BRASÍLIA - Na medida em que se aproxima o primeiro turno das eleições municipais deste ano, crescem as denúncias de assédio eleitoral no ambiente de trabalho. Os relatos chegaram ao Ministério Público do Trabalho (MPT) e envolvem situações em que superiores ou patrões coagem os seus subordinados para que votem, ou deixem de votar, em determinados candidatos.
Segundo levantamento do Estadão, há até episódios de ameaças de demissão e uso de uniformes para propagandear o número e as ideias de alguns concorrentes. Em duas semanas, as queixas desse tipo de crime dobraram em todo o País. O MPT tinha recebido 293 denúncias até o dia 17 de setembro. Nesta sexta-feira, 4, o órgão contabilizou 590 queixas.
Os casos de denúncias deste ano representam um grande aumento em relação ao último pleito. Em 2022, o MPT recebeu apenas 45 queixas na primeira etapa das eleições, número que subiu no segundo turno e chegou a 3.606 denúncias ao final aquele ciclo eleitoral. Quatro anos antes, em 2018, o órgão recebeu 212 queixas.
O Estadão teve acesso a caso ocorrido em uma empresa de São Paulo que tem aproximadamente 30 funcionários. A denúncia recebida pelos procuradores relata que a dona ameaçava demitir os funcionários que não votassem no candidato da sua preferência. A denunciante afirmou às autoridades que a chefe dizia aos eleitores de outros candidatos que ‘poderiam passar no RH’.
O MPT reuniu relatos de testemunhas, e-mails e gravações que comprovam o assédio cometido pela dona da empresa. Diante das provas, os procuradores propuseram a assinatura de um termo de ajustamento de conduta (TAC), que foi aceito pela denunciada.
O documento obriga os diretores, gerentes e supervisores da companhia a cessar práticas como ameaças de demissão e remanejamento de setor; “elogios” e “exaltação” de candidatos; e a exigência de participação em atividades de manifestação política. O acordo ainda prevê a aplicação de multa mensal de R$ 20 mil para cada cláusula descumprida.
Um outro caso relatado por fontes à reportagem é o do dono de uma empresa em São Paulo que colava adesivos do seu candidato nos uniformes dos trabalhadores. O dono do comércio fechou um acordo com o MPT no qual fica proibido de fazer manifestações políticas no ambiente e nos instrumentos de trabalho, sob pena de multa de R$ 15 mil.
Apesar do crescimento dos casos, o procurador-geral do Trabalho, José de Lima Ramos Pereira, avalia que a corrida municipal não vai se igualar ao volume de casos registrados no segundo turno das eleições gerais passadas.
“Acredito que esse primeiro turno vai ter um número maior, mas no segundo turno não vai ter aquela avalanche de denúncias. Até porque muitos municípios vão ser resolvidos no primeiro turno”, disse Ramos ao Estadão. “A diferença é que o assediador cometia o crime e divulgava na rede social. Não tinha nenhum pudor. Hoje não. Ele está mais contido e faz o assédio de forma mais contida”, completou.
Quase 50% dos casos de assédio eleitoral acontecem em órgãos públicos. São servidores, secretários e prefeitos que usam do seus postos e da posição de gestores de dezenas de empregos para chantagear os trabalhadores. A região Nordeste é a que mais recebeu denúncias neste ano, sendo que 70% dos casos estão relacionados ao ambiente de trabalho nos órgãos públicos.
“A diferença é que as paixões políticas estão mais localizadas, portanto a possibilidade de ir para a administração pública é muito grande, porque o prefeito e o vereador de cada município estão muito próximos. Tem muitos terceirizados e cargos comissionados, então não é surpresa esse número elevado na administração pública”, completou.
Há dois anos, a região Sul foi a que mais registrou denúncias de assédio eleitoral, como o caso notório do empresário Luciano Hang, dono das lojas Havan, que obrigou os trabalhadores dos seus estabelecimentos a usarem uniformes com as cores e o slogan de campanha do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que concorria à reeleição. Hoje, o Sul aparece na terceira colocação, atrás do Sudeste e do Nordeste.
Procedimentos e responsabilização
Uma vez recebida a denúncia, o MPT inicia uma investigação. Caso o assédio seja comprovado, é inicialmente oferecida a possibilidade de a empresa fechar um acordo para evitar a judicialização do caso. O protocolo adotado pelos procuradores do trabalho propõe aos infratores uma série de compromissos, que vão desde ações para impedir novos casos a treinamentos e a criação de canais de denúncia.
Se o acordo for rejeitado, o MPT denuncia os infratores à Justiça. São 27 acordos até o momento e 3 ações judicias em tramitação. Os processos correm sob sigilo. A reportagem questionou o órgão sobre o número de investigações ainda em curso, mas não houve resposta. Os criminosos podem ser enquadrados nas áreas eleitoral, trabalhista, cível e penal.
Esse tipo de assédio é recorrente nos ciclos eleitorais brasileiros e remonta aos tempos do voto de cabresto. A definição jurídica desse crime foi primeiro tipificada no art. 234 Código Eleitoral, que prevê multa e prisão de quem “impedir ou embaraçar o direito do voto” Há ainda a possibilidade de o assediador responder por danos morais.
Em 2023, o Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT) aprovou uma resolução que define assédio eleitoral como “toda forma de distinção, exclusão ou preferência fundada em convicção ou opinião política no âmbito das relações de trabalho, inclusive no processo de admissão”.
As Justiças Eleitoral e do Trabalho intensificaram as ações campanhas contra esse tipo de crime. No dia 24 deste ano, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o Tribunal Superior do Trabalho (TST) e o CSJT fecharam um acordo de cooperação para tornar mais célere e efetivo os julgamentos dos casos. A medida facilita a troca de informações, documentos, movimentações processuais e dados sobre os processos relacionados a assédio judicial.