao Congresso organizar estratégias para manter a desoneração”, afirmou o deputado Pedro Aihara (PRD-MG).
O líder do PL no Senado, Carlos Portinho (RJ), pediu que o Senado “se eleve” em relação ao Executivo e ao Supremo. “Governo federal e Judiciário juntinhos. Entenderam ou precisa desenhar o rompimento do princípio dos Três Poderes da República em uma democracia?”, afirma. “Senado e Legislativo na berlinda. Eleve-se, Senado.”
“Acredito que a decisão do governo de recorrer ao STF para suspender a desoneração de impostos piora a relação do governo é com os brasileiros, no momento em que sua avaliação já não é das melhores”, afirma o senador Irajá (PSD-TO).
O deputado Mendonça Filho (União-PE) apelou para uma reação do Congresso. “Essa balbúrdia institucional gera insegurança jurídica, política, e uma confusão que só prejudica a governabilidade e e o equilíbrio e harmonia dos Poderes”, diz. “Espero que o presidente Rodrigo (Pacheco) não fique só na declaração. Precisamos reagir.”
Há também espaço para críticas à relação entre Executivo e o STF. “É desmoralizante para o Congresso o que está acontecendo. Eles (do governo) criaram uma espécie de Tribunal Revisor Geral da República no STF”, afirma.
A deputada Fernanda Pessoa (União-CE), também fez críticas à decisão do Supremo. “A suspensão de trechos dessa lei pelo STF, atendendo ao pedido do governo, pode ser vista como um desalinhamento entre os Poderes, o que potencialmente gera tensões e desafios na articulação política futura”, diz.
Ela, porém, acredita que, em um ano de eleições, não é o momento propício para tratar de “temas delicados”.
O sentimento ecoa entre demais integrantes do Centrão e da oposição. “O Supremo, por causa de alguns membros, se tornou num ‘boteco’ do governo”, afirmou Alceu Moreira (MDB-RS). “Isso já esgarça a relação que já não é boa. Precisamos ter segurança jurídica no País, isso dificulta bastante, acho que atrapalha não só a relação, mas o País. Estamos rediscutindo algo que já foi aprovado pelo Congresso”, disse Jorge Goetten (PL-SC).
Lúcio Mosquini (MDB-RO) e Bruno Farias (Avante-MG) também veem que a atitude do governo piora a relação com o Congresso. Fausto Pinato (PP-SP) contemporiza a decisão do STF, mas afirma que o governo precisa acordar.
“Não acredito nisso (que a relação com o Executivo piorará). Faz parte da democracia”, diz Pinato. “Se não acordar e melhorar o time do governo na tratativa, eles estão fadados ao fracasso. Bolsonaro está rodando o Brasil e vem mostrado resiliência. Já o time do governo está apático e sem poder de reação.”