BRASÍLIA - A advogada Karina Kufa, que tem entre seus clientes o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), está articulando um grupo de juristas para ajudar a impulsionar a agenda conservadora no Congresso. A iniciativa quer dar maior respaldo jurídico a pautas bolsonaristas na Câmara e no Senado, em assuntos como aborto e drogas, por exemplo. Também pretende agir no campo econômico, em proposições para diminuição de impostos e fortalecimento do livre mercado.
A ideia de Karina é que esse grupo, batizado de Garantistas, atue nos bastidores e participe de audiências públicas para dar robustez técnica a projetos de lei elaborados na bancada do PL. O suporte jurídico pode ser estendido para fora do âmbito legislativo, como em consultoria eleitoral, por exemplo.
A advogada tem arregimentado aliados para a formação do grupo nos últimos meses, mas a iniciativa só deve ser formalizada em um jantar no segundo semestre, ainda sem data para ser feito.
“Recentemente a direita se definiu com grandes expoentes políticos, é hora do mundo jurídico participar de forma organizada e técnica, tal como a esquerda faz”, diz Karina.
O projeto já tem interessados como Arthur Guerra, advogado do governador mineiro Romeu Zema (Novo), João Vinícius Mansur, que defendeu o ex-assessor de Jair Bolsonaro para Assuntos Internacionais, Filipe Martins — preso em 8 de fevereiro de 2024 em uma operação da Polícia Federal para investigar uma suposta tentativa de golpe de Estado para manter Bolsonaro na Presidência —, e Renata Araújo, filha da desembargadora Maria do Carmo Cardoso, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) — que escapou de uma punição disciplinar após demonstrar apoio aos eleitores de Bolsonaro acampados em frente aos quartéis do Exército em consequência da derrota do então presidente em 2022.
A iniciativa também conta com Cristiane Brito, que assumiu o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos no governo Bolsonaro após a saída de Damares Alves, Samantha Meyer, ex-esposa do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes, além de Paulo Klein, Augusto Wanderlinde e Andrea Hoffmann Formiga, presidente-executiva do Instituto Isabel, que atua no lobby contra a legalização do aborto.
Um dos principais nomes do grupo é Angela Gandra, ex-secretária nacional da Família do Ministério dos Direitos Humanos de Damares Alves, sob o governo Bolsonaro, e também filha do advogado Ives Gandra Martins e irmã do ministro do Tribunal Superior do Trabalho Ives Gandra Filho.
Inspiração na esquerda
A inspiração do Garantistas nasce como uma contraposição ao Prerrogativas, um grupo de advogados de esquerda criado durante a Operação Lava-Jato para denunciar o que eles consideravam ser uma instrumentalização política do Judiciário contra o PT. Ao longo dos anos, eles demonstraram apoio a Luiz Inácio Lula da Silva, um dos principais alvos da força-tarefa, e defenderam Dilma Rousseff durante seu processo de impeachment.
Coordenado pelo advogado Marco Aurélio de Carvalho, o Prerrô, como é conhecido e que se organiza em um grupo de WhatsApp, teve atuação importante na campanha eleitoral de 2022 para aproximar o então candidato dos círculos de advogados e de empresários.
Carvalho chegou a ser cogitado para o ministério de Lula, mas hoje tem uma atuação de bastidores entre a elite do Judiciário. No último ano, por exemplo, o advogado se incumbiu da tarefa de tentar reaproximar Dias Toffoli do presidente — que, segundo aliados, não perdoa o ministro do STF por ter inviabilizado a sua ida ao enterro do irmão, Vavá, em janeiro de 2019, quando estava preso em Curitiba. Ele ambém tentou quebrar o gelo da relação dos ministros indicados por Bolsonaro ao STF, André Mendonça e Kassio Nunes Marques, ao promover um jantar para recebê-los, com a presença de dois ministros petistas.
Diversos membros do alto escalão do governo Lula fazem parte do grupo de WhatsApp do Prerrogativas, como Fernando Haddad (Fazenda), Vinícius Marques de Carvalho (Controladoria-Geral da União), Jorge Messias (Advocacia-Geral da União), Anielle Franco (Igualdade Racial) e Paulo Teixeira (Desenvolvimento Agrário).
Em outras esferas, há também Sheila Carvalho, secretária Nacional de Acesso à Justiça no Ministério da Justiça e Segurança Pública, a ministra do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Vera Araújo e a ministra do Superior Tribunal de Justiça. (STJ) Daniela Teixeira.
“Se nós somos inspiração, ficamos felizes por isso. Mas se o objetivo deles (Garantistas) é defender pautas conservadoras, seremos adversários. Adversários leais e éticos, mas adversários ferrenhos”, diz Carvalho.
A iniciativa de Karina deve ocupar um lugar já visado por outro grupo antes. Em 2019, advogados bolsonaristas criaram a autoproclamada Ordem dos Advogados Conservadores do Brasil (OACB) para defender o então governo e bandeiras como “Deus, pátria e família”. Ao longo do tempo, no entanto, seus integrantes passaram a processar desafetos que ofendessem Bolsonaro na internet.
O projeto naufragou em razão do radicalismo de seus membros. O grupo foi encerrado em 2024, quando a Justiça Federal determinou a suspensão de suas atividades após a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a entidade oficial da advocacia, alegar uso indevido de sua marca pelos bolsonaristas e denunciar a intimidação contra críticos do ex-presidente.