Nas semanas que antecederam o primeiro turno, aliados de Pablo Marçal (PRTB) comemoravam o protagonismo dele na campanha eleitoral e projetavam um futuro político promissor para o influenciador mesmo se ele não fosse eleito prefeito de São Paulo. O diagnóstico se mantém, mas após a derrota uma sombra paira sobre o ex-coach: ele pode ser condenado pela divulgação do laudo médico falso sobre Guilherme Boulos (PSOL) e ser declarado inelegível por oito anos.
A inelegibilidade atrapalharia os planos de Marçal. Horas após o resultado, ele indicou que deseja se candidatar a presidente ou a governador já na próxima eleição. “São Paulo perdeu a única oportunidade de me ver prefeito da nossa cidade. Mas estamos apenas começando. 2026 é logo ali”, disse ele, acrescentando que planeja ficar 12 anos na política e que disputará apenas cargos no Executivo. Procurada, a assessoria de imprensa não respondeu a um pedido de comentário sobre a possível inelegibilidade.
Do ponto de vista estratégico, políticos que declararam apoio a Marçal ao longo da campanha, como o deputado federal Ricardo Salles (PL), o vereador reeleito Rubinho Nunes (União) — que rompeu com Ricardo Nunes (MDB) para apoiar o ex-coach — e o presidente do PRTB, Leonardo Avalanche, consideram que o laudo falso foi erro determinante para o influenciador ficar fora do segundo turno.
“O erro de Marçal em publicar aquele laudo lhe custou a eleição, mas teve 1,7 milhões de votos mobilizados contra o sistema [...] Isso mostra a força do sentimento antissistema”, escreveu Salles em uma rede social.
Rubinho avalia que a publicação do documento e as críticas ao candidato logo em seguida podem ter estancado o que ele enxergava como a migração de votos do prefeito para o influenciador na reta final. Por outro lado, o vereador considera que a campanha pode servir como aprendizado para a equipe de Marçal e comemora que o influenciador se tornou “prefeito do Brasil”, despertando o interesse de pessoas de outras cidades pelo que ocorria na eleição paulistana.
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“Onde ele for ele vai ter apoio muito grande. [Agora] A inelegibilidade eu acho um exagero. Marçal recebeu o laudo e divulgou. Ele não fabricou. Se ele não fabricou, eu não vejo dolo”, afirmou o vereador, que é advogado de formação. “Deixá-lo inelegível vai ser demonstrar arbitrariedade contra políticos de direita, como foi com Bolsonaro”, acrescentou.
O presidente do PRTB, Leonardo Avalanche, foi outro que avaliou que a divulgação do laudo falso contra Guilherme Boulos foi “um grande erro”. A declaração foi dada ainda no domingo, após o resultado final. “Acho que quem o orientou a fazer isso cometeu um grande erro”, afirmou.
O ex-presidente Jair Bolsonaro e o deputado Fernando Francischini ficaram inelegíveis após condenações, em casos distintos, pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por uso indevido dos meios de comunicação e disseminação de notícias falsas sobre as urnas eletrônicas e o sistema eleitoral brasileiro.
“Nós não temos, na história do direito eleitoral brasileiro condenação pelo uso de fake news e mentiras na eleição, afora aquelas produzidas em razão do processo democrático e da questão das urnas eletrônicas”, afirmou Fernandes Neto, presidente da Comissão de Direito Eleitoral da Ordem dos Advogados do Brasil no Ceará (OAB-CE). “Eu penso até que a Justiça Eleitoral utilizará esse caso, que é gravíssimo, como uma decisão pedagógica. Esse vai ser o caso precedente que norteará o uso das redes sociais nas campanhas futuras”, continuou ele.
Especialista vê riscos criminais e eleitorais
Segundo Fernandes Neto, a inelegibilidade pode vir por dois caminhos: o primeiro é uma eventual ação criminal onde Marçal pode ser condenado por falsificação de documentos. Se houver condenação em segunda instância, o ex-coach cairia na Lei da Ficha Limpa.
O caminho mais rápido, porém, é a Justiça Eleitoral. “Criminalmente, pela falsificação, terá um efeito mais tardio. Mas no ilícito civil, no caso, abuso dos meios de comunicação, a inelegibilidade é gerada logo quando confirmada em julgamento colegiado pelo Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo”, explicou o especialista, mencionando que Marçal também pode se tornar inelegível na ação que discute se ele pagou para pessoas produzirem “cortes” de seus vídeos e divulgarem o conteúdo nas redes sociais, o que é proibido.
O ex-ministro do TSE, Admar Gonzaga, disse à Coluna do Estadão que é “bem provável” que Marçal fique inelegível. “Há gravidade na utilização do documento conhecidamente falso, porque não é possível que ele não apurou a veracidade”, afirmou.
No domingo antes da votação, Marçal buscou se eximir ao afirmar que quem publicou o laudo foi seu advogado, Tássio Renam. Após a derrota, ironizou a rapidez da Polícia Civil em concluir que o documento era falso. “Eu, Pablo Marçal, jamais postaria sabendo que é um laudo falso. Vou dar os parabéns aqui para a Polícia Civil, trabalhando final de semana”, disse.
Ao contrário dos aliados, ele evitou cravar que a divulgação do documento foi um erro, mas prometeu “meditar” sobre sua campanha e depois produzir conteúdo apontando o que eventualmente fez de errado.