BRASÍLIA - A nova linha de defesa do tenente-coronel Mauro Cid, anunciada nesta sexta-feira pelo advogado Cezar Bitencourt, tenta proteger tanto Bolsonaro como o pai de Mauro Cid, o general Mauro Cesar Lourena Cid. Após dizer que Mauro Cid iria confessar a participação em um esquema de desvio de joias a mando do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o advogado Cezar Bitencourt recuou e disse que seu cliente buscou resolver “um problema” do chefe, mas negou que ele tenha agido a partir de uma ordem específica de Bolsonaro.
A nova versão difere do que o próprio Bitencourt havia declarado a diversos veículos de imprensa nessa quarta, 16, e quinta-feira, 17. Antes, o advogado dizia que Cid agiu “a mando de Bolsonaro” para vender as joias. “O Cid não nega os fatos. Ele assume que foi pegar as joias. ‘Resolve isso lá’. Ele foi resolver. ‘Vende a joia’. Ele vende a joia”, disse o advogado à revista Veja. Acrescentou, ainda, que o dinheiro da venda era de Bolsonaro e Cid entregou para o ex-chefe do Executivo Federal em espécie.
Menos de 24 horas após a publicação da Veja, o defensor mudou sua versão, conforme revelado pelo Estadão. Em entrevista à GloboNews, Bitencourt negou ter falado que a negociação para venda no exterior de um relógio ocorreu “a mando do Bolsonaro”. O ex-presidente teria pedido apenas, segundo Bitencourt, para Cid “resolver o problema do Rolex”. “Para um bom entendedor meia palavra basta. Cid foi atrás para resolver a questão do Rolex”, afirmou o advogado, ao destacar que Cid é um assessor que apenas cumpre ordens.
Durante a entrevista, Bitencourt fez questão de pontuar que o pai de Mauro Cid não tem nada a ver com a história. “Não há nenhum risco, nenhum problema de prisão para o pai dele”, disse.
A confissão parcial do coronel Mauro Cid de que tentou comprar o relógio é uma estratégia de risco calculado. Há dispositivos na legislação que isentam de crime quem atua em “estrita obediência da ordem”. O artigo 22 do Código Penal e o artigo 38 do Código Penal Militar tratam expressamente da isenção de autoria. No entanto, ambos só se aplicam nos casos de ordem manifestamente ilegal.
É no debate sobre a legalidade que Bolsonaro e defesa se apegam, segundo interlocutores do ex-presidente. Ao Estadão, nesta sexta-feira, o ex-presidente disse que não há ilegalidade no destino dado às joias, pois “personalíssimas”. O objetivo seria reabrir um debate legal sobre a natureza de determinados presentes e explorar uma suposta “área cinzenta” na regulamentação dos presentes.
“O Lula sofre até hoje com isso. Todos os presidentes apanharam com relação a isso daí e eu tô nesse bolo”, disse Bolsonaro.
O Tribunal de Contas da União (TCU) definiu em 2016 que apenas presentes personalíssimos, como bonés e camisetas, poderiam ser apropriados por presidentes. No voto, o relator deu como exemplo “esmeralda de valor inestimável” como item não personalíssimo. Contudo, não existiu uma lista geral de itens permitidos ou não.
Em 2018, o então presidente Michel Temer baixou a Portaria nº 56 que definiu “joias, semijoias e bijuterias” como itens de natureza personalíssima. A medida é posterior ao acórdão do TCU. No entanto, há uma corrente dominante que entende que a portaria não se sobrepõe à decisão do tribunal.
Contudo, a tese de que a portaria, revogada por Bolsonaro em 2021, prevalece sobre o TCU tem sido propagada por aliados do ex-presidente. Bolsonaro a citou na entrevista ao Estadão. “A portaria vale pelo menos até a data que ela vigiu. Quando a portaria é revogada, no meu entender tem uma vacância (de normas)”, afirmou.
O TCU voltou ao tema em março deste ano e referendou o entendimento anterior. Na oportunidade, ressaltou que além de personalíssimo um item precisa ter “baixo valor monetário” para ir a acervos privados de presidentes.
Caso Bolsonaro e defesa consigam emplacar no Judiciário a tese da “vacância” de regulamentos, o ex-presidente, Lourena Cid e Mauro Cid não seriam impactados criminalmente nesse caso.
Enquanto isso, o advogado de Mauro Cid, Cezar Roberto Bitencourt, afirma que não há interesse ou movimento para eventuais confissões do militar em outros processos criminais nos quais está implicado com Bolsonaro. O caso das joias é o único em que o pai dele, Lourena Cid, foi relacionado pela Polícia Federal.
A contratação de Bitencourt para atuar no caso foi um movimento da família de Mauro Cid. Desde que assumiu o caso, ele tem afirmado que o objetivo de Cid é poupar a família. Após um recuo, o advogado deixou claro que não está nos planos comprometer Bolsonaro com todas as informações que Mauro Cid pode ter.