A Agência Brasil, serviço público de notícias, utilizou o “gênero neutro” em reportagem do último sábado, 21. Na publicação, o veículo jornalístico optou pelo uso da expressão “parlamentares eleites” para se referir às parlamentares que participaram do 1º Encontro de LGBT+eleites, realizado nos dias 20 e 21 de janeiro, em Brasília. Ao final, o texto informa que o gênero neutro nas construções das frases foi usado “a pedido” de pessoas citadas na reportagem .
Vinculada à comunicação oficial do governo Lula, a Agência Brasil é uma das mídias da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), criada no segundo mandato de Lula como veículo de comunicação pública e não governamental.
O uso de uma expressão que não abarca nem o gênero masculino e feminino busca atingir pessoas trans e não-binárias e retirar a predominância do gênero masculino da língua portuguesa. Um exemplo comumente usado é como se referir a um ambiente composto por nove mulheres e um homem: usa-se “todos” e não “todas”. O uso de “todes” buscar aglomerar todos os gêneros, de forma neutra — algo que acontece em outros idiomas, mas que não está previsto na gramática normativa do português, o que tem gerado debate entre acadêmicos e estudiosos da língua.
O gênero neutro tem sido adotado pontualmente também em eventos e cerimônias oficiais do Lula 3. O ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, por exemplo, abriu seu discurso de posse no cargo desejando “boa tarde a todos, a todas e todes”. O gesto se repetiu em outras posses nesse mês.
Ao longo do último governo, deputados conservadores adotaram postura contrária à linguagem neutra e investiram, no Legislativo, na promoção de leis que vetem o uso, alinhados à chamada “pauta de costumes” defendida pelo ex-presidente Jair Bolsonaro. O projeto de lei 5198/20, do deputado Junio Amaral (União-MG), por exemplo, “proíbe instituições de ensino e bancas examinadoras de concursos públicos de utilizarem o gênero neutro para se referir a pessoas que não se identificam com os gêneros masculino e feminino, como a população LGBTI”.
Tramitaram em todos os Estados do País, com exceção de Roraima, Piauí e Tocantins, projetos de lei que buscam proibir o uso da linguagem neutra. Propostas também avançaram em diversas Câmaras Municipais pelo Brasil.
Em 2021, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin viu “censura prévia” e suspendeu lei de Rondônia que vetava a linguagem neutra em escolas e concursos. A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, vinculada ao Ministério Público Federal, publicou uma nota técnica em fevereiro de 2022 que diz que a “vedação do uso da linguagem inclusiva” incorre em “inconstitucionalidade e inconvencionalidade, por indevida censura prévia”.
O uso do termo pela Agência Brasil recebeu atenção de parlamentares bolsonaristas. Em sua rede social, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL), filho do ex-presidente Bolsonaro, se posicionou contrário à mudança. “Não há nada inocente nisso. Alguns podem achar bobeira, mas a linguagem é uma forma de domínio. Através dela, se transforma bandido em suspeito ou vítima da sociedade, roubo em expropriação, impeachment em golpe, manifestante em terrorista, conservadorismo em fascismo, invasão em ocupação, aborto em direito da mulher, violência em revolução. Reescreve-se a história”.
Em nota, os organizadores do 1º Encontro de LGBT+eleites defenderam Agência Brasil e afirmaram que o debate sobre o uso da linguagem neutra “começou há mais de 10 anos entre o movimento de pessoas LGBT+” e que o governo Lula “não é o único país a adotar esse tipo de comunicação.”
Procuradas pela reportagem, a Secretaria de Comunicação da Presidência e a Empresa Brasil de Comunicação ainda não se pronunciaram.