BRASÍLIA – O acordo entre Poderes para resolver o impasse das emendas parlamentares pode resultar em um novo aumento de recursos nas mãos dos congressistas. O governo Lula e o Congresso Nacional devem encaminhar nesta semana uma solução para o ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), que suspendeu o pagamento após apontar uma série de irregularidades.
Emendas parlamentares são recursos indicados por deputados e senadores no Orçamento da União para enviar dinheiro a Estados e municípios. A falta de transparência, planejamento e uma série de suspeitas de irregularidades levaram o STF a suspender os repasses. Os chefes dos Poderes fizeram um acordo que, na prática, mantém as emendas, sob a promessa de adotar novos procedimentos e dizer para a sociedade para onde vai o dinheiro – o que hoje não acontece.
Nos bastidores, o Palácio do Planalto e o Congresso Nacional negociam a manutenção das emendas em R$ 50 bilhões, valor de hoje, com algumas “pegadinhas” que podem fazer o valor crescer nos próximos anos. Dentre elas, a adoção definitiva das emendas de comissão, herdeiras do orçamento secreto, esquema revelado pelo Estadão, e um índice de correção permanente dos repasses.
Articuladores políticos do Palácio do Planalto alimentam a esperança de que parte dos recursos vá para o Programa de Aceleração do Crescimento (Novo PAC). A equipe econômica, no entanto, emitiu alertas de que isso pode desvirtuar a destinação dos recursos, continuar tirando verbas do Poder Executivo e, no fim das contas, dar mais poder aos parlamentares, comprometendo o arcabouço fiscal e o dinheiro para a manutenção da máquina pública.
Interlocutores da equipe econômica ouvidos pelo Estadão temem que a “emenda saia pior do que o soneto” e afirmam que o Palácio do Planalto deve ter muito cuidado na redação desse acordo, para fechar possíveis brechas. Caso contrário, há o risco de o Executivo sair ainda mais enfraquecido nessa disputa orçamentária.
Procurados pela reportagem, os ministérios do governo Lula envolvidos na discussão (Casa Civil, Secretaria de Relações Institucionais, Planejamento e Orçamento e Fazenda) não comentaram.
Emendas de comissão podem virar obrigatórias
O Poder Executivo negocia com os parlamentares a manutenção das emendas de comissão, com a possibilidade de incluir esses recursos de forma definitiva no Orçamento da União. Isso transformaria essas emendas em impositivas (obrigatórias), o que hoje não acontece, e obrigaria o governo a gastar os recursos conforme a vontade dos congressistas.
Esse tipo de emenda é indicado por comissões da Câmara e do Senado para áreas temáticas da União, como Saúde e Educação, e deveria bancar apenas ações de abrangência nacional e obras maiores. O dinheiro, porém, herdou parte do orçamento secreto e começou a ser repassado para atender a interesses individuais de deputados e senadores, sem transparência sobre quem se beneficia.
O Congresso quer manter esse naco do Orçamento, calculado em R$ 15 bilhões. Os recursos favorecem o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e o senador Davi Alcolumbre (União-AP), que comandam a distribuição do dinheiro entre aliados. Os parlamentares não querem abrir mão de mandar nesse dinheiro. “Ou continua ou vai para emenda impositiva”, disse o deputado Claudio Cajado (PP-BA), aliado de Lira, ao Estadão.
Articuladores políticos do Palácio do Planalto, por outro lado, negociam uma divisão do bolo, na esperança de que parte dos recursos vá para o PAC. “Ter ou não o carimbo do Novo PAC nesses recursos é irrelevante. O que mais importa é o benefício para a população”, afirmou o ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa, um dos entusiasta da estratégia, durante entrevista à GloboNews na terça-feira, 3.
A investida de Costa acontece após a tentativa frustrada do “PAC Seleções”, projeto que incluía um plano para financiar as obras com recursos de emendas. A adesão, como mostrou o Estadão, foi baixíssima: só 22 projetos haviam sido apadrinhados até março, dentre 6.365 disponíveis, o equivalente a 0,3%.
Recursos podem bancar obras regionais e não nacionais
A estratégia do chefe da Casa Civil, Rui Costa, de aproveitar a negociação sobre as emendas para inflar as verbas do novo PAC envolve uma série de riscos. Um deles é de que o dinheiro acabe sendo direcionado a projetos ligados aos Estados, para atender às prioridades dos governadores, e não a obras estruturantes do governo federal.
As negociações das emendas muitas vezes abarcam acordos políticos com autoridades locais. Uma vez que a obra é inaugurada, o nome do parlamentar ganha destaque em placas, ajudando a angariar votos. Logo, há um poder de barganha de governadores e prefeitos nessas negociações com deputados e senadores e as respectivas bancadas.
O alerta emitido dentro do governo é de que o texto da resolução do STF precisa fechar essa brecha e ter critérios bem delimitados de quais obras poderão ser atendidas com essa verba. Mesmo que seja um projeto de interesse regional, é fundamental que esteja dentro da programação de obras nacionais, adverte a equipe econômica.
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Nova regra garantiria crescimento das emendas
Outra discussão que acontece nos bastidores é a definição de uma regra para o crescimento das emendas nos próximos anos. Hoje, as emendas individuais (aquelas indicadas por cada deputado e senador) e as emendas de bancada (indicadas pelo conjunto de parlamentares de cada Estado) são ajustadas conforme a arrecadação do governo federal e podem crescem em uma velocidade maior do que o limite do arcabouço fiscal, capturando o espaço de outras despesas.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), defendeu um novo limitador para as emendas, mas deixou claro que a regra não implicaria em redução dos valores, mas apenas em um limite de crescimento nos próximos anos. Aí mora outra “pegadinha”, pois a definição de um limitador garantiria um aumento anual das emendas e ainda a inclusão das emendas de comissão no Orçamento, elevando o valor dos repasses obrigatórios.
Isso acendeu uma luz amarela dentro da equipe econômica, que tem em mãos uma peça orçamentária cada vez mais engessada. Uma das regras em negociação é limitar o crescimento real (acima da inflação) das emendas em 2,5% por ano, que é o índice do arcabouço fiscal. Nesse caso, porém, há risco de outras despesas do governo federal serem “estranguladas”, especialmente aquelas que bancam a manutenção dos órgãos e serviços públicos.
Isso aconteceria porque essas despesas não crescem 2,5% por ano, pois são pressionadas pelos gastos com servidores, aposentados e benefícios da Previdência Social.
Emendas cortam despesas do Poder Executivo e pressionam arcabouço fiscal
O acordo das emendas, com manutenção dos repasses e crescimento nos próximos anos, poderá deixar outras despesas do governo federal sem dinheiro. Isso inclui gastos com pagamento de conta de luz, material de escritório, diárias, passagens, atendimento de aposentados em agências do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e até a realização de consultas e cirurgias eletivas.
Conforme o Estadão revelou, o crescimento das emendas tirou recursos de órgãos e serviços essenciais do governo federal. A manobra foi classificada como inconstitucional pelo STF e pelo Tribunal de Contas da União (TCU) na época do orçamento secreto, que foi derrubado, mas se repetiu neste ano com outros tipos de emendas.
A Controladoria-Geral da União (CGU) afirmou que as emendas podem deixar o governo federal sem dinheiro para bancar outras despesas e enfraquecer as políticas públicas. “Tudo indica que o acordo sobre emendas terá que respeitar o arcabouço fiscal”, afirmou o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, à GloboNews na última quarta-feira, 4.
Em entrevista ao Estadão, o secretário-executivo da Fazenda, Dario Durigan, afirmou que a proposta de limitar o crescimento de todas as despesas públicas ao teto do novo arcabouço fiscal está “em debate” e “amadurecendo dentro do governo”.
Emendas de bancada, que são obrigatórias, podem ser infladas
Outra possibilidade na mesa de discussão dos três Poderes é direcionar metade das emendas de comissão às emendas de bancada estadual, que são impositivas (obrigatórias), ampliando o poder do Congresso. A metade restante iria para o Novo PAC, em um aceno ao Executivo.
Essa possibilidade foi defendida pelo relator do Projeto de Lei Orçamentária (PLOA) de 2025, senador Angelo Coronel (PSD-BA), em entrevista ao jornal Valor Econômico.
O resultado, porém, seria um aumento da impositividade do Orçamento, com perdas ainda maiores do governo federal ― uma vez que os valores poderiam acabar atendendo a projetos de interesse dos governadores e dos próprios parlamentares individualmente, como acontece hoje.
Emenda Pix segue com essência mantida
Já as emendas Pix, que também foram suspensas pelo Supremo Tribunal Federal, devem ganhar uma nova regra com o acordo entre os Poderes. A partir do próximo ano, parlamentares e prefeitos terão de informar o que pretendem fazer com o dinheiro. Atualmente, o recurso é enviado sem nenhuma informação sobre onde será usado, se em uma obra ou em um show artístico, por exemplo.
A informação sobre o gasto da Emenda Pix é uma promessa do governo e do Congresso, que concordaram com o novo procedimento, o qual já foi exigido na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e em decisão do TCU anteriormente. As prefeituras, porém, descumprem sistematicamente essa regra.
O ministro Alexandre Padilha, chefe da Secretaria de Relações Institucionais, declarou que o modelo das emendas Pix será “enterrado de vez” e elas não existirão mais como existem hoje. Outra mudança é deixar a fiscalização com o TCU, que havia transferido o controle para os tribunais estaduais e municipais.
A essência da emenda Pix, no entanto, deve ser mantida: recursos repassados de forma antecipada para Estados e municípios, sem análise prévia de projetos, sem vinculação com programas federais e sem passar pelos ministérios do governo federal, tirando o planejamento da União.
As transferências especiais, como esses repasses são chamados tecnicamente, somaram R$ 8 bilhões em 2024, ano de eleições municipais, e podem superar R$ 12 bilhões em 2025.