Ao tomar conhecimento dos planos golpistas e não determinar a prisão ou investigação dos fatos que poderiam beneficiá-lo, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) aderiu à “empreitada criminosa” e “concorreu para que os delitos acontecessem”. Essa é a opinião de especialistas em direito penal ouvidos pelo Estadão. O ex-presidente foi indiciado pela Polícias Federal no inquérito do golpe por três crimes: organização criminosa, tentativa de abolição do estado democrático de direito e golpe de estado.
O criminalista Paulo Amador da Cunha Bueno, que representa Bolsonaro, diz que só irá se manifestar quando tiver acesso ao relatório final da Polícia Federal, para fazer “uma manifestação mais segura”.
De acordo com eles, ainda que Bolsonaro não tenha dado a ordem final, assinado o papel para a intervenção no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a prisão ou morte do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), ou para o assassinato dos integrantes da chapa vencedora da eleição – Luiz Inácio Lula da Silva e Geraldo Alckmin –, ele ocupava uma função pública – a Presidência da República – e como tal não poderia se omitir.
“Uma pessoa comum não tem a obrigação de agir, como nós, que exercemos funções públicas. O funcionário público em cargo de poder e decisão responde pelo que fez errado e responde pelo que deixou de fazer quando a lei determina que ele deveria agir”, afirmou a desembargadora Ivana David, do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP).
Ex-juíza corregedora da Polícia Judiciária, Ivana é conhecida pelo peso de sua caneta. De acordo com ela, como presidente e Chefe Supremo das Forças Armadas, mesmo não tendo dado a ordem para a execução do golpe, ao tomar conhecimento de que a ação de militares como o general Mário Fernandes estava em andamento e, mesmo que ele somente tivesse se omitido sem determinar a prisão de todos, Bolsonaro já teria, em tese, concorrido para que o crime fosse cometido.
“Teria teoricamente prevaricado. Como o chefe, sabendo de um ‘movimento’ criminoso, tinha a obrigação legal de agir. No silêncio, tendo conhecimento, concorreu para os delitos, teoricamente”, afirmou. Ainda que a defesa do ex-presidente alegue desconhecimento dos fatos, a questão que permanece é quem se beneficiaria do golpe?
Para o procurador de Justiça, Mário Sérgio Christino, do Ministério Público de São Paulo, “o problema é que ele (Bolsonaro) é o beneficiário da ação; logo, tomou conhecimento e se aproveitou da situação, ao ato aderiu”. Ou seja, de acordo com ele, as provas colhidas pela PF e tornadas já públicas mostram no entendimento do procurador que o ex-presidente se omitiu “em benefício próprio, de forma que assim fazendo aderiu” à empreitada criminosa.
Professor livre-docente do Departamento de Direito Penal, Criminologia e Medicina Forense da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), o criminalista Pierpaolo Bottini afirmou que, de acordo com o que foi divulgado até agora das provas colhidas pela PF, a conduta de Bolsonaro passou da omissão diante dos fatos. “A questão não é mais verificar qual o grau de ciência e capacidade dele de impedir os fatos. Mais do que tomar ciência, as provas indicam que ele participou com apoio intelectual que pode ser equiparado à instigação do ato criminoso”.
O desembargador aposentado do TJ-SP Walter Maierovitch afirmou que mesmo Bolsonaro negando qualquer tipo de participação, os indícios têm lastro suficiente para uma condenação, pois “a prova é contundente, é muito forte”. Apesar disso, Maierovitch lança um alerta: é necessário que o ministro Alexandre de Moraes, que presidiu o inquérito do caso, afaste-se do processo, caso haja acolhimento de uma futura denúncia criminal da Procuradoria-Geral da República.
“È como o juiz de garantia. Se ele participou do inquérito policial, ele não deveria julgar o processo. Esse é um princípio universal do devido processo legal. Vimos o que aconteceu com o Sérgio Moro, na Lava Jato. O magistrado que, além de tudo, é vítima no processo, deveria se afastar”, afirmou. A solução no caso seria o Supremo convocar um ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) para analisar o processo.