Análise: É preciso separar compras emergenciais para pandemia de atos de improbidade


Ao comentar investigações sobre acordos sem licitação feitos durante pandemia, diretor da Faculdade de Direito da USP afirma que exigências legais devem se adaptar ao novo contexto

Por Floriano de Azevedo Marques Neto
Atualização:

Notícias dão conta de irregularidades na aquisição, pela Administração Pública, de insumos de saúde para combater a covid-19: superfaturamento, pagamento antecipado, equipamentos não entregues. Em condições normais, seriam irregularidades graves. Porém, o combate a uma pandemia não é normal. É preciso separar atos inusuais, mas necessários diante da urgência, de atos deliberadamente ímprobos, a serem punidos com rigor.

A emergência de saúde pública cria um “novo normal”. Seria irrazoável esperar todo um procedimento licitatório, ou mesmo de pesquisa de preços, correndo o risco de colapso do sistema. Não pagar antecipado implicaria perder o fornecimento para outro Estado ou país que o faça. A noção de sobrepreço deve ser colocada no contexto de uma oferta limitada e uma demanda exponencialmente aquecida. Exigir tradição do fornecedor é incompatível com a ampliação da oferta. 

Apreensão de produtos na operação Virus Infectio, contra o superfaturamento Foto: POLICIA FEDERAL AMAPA
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Leis recentes abrigam essa excepcionalidade. Foram ampliadas as hipóteses de dispensa de licitação, flexibilizadas exigências na cotação de preços e elaboração de projetos. Recente MP permite pagamento antecipado a fornecedores. A Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro subordina o controle dos atos às “dificuldades reais do gestor”. Isso não autoriza a negligência ou, pior, o locupletamento. 

A documentação das compras deve caracterizar a necessidade urgente, as razões da escolha daquele fornecedor diante da escassez; o preço, mesmo elevado, deve ser justificado. Essa documentação pode ser concluída mesmo após a compra, já que a doença dispensa formalidades. Boa ideia seria a criação ou articulação de banco de dados nacional de preços dos principais insumos. Importações devem, na medida do possível, dispensar intermediários.

No Ensaio sobre a Cegueira, Saramago nos conta que, numa imaginada epidemia, uma nova regra se impõe. Resta evitar que ela não permita nem o justiçamento do administrador de boa fé, nem a proliferação do vírus da incúria administrativa.

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* Floriano de Azevedo Marques Neto é professor de Direito Administrativo e Diretor da Faculdade de Direito da USP

Notícias dão conta de irregularidades na aquisição, pela Administração Pública, de insumos de saúde para combater a covid-19: superfaturamento, pagamento antecipado, equipamentos não entregues. Em condições normais, seriam irregularidades graves. Porém, o combate a uma pandemia não é normal. É preciso separar atos inusuais, mas necessários diante da urgência, de atos deliberadamente ímprobos, a serem punidos com rigor.

A emergência de saúde pública cria um “novo normal”. Seria irrazoável esperar todo um procedimento licitatório, ou mesmo de pesquisa de preços, correndo o risco de colapso do sistema. Não pagar antecipado implicaria perder o fornecimento para outro Estado ou país que o faça. A noção de sobrepreço deve ser colocada no contexto de uma oferta limitada e uma demanda exponencialmente aquecida. Exigir tradição do fornecedor é incompatível com a ampliação da oferta. 

Apreensão de produtos na operação Virus Infectio, contra o superfaturamento Foto: POLICIA FEDERAL AMAPA

Leis recentes abrigam essa excepcionalidade. Foram ampliadas as hipóteses de dispensa de licitação, flexibilizadas exigências na cotação de preços e elaboração de projetos. Recente MP permite pagamento antecipado a fornecedores. A Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro subordina o controle dos atos às “dificuldades reais do gestor”. Isso não autoriza a negligência ou, pior, o locupletamento. 

A documentação das compras deve caracterizar a necessidade urgente, as razões da escolha daquele fornecedor diante da escassez; o preço, mesmo elevado, deve ser justificado. Essa documentação pode ser concluída mesmo após a compra, já que a doença dispensa formalidades. Boa ideia seria a criação ou articulação de banco de dados nacional de preços dos principais insumos. Importações devem, na medida do possível, dispensar intermediários.

No Ensaio sobre a Cegueira, Saramago nos conta que, numa imaginada epidemia, uma nova regra se impõe. Resta evitar que ela não permita nem o justiçamento do administrador de boa fé, nem a proliferação do vírus da incúria administrativa.

* Floriano de Azevedo Marques Neto é professor de Direito Administrativo e Diretor da Faculdade de Direito da USP

Notícias dão conta de irregularidades na aquisição, pela Administração Pública, de insumos de saúde para combater a covid-19: superfaturamento, pagamento antecipado, equipamentos não entregues. Em condições normais, seriam irregularidades graves. Porém, o combate a uma pandemia não é normal. É preciso separar atos inusuais, mas necessários diante da urgência, de atos deliberadamente ímprobos, a serem punidos com rigor.

A emergência de saúde pública cria um “novo normal”. Seria irrazoável esperar todo um procedimento licitatório, ou mesmo de pesquisa de preços, correndo o risco de colapso do sistema. Não pagar antecipado implicaria perder o fornecimento para outro Estado ou país que o faça. A noção de sobrepreço deve ser colocada no contexto de uma oferta limitada e uma demanda exponencialmente aquecida. Exigir tradição do fornecedor é incompatível com a ampliação da oferta. 

Apreensão de produtos na operação Virus Infectio, contra o superfaturamento Foto: POLICIA FEDERAL AMAPA

Leis recentes abrigam essa excepcionalidade. Foram ampliadas as hipóteses de dispensa de licitação, flexibilizadas exigências na cotação de preços e elaboração de projetos. Recente MP permite pagamento antecipado a fornecedores. A Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro subordina o controle dos atos às “dificuldades reais do gestor”. Isso não autoriza a negligência ou, pior, o locupletamento. 

A documentação das compras deve caracterizar a necessidade urgente, as razões da escolha daquele fornecedor diante da escassez; o preço, mesmo elevado, deve ser justificado. Essa documentação pode ser concluída mesmo após a compra, já que a doença dispensa formalidades. Boa ideia seria a criação ou articulação de banco de dados nacional de preços dos principais insumos. Importações devem, na medida do possível, dispensar intermediários.

No Ensaio sobre a Cegueira, Saramago nos conta que, numa imaginada epidemia, uma nova regra se impõe. Resta evitar que ela não permita nem o justiçamento do administrador de boa fé, nem a proliferação do vírus da incúria administrativa.

* Floriano de Azevedo Marques Neto é professor de Direito Administrativo e Diretor da Faculdade de Direito da USP

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