Vice-líder do governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) na Assembleia Legislativa de São Paulo, o deputado Guto Zacarias (União) apresentou nesta quarta-feira, 10, um pedido para abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar a eleição do Conselho Curador da Fundação Padre Anchieta e os gastos da entidade, mantida em parte com recursos do governo de São Paulo. A fundação é responsável pela gestão da TV Cultura. Em resposta, o vice-presidente da emissora diz que há uma tentativa de interferência política na TV (veja abaixo).
O parlamentar, que é membro do Movimento Brasil Livre (MBL), afirma na justificativa do pedido que há irregularidades na eleição membros do conselho e que também é necessário investigar como a fundação gasta os recursos públicos aportados pelo governo de São Paulo. A mera apresentação do pedido não significa que a comissão será criada. São necessárias as assinaturas de 32 deputados e que a presidência da Alesp passe a CPI na frente de outras protocoladas primeiro, o que Zacarias afirma que pode ser feito diante do que considera a “urgência” do tema.
“Questões como contratos, licitações, contratação de pessoal e gestão financeira devem ser analisadas por esta Casa para garantir que os recursos públicos sejam utilizados de forma responsável e em conformidade com a legislação vigente”, argumenta Zacarias no protocolo, com o qual começou a recolher assinaturas dos colegas. O deputado disse que vai detalhar as denúncias na Comissão de Educação e Cultura, para a qual ele pretende convocar o presidente do Conselho Curador, Fábio Magalhães. e o diretor da TV Cultura, José Roberto Maluf.
Em resposta, o vice-presidente da TV Cultura, Eneas Pereira, afirmou, ao Estadão que, hoje, a TV opera com 60% de recursos próprios e 40% com recursos oriundos do governo estadual e que há uma tentativa de interferência política na entidade.
“Na realidade, faz parte de um problema maior que se divide em duas frentes: uma guerra ideológica. Querem fazer intervenção na TV Cultura. Eles não entendem a diferença de uma TV pública para uma TV estatal. Acham que é TV estatal. A partir daí, cria-se uma série de equívocos que são levados ao governador e acaba-se comprando por verdade coisas que não são”, disse Eneas Pereira, completando que, quando a atual diretoria assumiu, eram 70% de recursos públicos e 30% de recursos próprios. “Sabíamos que para garantir a independência da TV precisávamos de uma autossuficiência financeira”, disse.
A insatisfação dos aliados de Tarcísio com a TV Cultura vem desde o ano passado. O pedido de CPI, porém, ocorre uma semana depois dos deputados da base jantarem com o governador e ouvirem dele o desejo de reestruturar a Fundação Padre Anchieta. Ainda não está claro como isso seria feito, mas uma possibilidade discutida é “fechar a torneira” dos repasses.
Segundo apurou o Estadão, o governador demonstra incômodo com o tamanho do Conselho Curador, atualmente formado por 47 conselheiros, com o que considera alto número de empregados da fundação e também com o que avalia como a falta de cobertura da TV Cultura da tragédia causada pelas chuvas em São Sebastião no ano passado. De acordo com a fundação, os conselheiros atuam de forma voluntária.
“Além disso, sobre a falta de cobertura da tragédia em São Sebastião, a TV Cultura esclarece que foram produzidas e exibidas 35 matérias sobre o tema no Jornal da Tarde e Jornal da Cultura, além de inúmeros boletins jornalísticos durante a programação. Também foram produzidos e levados ao ar dois documentários que estão disponíveis no Youtube, ‘São Sebastião, uma tragédia no paraíso’ e ‘São Sebastião, uma tragédia no paraíso, a Reconstrução’”, afirmou a emissora.
A Fundação Padre Anchieta recebeu R$ 125 milhões em repasses do governo paulista em 2023. Deste total, R$ 102 milhões foram gastos com despesa de pessoal, R$ 17 milhões com custeio e pouco mais de R$ 6 milhões em investimentos. O orçamento da entidade previa gastos de R$ 191 milhões. Além da TV Cultura, a fundação também mantém as rádios Cultura FM e Cultura Brasil, MultiCultura Educação, Univesp TV e TV Ra Tim Bum!
Zacarias diz que não se trata de uma questão ideológica, mas sim de gestão e eficiência dos gastos. Ele nega que haja relação entre a reunião de Tarcísio com os deputados e a ofensiva contra a Fundação Padre Anchieta.
“Ele quer, como um bom governo liberal, enxugar gastos e dar a maior eficiência para a TV Cultura. Agora, as nossas discussões, as convocações que eu fiz, as denúncias que recebemos, são anteriores a essa reunião com o governador”, afirmou.
Ação popular pede anulação da eleição de seis conselheiros
Além da CPI, Zacarias entrou com uma ação popular na Justiça pedindo a anulação da eleição de seis conselheiros do Conselho Curador da fundação realizada no dia 21 de fevereiro. Renato Battista, coordenador nacional do MBL, também assina o pedido.
Eles argumentam que não houve eleição na prática pois o número de concorrentes era igual ao número de vagas disponíveis. “Se seis candidatos concorrem a seis vagas, não há o que decidir. Os candidatos já estavam eleitos antes mesmo do processo eleitoral começar”, dizem na ação. Também afirmam que o presidente do conselho indicou dois candidatos, quando poderia realizar apenas uma indicação, e que o prazo de 60 dias entre a convocação da reunião e a realização da eleição não foi cumprido.
Eneas Pereira, vice-presidente da TV Cultura, disse que as todas as normas da eleição foram respeitadas.
A indicação de conselheiros já causou atritos entre o governo Tarcísio e o Conselho Curador. No ano passado, a secretária de Cultura, Marília Marton, tentou indicar o cineasta conservador Josias Teófilo, que dirigiu um filme sobre o escritor Olavo de Carvalho, para uma vaga no órgão. Houve resistência de conselheiros que ameaçaram renunciar ao cargo. Ela trocou a indicação por Aldo Valentim, secretário de Economia Criativa no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). O caso foi revelado pelo jornal Folha de S. Paulo.